agosto 22, 2006

Decisão da OEA coloca em cena outras tragédias dos hospitais psiquiátricos brasileiros

Arte de Teodoru Badiou
















Nota: Eliana Simonetti é jornalista em São Paulo. Fez várias tentativas de colocar na pauta da grande mídia a tragédia que tirou a vida das meninas do Rio Grande-RGS. Todas foram infrutíferas. Por fim, ofereceu sua colaboração para reativar o site Observatório da Saúde Mental, da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, uma novela particular dessa importante Ong, com final imprevisível: está fazendo des-aniversário a tentativa de ressuscitá-lo. Até a presente data, Eliana não recebeu uma comunicação sequer dos seus dirigentes. Lástima! Resta-me publicar a matéria escrita pela competente jornalista em fins de julho de 2006. A morte das meninas ocorreu no início de julho. O tempo não pára.

Problema não resolvido

Hospitais psiquiátricos abrigam menores dependentes de drogas e são cenários de tragédias

Os que acompanham as notícias sobre a desativação de manicômios podem ter a impressão de que o antigo problema – acerca do qual, aliás, ninguém gosta muito de ouvir ou falar – está superado no Brasil. A impressão é falsa. E o caso toma dimensões dramáticas quando se considera que as clínicas, que deveriam estar desaparecendo, hoje abrigam inúmeros adolescentes, condenados em processos judiciais por envolvimento com drogas ilegais – atualmente um comportamento praticamente generalizado, em todo o planeta, numa determinada fase da vida das pessoas.

No início de julho, no Rio Grande do Sul, um evento pouco noticiado demonstra que a luta antimanicomial continua a ser um movimento importante no país, e merece a atenção de todos.
O caso ocorreu no Hospital Psiquiátrico da Santa Casa de Rio Grande. Ali, às 22h50 da quarta-feira, dia 5 de julho, três adolescentes, trancadas num quarto, morreram carbonizadas. A informação do hospital: foram as próprias garotas, de 14, 15 e 17 anos de idade, as autoras do incêndio suicida. Agravante dessa história: duas delas já haviam recebido alta dos médicos, mas permaneciam internadas por decisão da Justiça.

No dia seguinte às mortes, uma equipe composta, entre outros, por Sandra Fagundes, do Ministério da Saúde e Neuza Guareschi, do conselho Regional de Psicologia, esteve no local. Foi recebida pelo diretor administrativo do complexo da Santa Casa, Rodolfo de Brito. Segundo ele, a instituição tem uma equipe formada por diversos especialistas, residência em psiquiatria, e é considerada uma referência no estado, mas sua vocação não é abrigar dependentes de drogas. Na ocasião, o administrador disse, ainda, que a tragédia aconteceu porque, mesmo sem ter estrutura para isso, o hospital é obrigado a acolher os jovens enviados, de forma compulsória, por decisão judicial.

Para apurar o que ocorreu, na Justiça e no hospital, já estão em andamento um inquérito policial e um processo do Ministério Público. E aqui há mais um agravante: os quartos e a enfermaria entraram em reforma no dia seguinte ao incêndio – o que impossibilita a realização de uma perícia esclarecedora acerca do ocorrido naquela noite.

Em dezembro do ano passado, o Brasil foi processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), pela morte de Damião Ximenes Lopes na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral (CE), em 1999. Foi acusado de violar quatro artigos da Convenção Americana: os direitos à vida, à integridade física, às garantias judiciais e à proteção judicial. À época, a Subsecretaria de Direitos Humanos da Presidência da República informou que o Estado brasileiro reconheceu que a violação dos direitos à vida e à integridade física "foi conseqüência da insuficiência de resultados positivos na implementação das políticas públicas de reforma da saúde mental que possibilitassem procedimentos de credenciamento e fiscalização mais eficazes de instituições privadas de saúde". A defesa brasileira alegou, no entanto, que tal situação "não corresponde" ao atual grau de evolução e implementação das políticas públicas na área de saúde mental e direitos humanos dos pacientes em todo o território brasileiro.

