PICICA: "Uma vez mais
o jogo previsível encontra seu desfecho esperado. Circunscrita pelo
poder econômico e midiático, as candidaturas da ordem se encontrarão,
mais uma vez, em um segundo turno. Um dos elementos de garantia da ordem
pode ser encontrado nos mecanismos de segurança que limita as
alternativas e depois as apresenta como liberdade de escolha.
No campo
político isso foi descrito por Gramsci como “americanismo” e se expressa
classicamente na alternância entre um Partido Democrático e outro
Republicano nos EUA, num jogo de imagens no qual nem um é democrático,
nem o outro é de fato republicano. Ao sul do equador tal fenômeno pode
ser visto historicamente na suposta alternância entre liberais e
conservadores, na maldição já descrita na expressão “nada mais
conservador que um liberal no poder”, ou na famosa ironia de que no ato
de posse o programa conservador é transferido para o partido de
oposição, que entrega o programa liberal para quem sai do governo.
Carlos Nelson Coutinho costuma chamar a versão brasileira desta “democracia” de americanalhamento. A expressão parece pertinente."
O sexto turno
“Os presidentes são eleitos pela televisão, como sabonetes,
e os poetas cumprem função decorativa. Não há maior magia
que a magia do mercado, nem heróis maiores que os banqueiros.
A democracia é um luxo do Norte. Ao Sul é permitido o espetáculo”.
Eduardo Galeano, O livro dos abraços
Uma vez mais
o jogo previsível encontra seu desfecho esperado. Circunscrita pelo
poder econômico e midiático, as candidaturas da ordem se encontrarão,
mais uma vez, em um segundo turno. Um dos elementos de garantia da ordem
pode ser encontrado nos mecanismos de segurança que limita as
alternativas e depois as apresenta como liberdade de escolha.
No campo
político isso foi descrito por Gramsci como “americanismo” e se expressa
classicamente na alternância entre um Partido Democrático e outro
Republicano nos EUA, num jogo de imagens no qual nem um é democrático,
nem o outro é de fato republicano. Ao sul do equador tal fenômeno pode
ser visto historicamente na suposta alternância entre liberais e
conservadores, na maldição já descrita na expressão “nada mais
conservador que um liberal no poder”, ou na famosa ironia de que no ato
de posse o programa conservador é transferido para o partido de
oposição, que entrega o programa liberal para quem sai do governo.
Carlos Nelson Coutinho costuma chamar a versão brasileira desta “democracia” de americanalhamento. A expressão parece pertinente.
A
instituição do segundo turno no Brasil tem servido a este propósito. No
sistema norte americano todo mundo pode ser candidato, mas os filtros
vão se dando nas eleições dos convencionais (que de fato elegem o
presidente numa eleição indireta e absurdamente antidemocrática), até
que só chegam à disputa de fato os dois partidos oficiais citados. No
Brasil não é necessário tal engenharia política. Os filtros de segurança
começam pelas clausulas de barreira que impedem a organização
partidária, depois a legislação eleitoral absolutamente desigual e
inconstitucional (mas isso nunca foi problema em nosso país segundo o
TSE), passa pelo financiamento privado de campanha e chega na cobertura
desigual da imprensa monopólica.
Não podemos
esquecer o mecanismo que decide o voto antes da eleição pelo controle
dos cofres públicos, dos governos estaduais, prefeituras e cabos
eleitorais numa verdadeira chantagem de verbas, financiamentos e
facilidades que controlam regiões inteiras sem a necessidade de uma
único debate de programas ou ideias.
Como diz
Galeano no texto que nos serve de epígrafe, a democracia é um luxo
reservado ao Norte, ao Sul cabe o espetáculo que não é negado a ninguém,
afinal, diz o autor uruguaio, “ninguém se incomoda muito, que a
política seja democrática, desde que a economia não o seja”. Quando as
urnas se fecham, prevalece a lei do mais forte, a lei do dinheiro.
Mas, é essencial ao espetáculo que você sinta a sensação de estar decidindo. É neste campo que se inscreve o chamado voto útil.
A máquina
eleitoral burguesa não pode impedir movimentos de opinião, que se
expressam no primeiro turno e, mesmo, no segundo. É perfeitamente
compreensível que muitas pessoas pensem na lógica do mal menor, numa
análise comparativa entre as alternativas que restaram. Como sempre há
diferenças entre elas, convencionou-se que a esquerda deve votar no mais
progressista e evitar o risco da direita.
Analisemos
mais detidamente as alternativas que o poder econômico, a legislação
restritiva e os meios de comunicação monopolizados selecionaram.
