agosto 13, 2006

Graziella Barbosa Barreiros declara apoio à Política Nacional de Saúde Mental

Foto: Rogelio Casado - Hospital Colônia
Eduardo Ribeiro, ócio químico, Manaus- AM, 1980




















"UMA única pessoa sofrendo maus tratos,
a meu ver, já justificaria a contundente
avaliação do modelo de atenção".
Graziella Barbosa Barreiros

Nota: Militantes de todas as latitudes continuam se manifestando contra as declarações do presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Desta vez é a socióloga sanitarista Graziela Barbosa Barreiros que desmonta a lógica dos argumentos do presidente da ABP.

Resposta à ABP

Em defesa da Reforma

Ilmo. Sr.Dr. Pedro Gabriel Godinho Delgado
DD. Coordenador Nacional de Saúde Mental
Ministério da Saúde

Venho por meio desta declarar meu contundente apoio à Política de Saúde Mental adotada pela Coordenação Nacional, sob seu comando.

O que motiva minha atitude são as declarações absolutamente infundadas e severamente comprometidas do Sr. Josimar França, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, recentemente veiculadas através do site daquela associação http://www.abpbrasil.org.br/ .

Como trabalhadora e gestora do Sistema Único de Saúde (no campo da Saúde Mental) e militante do Movimento da Luta Antimanicomial afirmo sobre aquelas declarações:

O Programa Nacional de Saúde Mental de modo algum pode ser apontado como um “equívoco”, antes, devemos reafirmar sua coragem, lisura, adequação técnica e cidadã.

A sociedade brasileira tem a oportunidade de ver membros de seu Governo Central assumindo efetivamente sua responsabilidade com a Saúde Mental de uma legião de cidadãos por nós esquecidos dentro dos muros dos manicômios e empenhando esforços para garantir uma atenção ampla e conseqüente para todos que venham, por motivos diversos, precisar de cuidados específicos nessa área da saúde. É quase um alento!

O Senhor Josimar França certamente tem razão quando afirma que o desenvolvimento desta política se deu em função de “antigos preconceitos”, foi fundamentalmente esta nossa razão (antigos preconceitos que atravessavam matricialmente a circunstância de ausência do Estado nesta área), mas não foi só essa. Vivemos em tempos de reflexão de nossas práticas e relações sociais. A Sociedade Brasileira respondeu muito positivamente às proposituras antimanicomiais porque as mesmas reverberaram seus anseios e demandas.

Estamos cansados de “fazer de conta” que os problemas ou não existem, ou não são nossos. Nós, cidadãos brasileiros, queremos nos responsabilizar pelos rumos de nossa sociedade e entendemos que podemos fazê-lo sem ignorarmos a pluralidade dos interesses e necessidades sociais.

Todavia, existe sempre o inaceitável!

Nunca afirmamos que internações em hospitais fechados não fossem necessárias. O que defendemos é que essas sejam acionadas quando TODOS OS RECURSOS COMUNITÁRIOS ESTIVEREM ESGOTADOS.

O que observamos sempre foi o caminho inverso desta lógica. A internação que jogou milhares de brasileiros por longo e interminável período de tempo dentro de instituições fechadas e, muito, muito freqüentemente, subumanas era sempre a primeira atitude tomada e, não raro, a única.

Não tivemos “percepções equivocadas” sobre as terríveis condições de existência dentro dos manicômios. Nós fomos a eles. Vimos concretamente àquela realidade, sentimos os cheiros, vimos “fantasmas” em forma de gente perambulando sem posses, nomes, histórias, escolhas, direitos... Incluídos aí, muitos de seus trabalhadores.

E precisariam mesmo serem “... TODOS os internos em unidades psiquiátricas vítimas de maus tratos ..." para que tomássemos nossas providências? UMA única pessoa sofrendo maus tratos, a meu ver, já justificaria a contundente avaliação do modelo de atenção. E não estamos falando de UMA pessoa, não é mesmo? Sabemos dos milhares que permaneciam nus, super-medicalizados, sofrendo “terapias de punição”, abusos sexuais, comendo refeições indignas, entre tantos outros absurdos.

É preciso que o senhor Josimar França reveja também suas impressões sobre nós trabalhadores do campo da Saúde Mental. Não somos acéfalos que simplesmente “... encenamos roteiros...”, somos sujeitos sociais responsáveis e cônscios da importância de avançarmos em direção a um modelo de atenção que gere conseqüências mais impactantes, eficientes e eficazes.

Sabemos com clareza que não foi a Reforma Psiquiátrica que gerou o sucateamento e esgotamento do modelo de atenção centrado na internação em hospitais fechados. Foi exatamente o contrário, o esgotamento do modelo anterior gerou a necessidade da Reforma.

E que especialidade médica (ou de qualquer outra natureza) seria tão final que nunca demandasse revisão? Não estão todos os fenômenos sociais sempre, e a um só tempo, se criando e recriando, em respeito à dialética da própria vida social?