O caso das três garotas, como se vê, não é apenas um exemplo, mas um indicador de que as políticas públicas ainda deixam a desejar. Para compreender melhor o que aconteceu no Rio Grande do Sul, vale a pena visitar o site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no link http://www.tj.rs.gov.br/institu/projetos/justica_terapeutica.html. Ali se lê, entre outras coisas: “A Justiça Terapêutica é um programa judicial para atendimento integral do indivíduo, adolescente ou maior, envolvido com drogas lícitas ou ilícitas, inclusive alcoolismo, e violência doméstica ou social, priorizando a recuperação do autor da infração e a reparação dos danos à vítima. É um instrumento judicial para evitar a imposição de penas privativas de liberdade ou até mesmo penas de multa - que, no caso, podem se mostrar ineficientes -, deslocando o foco da punição pura e simples para a recuperação biopsicossocial do agente.” Ou seja: a internação numa clínica psiquiátrica, do ponto de vista do tribunal, não implica em privação de liberdade.
Segundo pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo, quase um quinto dos brasileiros entre 12 e 65 anos, em 107 cidades com mais de 200 mil habitantes, já experimentou algum tipo de droga ilegal (outras que não álcool ou tabaco). É de se imaginar o que aconteceria com o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) se toda essa gente fosse submetida à “recuperação biopsicossocial”...

Em tempo: a Biblioteca Virtual em Saúde Mental, do sistema Prossiga, mantido pelo governo federal, não inclui a Santa Casa de Rio Grande entre as clínicas especializadas em tratamento de doentes mentais ou de adictos. Considerando que os juízes gaúchos estão orientados a internar adolescentes envolvidos com drogas, poderiam ter escolhido uma das seguintes instituições, em seu estado:

Clínica Pinel
http://200.201.133.14/clin11br/index.php
A Clínica Pinel dispõe de quatro unidades: Unidade Paulo Guedes voltada para atender pessoas cujas capacidades psíquicas estão mais abaladas; Centro Vitae específico para tratamentos de dependentes químicos; Unidade Mario Martins voltada para pessoas com capacidade de auto-gerenciamento e a Unidade Melanie Klein que dispõe de um serviço diferenciado com infra-estrutura personalizada, voltada a atender às necessidades do paciente, tanto psíquicas, quanto de hotelaria de alto nível. O site apresenta os convênios e oferece atendimento ambulatorial. Contato: http://200.201.133.14/clin11br/fale_conosco.php

Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
http://www.ufrgs.br/psiq/spsiq001.html
Oferece Serviço de Psiquiatria geral e Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência. No âmbito assistencial, funciona em 3 áreas básicas: Unidade de Internação Psiquiátrica, disponibilizando 26 leitos para atendimento do SUS, 4 privativos e 6 semi-privativos e mantém uma extensa rotina de trabalho. Ambulatórios de Psiquiatria, operando em seus programas de atendimentos específicos e Consultoria Psiquiátrica. Por ser um hospital universitário, desenvolvem também as diversas linhas de pesquisa tanto do Serviço como do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Contato: psiq@hcpa.ufrgs.br

Prontopsiquiatria. Centro Psiquiátrico de Pronto Atendimento
http://www.prontopsiquiatria.com.br/
O Prontopsiquiatria é um serviço na área da neuropsiquiatria que atua na Clínica São José em Porto Alegre - Rio Grande do Sul. Oferece aos clientes pronto atendimento, emergência psiquiátrica, atendimento domiciliar, remoções e internação hospitalar. Trabalha com vários convênios e também realiza diversos eventos, com os objetivos voltados para a assistência, o ensino e a pesquisa. Contato: psiquiatria@prontopsiquiatria.com.br

Está visto que há muito a investigar – no caso específico das garotas mortas em Rio Grande, no que diz respeito aos Direitos da Criança e do Adolescente, e também no âmbito da política judiciária.

Eliana Giannella Simonetti, jornalista, São Paulo Posted by Picasa

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