De um lado
Aécio Neves do PSDB, legenda conhecida pelos mandatos de FHC e do
próprio político mineiro em seu estado, assim como a longa dinastia
paulista. Neste caso não há dúvida sobre seu programa conservador, seu
compromisso com o mercado e os grandes grupos monopolistas, sua lógica
privatista e sua subserviência ao imperialismo. Trata-se de uma legenda
que nada tem de social democrata e tornou-se o centro aglutinador da
direita representada na aliança com o DEM, o PPS e outras que compuseram
sua base de governabilidade quando no governo, como o sempre presente
PMDB, PTB e outros.
De outro, o
PT, partido que tem sua origem nos movimentos sociais e sindicais dos
anos 1970 e 1980, e que chegou à presidência em 2002 com a eleição de
Lula para aderir ao pacto e ao presidencialismo de coalizão tornando-se o
centro de um bloco do qual participam o PCdoB e o PSB, garantindo sua
governabilidade com o PMDB, o PTB, PP, PSC, e outras siglas no mercado
do fisiologismo político próprio do americanalhamento citado.
Difere do PSDB na medida em que defende uma maior presença do Estado
para garantir a economia de mercado, sustentando seu pacto de classes
através de medidas de cooptação e apassivamento, tais como a garantia do
nível de emprego e políticas sociais focalizadas e compensatórias de
combate aos efeitos mais agudos da miséria absoluta.
A mera
comparação justifica a tendência do voto em Dilma de grande parte dos
que temem um governo do PSDB como expressão mais clara da política
conservadora.
Coloquemos,
entretanto, as coisas numa perspectiva histórica. Este não é um mero
segundo turno, é o sexto turno. É a terceira vez que tal situação se
apresenta. Nas duas primeiras, em 2006 e 2010, o PCB, por exemplo,
indicou o voto crítico no candidato do PT, ou priorizou o combate à
direita no momento eleitoral, ainda que sempre se mantendo na oposição.
Não seria o caso agora?
Lembremos
quais os discursos que acompanharam este processo. Quando da passagem
para o segundo mandato do Lula o discurso é que o primeiro mandato havia
sido para acertar a casa, mas agora viria uma guinada em favor das
demandas populares, o governo Lula estaria em disputa. Quando da
passagem para o mandato de Dilma o discurso é que, agora viria a guinada
na forma de uma opção pelo mítico “neodesenvolvimentismo”.
No entanto, o
que vimos nas duas oportunidades não foi uma reversão do rumo do pacto
social e das medidas conservadoras, pelo contrário. O fato é que cada
governo subsequente foi sendo mais à direita que o anterior. Os governos
eleitos para “evitar a volta da direita”, a perda de direitos para os
trabalhadores, o aprofundamento das privatizações, a criminalização dos
movimentos sociais, o abandono da reforma agrária, acabaram por impor um
crescimento das privatizações, uma precarização do trabalho, o ataque
aos direitos dos trabalhadores (eufemisticamente chamado de
“flexibilização”) e o aprofundamento da criminalização dos movimentos
sociais. Reforma da previdência, privatização do campo de Libra,
imposição da EBSERH, rendição do Plano Nacional de Educação à lógica dos
empresários e do sistema S, prioridade para o agronegócio, a farra da
Copa, as remoções, o aumento da violência urbana e a política genocida
das polícias militares contra a população jovem, pobre e negra, a não
demarcação das terras indígenas, as concessões ao fundamentalismo
religioso que impede a legalização do aborto, a criminalização da
homofobia…
Talvez a
área mais emblemática seja a luta pela terra. Não apenas reduz-se a cada
mandato o número de famílias assentadas, como cada vez
mais assentamentos são abandonados à sua própria sorte, e os pequenos
produtores considerados “economicamente irrelevantes” (nas palavras de
um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário em resposta às
demandas do MPA). Ao mesmo tempo dirige-se toda a política agrária para
a prioridade ao agronegócio, tornando aliado central na governabilidade
e na direção da política econômica, como mostram os apoios, ainda no
primeiro turno, de Kátia Abreu e Eraí Maggi (o rei da soja).
Algo
estranho ocorre por aqui. Primeiro, trata-se de fazer reformas possíveis
no lugar da revolução necessária. Para tanto, um pacto social que leva o
governo, que deveria ser reformista de esquerda, para um perfil de
centro-esquerda – ou nos termos de André Singer, de um reformismo de
alta intensidade apoiado na classe trabalhadora para um reformismo de
baixa intensidade apoiado nas camadas mais pobres. Em seguida trata-se
de tomar medidas de um governo de centro-direita para enfrentar a crise
do capital com massivas doses de apoio ao capital por parte do Estado
para garantir a manutenção de um crescimento com emprego e geração de
renda. E agora uma clara composição de direita apoiada nos grandes
bancos, nos setores monopolistas, nas empreiteiras, no agronegócio, numa
situação parlamentar ainda mais conservadora que empurrará qualquer
governo eleito para posição ainda mais conservadoras para realizar os
“ajustes necessários” para enfrentar a crise que já se apresenta no
horizonte.
