Foto: Rogelio Casado - Encontro Nacional de Saúde Mental, BH-MG, 2006
Da esq. para a direita: Marcus Vinicius Oliveira, Vice-Presidente do Conselho Federal de Psicologia; Domingos Sávio, ex-Coordenador Nacional de Saúde Mental; Pedro Gabriel Delgado, atual Coordenador Nacional de Saúde Mental; Miriam Abou-Yd, psiquiatra - Rosemeire Silva, psicóloga - Políbio José de Campos, psiquiatra: trinca de Coordenadores Municipais de Saúde Mental de Belo Horizonte. Os três últimos assinam um manifesto em defesa da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Leia abaixo.
(No Encontro Nacional de Saúde Mental, ocorrido entre os dias 13, 14, 15, e 16 de julho de 2006, em Belo Horizonte-MG, Domingos Sávio foi homenageado pelos serviços prestados à Reforma Psiquiátrica Brasileira: as primeiras portarias ministeriais que regulamentavam a implantação dos serviços substitutivos de saúde mental ao modelo baseado no hospital psiquiátrico e seus ambulatórios foram assinadas por ele, constituindo-se um marco na história da Saúde Mental).
EM DEFESA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA:
BELO HORIZONTE DECLARA SUA POSIÇÃO
Tomamos conhecimento das posições assumidas publicamente pelo presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em relação à Política de Saúde Mental deste Ministério, que expressam desconhecimento ou mesmo desrespeito quanto às deliberações de todas as Conferências Nacionais de Saúde Mental que, uma após a outra, reafirmaram a necessidade de superar o paradigma manicomial hegemônico e iatrogênico, construindo alternativas reais de tratamento e inclusão social dos portadores de sofrimento mental. Ou seja, a sociedade brasileira, ao contrário do que afirma o presidente da ABP, escolheu uma direção para a política de saúde mental do país, sem a presença nefasta do hospital psiquiátrico, desde o primeiro momento em que foi convocada a se posicionar, quando pôde retomar o direito à voz e a participação no fim do regime autoritário, com o retorno da democracia. A partir de então, a Reforma Psiquiátrica passa a ser uma Política do Estado Brasileiro, atravessando gestões de matizes partidários distintos e evoluindo ao longo deste percurso.
A potência desta política e suas condições de possibilidade encontram-se articuladas diretamente, de um lado, à posição da sociedade civil, sem a qual, nenhum governo seria capaz de empreender tamanha revolução e, por outro, ao processo de construção e funcionamento do Sistema Único de Saúde. A Reforma Psiquiátrica aprende com o SUS que a política se faz é no município, lugar onde vivem os sujeitos. A sua elaboração, implementação e controle social é realizada por todos os atores que o movimento colocou em ação, categorias profissionais diversas, governos, instâncias do poder judiciário e legislativo e, principalmente, os usuários. Ela não se faz nos gabinetes e centros do poder ou menos ainda, do que ambiciona a ABP neste momento, nos ninhos das corporações; não é propriedade de nenhum saber ou profissão: é conquista da sociedade.
Seguindo o princípio da municipalização e tendo por norte a construção de uma sociedade sem manicômios, Belo Horizonte vem desde 1993 trabalhando nesta perspectiva, sustentando a radicalidade necessária a esta Política, articulando a criação de uma rede substitutiva de serviços à redução de leitos psiquiátricos e deste modo, pode afirmar, assim como inúmeros outros municípios brasileiros, a partir de indicadores da assistência e de relatos dos usuários e seus familiares, que cumpre o objetivo proposto e não promove nem jamais promoveu, desassistência, sucateamento de serviços ou contigenciamento de recursos, como afirma o presidente da ABP. É uma política responsável e conseqüente, que promove o acesso à vida, aos direitos sociais para aqueles que a instituição psiquiátrica tornou inválidos, incapazes, perigosos e ausentes da vida coletiva.
Aqui, talvez caiba reafirmar, que há um modelo que necessita e, de modo urgente, ser amplamente reformado, ou melhor, como nos ensinam nossos usuários, substituído. O hospital psiquiátrico, secular modelo de tratamento da loucura, ainda é lugar de anulação de direitos civis, de supressão da subjetividade, sendo, portanto, incompatível e contrário a qualquer projeto democrático de cidade e de país. O apelo que faz a sociedade brasileira a todos os atores diretamente envolvidos e responsáveis pelo cuidado, pela assistência, é de que sejamos capazes de inverter a tradição e criar condições de tratamento adequadas e coerentes com os direitos humanos. Na clínica da Reforma Psiquiátrica, teremos todos que aprender a conjugar loucura com cidadania, dignidade com tratamento, respeito com eficácia, ciência com ética.
Portanto, criticar e de forma tão virulenta e desrespeitosa uma Política que se assenta sob os princípios da solidariedade e do direito à diferença, é fazer a defesa de interesses tecidos em corredores sombrios, nos bastidores da vida, sustentados pela mesquinha lógica do privilégio.
Como gestores municipais da Política de Saúde Mental de Belo Horizonte, declaramos nosso orgulho em fazer parte deste empreendimento e reafirmamos nosso desejo cidadão de vê-la avançar cada vez mais, alcançando cada usuário e cada cidade, num tempo e ritmo cada vez mais ágil e resolutivo, tornando enfim real a utopia ativa que funda a lógica antimanicomial: a sociedade sem manicômios, onde todo homem e mulher, loucos ou não, encontrem seu lugar e sua forma de pertencimento, mantendo sempre intocado, seu direito à liberdade. É nisso que apostamos para Belo Horizonte e para o Brasil e confiamos que a Política da Reforma Psiquiátrica será capaz de tornar efetivo este projeto de mundo.
Miriam Abou-Yd, psiquiatra, psicóloga, Coordenação de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.
Políbio José de Campos, psiquiatra, Coordenação de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.
Rosimeire Silva, psicóloga, Coordenação de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.
Belo Horizonte, 25 de agosto de 2006
PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
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