junho 30, 2006

Depoimento de Emília Castro

Foto: Praça da Saudade, Manaus-AM - Cartão Postal - A Favorita













Na Manaus dos anos 50/60, a Praça da Saudade fazia
um harmonioso conjunto com a sede do Atlético Rio
Negro Clube. Diz a lenda que um governador do estado,
contrariado por ter sido ali barrado, mandou erguer um
monstrengo arquitetônico defronte da praça, que hoje
sedia a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania: um horror.

Nota: Emília de Castro é médica da Unidade Básica de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde no bairro da Betânia, zona Sul de Manaus. Até recentemente, dividia os sonhos e ideais de vida com o saudoso Aristófanes Castro, o Velho, a quem ela chamava carinhosamente de "o Danton da minha vida". Leia o depoimento enviado por e-mail.

Depoimento de Emília Castro

Olá amigo!

Fico alegre em ajudá-lo ao meu modo e relembrar meus tempos de infância, mesmo que com medo, da inofensiva # Carmem Doida#. Me alegro por você ser um estudioso do comportamento humano e seus desvios, com suas neuroses e psicoses; próprias de nós mortais. Lembro de Carmem Doida, sim. Carmem era uma pessoa de estatura longilínea, esbelta, elegante ao natural, de postura ereta, magérrima porém musculosa, sem frequentar academias (espaços inexistentes na época, como pedem os padrões de beleza atuais). Vestia-se com simplicidade, e comportadamente; seus vestidos, listrados de fundo escuro, tendiam para o verde, azul, que mais pareciam tingido ou mistura de tons sobre tons de azul verde e marrons, sempre escuros. Religiosa, assistia a missa compenetradamente em um canto; distante de quase todos ou próximo da porta da igreja; acompanhava às procissões devotadamente, com ou sem pedra na cabeça, como se estivesse pagando promessa. Nas procissões era sempre recatada, ouvindo toda sorte de impropérios e apelidos calada, como se não fora com ela: "A Carmem Doida!" Porém, após o ritual das procissões ou se noutro dia, alguém porventura lhe chamasse CARMEM DOIDA!! ela atirava ao chão o saco de estopa ou de trigo encardido, ou branco alvo, que ora trazia às costas, ou na cabeça em uma rodilha bem feita, cheio de farinha, capim para os animais, terra, ou adubo; olhava e respondia "Carmem Doida, é a tua mãe vagabundo!" Horas quando a gritaria era demais, apelava e dizia "é a tua mãe Filho da P...!" Hora chamava-os "é a tua mãe desgraçado", e lá se ia pela cidade, caminhando apressada, sempre trabalhando, indo, ouvindo. Ocupada com saco ou muito raramente uma cesta, sempre carregada, caminhava só e se alguém de sua casa estava por perto, ela estava a alguns metros à frente ou atrás. "Carmem Doida"! Ela logo parava, olhava procurando e respondia; apanhava uma pedra e tentava atirá-las na meninada ou nos homens que se escondiam, e quem levava por vezes nada tinha com os insultos; nesta horas causava medo. Fico devendo o relato sobre outras duas pessoas que ainda não lembrei os nomes. Vou lhe enviar um número de telefone em outra ocasião, após consulta ao referido, o nome de um amigo nosso que tem uma memória de elefante; fale em nome do nosso velho Aristófanes de quem ele foi mais amigo que meu; ele certamente lhe dará grandes informações. Abraços afetuosos.

Emília
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