agosto 22, 2006

Ensaio sobre a cegueira no Brasil













"São Doidão, afastai de nós essa cegueira".

Ensaio sobre a cegueira no Brasil

Saramago há de perdoar o plágio. A causa é justa. Hospitais psiquiátricos fechados ainda abrigam pessoas com distúrbios mentais e menores dependentes de drogas no país. São cenários de tragédias pouco divulgadas

Alguns tipos de histórias provocam repulsa entre leitores. Espantam compradores de revistas das bancas. Como raramente são publicadas, permanecem desconhecidas. E não há mobilização alguma para resolver os problemas que elas envolvem. Círculo vicioso, diria alguém. Expressão que, no caso, vem bem a calhar. Esse é um texto do tipo ‘prefiro não saber’. Trata de loucos, adictos, manicômios. Mas como nesse mundo são raras as bailarinas e, como disse Chico Buarque de Holanda, todo mundo tem um irmão meio zarolho, arrisco a escrita.

Os que acompanham as notícias sobre a desativação de manicômios no Brasil podem ter a impressão de que este é um capítulo encerrado. A impressão é falsa. E o caso toma dimensões dramáticas quando se considera que as clínicas estão ativas (e lucrativas), e abrigam inúmeros adolescentes, condenados em processos judiciais por envolvimento com drogas ilegais. Sim, porque a lei prevê essa pena para a moçada. E muitos pais, desavisados, internam seus filhos por conta própria, na tentativa de passar a outros a responsabilidade sobre uma questão com a qual não sabem lidar.

A dimensão da coisa? Segundo uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo, quase um quinto dos brasileiros entre 12 e 65 anos, em 107 cidades com mais de 200 mil habitantes, já experimentou algum tipo de droga ilegal (outras que não álcool ou tabaco). É de se imaginar o que aconteceria se toda essa gente fosse parar em manicômios, para ser submetida à chamada “recuperação biopsicossocial” prevista em lei...

Mas vamos aos fatos. O primeiro. Hospital Psiquiátrico da Santa Casa de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Ali, às 22h50 da quarta-feira, dia 5 de julho, três adolescentes, trancadas num quarto, morreram carbonizadas. A informação do hospital: o incêndio foi suicida, provocado pelas garotas, de 14, 15 e 17 anos de idade. Duas delas já haviam recebido alta dos médicos, mas permaneciam internadas por decisão da Justiça. No dia seguinte às mortes, uma equipe composta, entre outros, por Sandra Fagundes, do Ministério da Saúde e Neuza Guareschi, do Conselho Regional de Psicologia, esteve no local. Foi recebida pelo diretor administrativo do complexo da Santa Casa, Rodolfo de Brito. Segundo ele, a instituição tem uma equipe formada por diversos especialistas, residência em psiquiatria, e é considerada uma referência no estado, mas sua vocação não é abrigar dependentes de drogas. No entanto, acolhe jovens enviados, de forma compulsória, por decisão judicial. Detalhe: os quartos e a enfermaria entraram em reforma no dia seguinte ao incêndio, antes de qualquer perícia policial. Rádio e TV da Rede Brasil Sul de comunicação deram nota curta. Mais tarde, houve alguma repercussão, no portal da Assembléia Gaúcha (www.al.rs.gov.br/ag/noticias.asp?txtIDMATERIA=153179&txtIdTipoMateria=2) e no Diário Popular, de São Paulo (www.diariopopular.com.br/08_07_06/p1102.html).

O segundo. No início de agosto, Maurilton Morais, diretor da Associação de Psiquiatria do estado do Rio Grande do Norte, denunciou descaso hospitalar na morte de um paciente internado no Hospital Psiquiátrico João Machado. Segundo ele, no dia 19 de julho, José Felipe dos Santos, de 60 anos, foi encontrado morto, com queimaduras, numa das quadras da instituição – por familiares, já que a equipe do hospital não sabia de seu paradeiro. “Sem ninguém saber, ele ficou quatro horas exposto ao sol”, disse o médico em entrevista ao jornal Diário de Natal (www.diariodenatal.com.br), único que divulgou a notícia no país e a nota foi reproduzida no site da organização não governamental Inverso – Instituto de convivência e de recriação do espaço social (http://www.inverso.org.br/index.php/content/view/14104.html). “Tem havido muita propaganda, mas pouco se tem evoluído.” O Hospital João Machado tem uma estrutura antiga de manicômio fechado, com grades e isolamento.

O terceiro. Em dezembro do ano passado, o Brasil foi processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), pela morte de Damião Ximenes Lopes na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral, no estado do Ceará, em 1999. Foi acusado de violar quatro artigos da Convenção Americana: os direitos à vida, à integridade física, às garantias judiciais e à proteção judicial. Na época, a Subsecretaria de Direitos Humanos da Presidência da República informou que o Estado brasileiro reconheceu a violação dos direitos à vida e à integridade física: "foi conseqüência da insuficiência de resultados positivos na implementação das políticas públicas de reforma da saúde mental que possibilitassem procedimentos de credenciamento e fiscalização mais eficazes de instituições privadas de saúde". A defesa brasileira alegou que tal situação "não corresponde" ao atual grau de evolução das políticas públicas na área de saúde mental e direitos humanos dos pacientes em todo o território brasileiro. Mas parece que as coisas não são bem assim... O país foi condenado no dia 17 de agosto. A notícia, como era de se esperar, só apareceu num site: www.reportersocial.com.br.

Eliana Giannella Simonetti, jornalista Posted by Picasa

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