Seriam também os nossos parceiros (Viva!) da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República tão inconseqüentes que subscreveriam uma Política proposta por outra área sem antes avaliar sua veracidade ou pressupostos?

Em outra coisa, infelizmente, o senhor Josimar França tem razão, muito não aparece nos jornais. Muitas situações absurdas que veementemente denunciamos não ganharam espaço na mídia para gerar informação à sociedade brasileira. Mas (Que bom!), até isso vem mudando, embora, receio, muito lentamente. Os interesses inexoravelmente se transformam em forças sociais.

A Coordenação de Saúde Mental “... ignorou anos de pesquisa científica e o atual nível da psiquiatria brasileira...” ?

Falando assim o senhor Josimar França demonstra pouco estar conversando com nossos valorosos pesquisadores, que poderiam falar-lhe da profunda pobreza de pesquisa em nosso país. Quanto ao nosso “nível da psiquiatria”, sei que podemos encontrar muitos profissionais sérios desta área que têm muito a contribuir com esta avaliação.

Quanto ao fato de que o Ministério da Saúde não teria apresentado alternativas viáveis para o enfrentamento das questões nesta área, temos aí mais um sinal de desconhecimento ocasional ou proposital da Política Nacional de Saúde Mental e seus pressupostos.

Segundo informações que qualquer cidadão pode acessar, nos últimos dois anos quase 900 Centros de Atenção Psicossocial foram abertos no território Nacional, assim como também mais de 400 Serviços Residenciais Terapêuticos, tendo seus moradores referenciados em CAPS’s de seus territórios.

Incentivos financeiros foram ofertados aos municípios que assumissem suas responsabilidades junto a esta clientela.

Inúmeras ações de incentivo à capacitação continuada das Equipes de Saúde Mental foram implementadas. A exemplo, o Curso de Especialização em Atenção Comunitária para Área de Álcool e Outras Drogas ministrado pelo o GREA – USP e custeado pelo Ministério da Saúde, que foi ofertado a trabalhadores dos CAPS’s Ad do Estado de São Paulo (07 trabalhadores do NAPS Ad de Santo André concluíram este curso).

A Coordenação Nacional de Saúde Mental implantou um Programa de Qualificação dos CAPS’s, que visa à avaliação e qualificação continuada das ações dos equipamentos de base comunitária. Sinal de que não entende os processos como totais e/ou estanques de modo a que não gerem necessidade de revisão contínua.

É bem verdade, Senhor Coordenador, que muitos são os nossos problemas. Mas são nossos, os assumimos e os enfrentamos quotidianamente. Como sujeitos de direitos e deveres que somos.

O Modelo de Atenção Psicossocial traz em seu bojo toda a pluralidade de nossa determinação psicossocial e fica cada vez mais claro que não foi a Reforma Psiquiátrica que “...reacendeu o preconceito...”, antes, esta tem a potencialidade de trazê-lo à tona e, dentro do franco universo das relações sociais, possibilitar sua superação.

Gostaria de lembrar e/ou informar a quem possa interessar que as Nações Unidas, através de seu Escritório para as questões de Drogas e Crime (O UNODC), selecionou o Núcleo Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas do município de Santo André (SP) como um dos 20 Centros de Excelência Mundial para a área e que ressaltou veementemente o fato de que nossa seleção se deu em função de nosso Modelo de Atenção Comunitária. Não seria este mais um sinal de que estamos trilhando o caminho mais adequado às nossas necessidades?

O que celebramos em Santo André é que em 1997 este município internava cerca de 240 pessoas / mês em hospitais psiquiátricos e, hoje, esta média caiu para 03 pessoas / mês. E esses cidadãos não estão abandonados por nós. Assim, a Reforma não é só desejada e necessária, ESTÁ ACONTECENDO!

Em função de todas considerações acima expostas, reafirmo meu apoio à Política Nacional de Saúde Mental, esperando que ações como esta do senhor Josimar França não arrefeçam vossa determinação nesta empreitada.

CONTE CONOSCO!!!

GRAZIELLA BARBOSA BARREIROS
Socióloga Sanitarista – Especialista em Atenção Comunitária na Área de Álcool e Outras Drogas
Coordenadora Local do Brasil na “International Network of Drugs Treatment and Rehabilitation Resource Centres” – UNODC – United Nations
Consultora do Estado de São Paulo para o Projeto Piloto de Implantação de Redução de Danos em Serviços de Assistência Especializada de DST/AIDS
Coordenadora Técnica do Núcleo de Atenção Psicossocial – Álcool e Outras Drogas – Santo André – SP
Membro do Colegiado Coordenador do Programa de Saúde Mental de Santo André
Associada à Associação José Martins de Araújo Jr.
Militante do Movimento da Luta Antimanicomial Posted by Picasa

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