O que é
forçoso constatar é que a política do acumulo de forças não acumulou
forças. Pelo contrario, desarmou a classe trabalhadora e abriu espaço
para o crescimento da direita. O que era uma estratégia para evitar a
direita pode ter se tornado o caminho pelo qual pôde se garantir sua
“volta”. De fato, ela nunca teve seus interesses ameaçados – porque nos
referimos a interesses de classe e não das legendas políticas que
representam seguimentos e facções das classes dominantes. A classe
dominante apoia as duas alternativas, fato que fica evidente na
distribuição dos financiamentos de campanha.
O tão falado
crescimento da direita, ou a “onda conservadora”, não se dá por
acidente, mas é o resultado previsível dos governos de pacto social e da
profunda despolitização que resulta de doze anos de governos petistas.
Como disse Ruy Braga
em artigo recente, que a burguesia e a classe média sejam conservadoras
é perfeitamente compreensível, mas o que precisa ser explicado é porque
o conservadorismo tomou a consciência de setores da classe
trabalhadora. A candidata do PT perdeu no ABC paulista, somando os votos
de Aécio e Marina, perdeu em São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul.
Parte da
classe trabalhadora, equivocadamente, aposta em candidaturas
conservadoras que são contra seus interesses de classe. Veja, ao invés
de infantilmente culpar a esquerda, os governistas deviam se perguntar
por que isso ocorreu. Parte da classe quer o fim do ciclo do PT e não há
discurso da esquerda que possa convencer este segmento que o governo
atual é que lhe representa, pelo simples fato que a sequência de medidas
que descrevemos indicam claramente outra coisa.
O que está
acontecendo é que os meios de apassivamento e cooptação são
insuficientes para continuar mantendo o governo do PT com a aparência de
esquerda enquanto opera uma política de direita. Mantêm-se o nível de
emprego, mas os precariza, garante acesso ao crédito para manter o
consumo, mas gera endividamento das famílias, garante acesso precário às
universidades privadas ou através de uma expansão que não garante a
permanência e a qualidade necessária no setor público, tira-se as
pessoas da miséria absoluta para colocá-las na miséria.
A explosão
do ano passado foi didaticamente um alerta, mas as forças políticas,
governistas ou de oposição no campo da ordem, literalmente ignoraram as
demandas que ali surgiram. Nenhuma demanda foi considerada, desde a
questão do transporte urbano, os gastos do Estado priorizando as
empreiteiras e bancos e não educação e saúde, a violência policial e os
limites da democracia de representação. Silencio total.
A esquerda –
aquela que resistiu a este caminho suicida, foi estigmatizada, atacada,
criminalizada e excluída do centro do jogo político – no seu conjunto
não chegou aos 2% dos votos, e mesmo o voto nulo e a abstenção ficaram
nos níveis históricos das últimas eleições. Não pode, portanto ser
culpabilizada por uma eventual derrota do PT. A insatisfação de 2013 se
apresenta nas eleições como caldo de cultura da necessidade de uma
mudança e é atraída pelo canto da sereia da direita que numa eventual
vitória governará com a mesma base de sustentação do governo atual.
Alguns
afirmam que o que há de diverso agora é que o PT terá que vencer o PSDB
enfrentando-o pela esquerda. Não é o que parece, nem o que o cenário
político anuncia com a composição do novo Congresso Nacional. Ao que
parece, Dilma investe em se apresentar como ainda mais confiável ao
grande capital e seus atuais aliados prioritários, ignorando solenemente
as demandas populares para recompor seu governo à esquerda. Respondam
rapidamente: quantas vezes, nos últimos debates, a presidente tocou no
tema da Reforma Agrária?
Mais uma
vez, compreendo e respeito aqueles que votarão em Dilma para evitar o
governo do PSDB. Apenas preocupa-me que pouco se analisa do que consiste
o conteúdo desta suposta alternativa. Talvez algumas perguntas, na
linha da nota do PCB, ajudem na reflexão:
- O eventual segundo mandato de Dilma
reverterá a prioridade do agronegócio e avançará na linha de uma reforma
agrária popular tal como proposta pelo MST e uma política agrícola que
considere os interesses dos pequenos camponeses como preconiza o
documento do MPA?
- Romperá com a política de superávits
primários, de responsabilidade fiscal e de reforma do Estado que tem
imposto a prioridade ao pagamento da dívida que consome cerca de 42% do
orçamento?
- Demarcará as terras indígenas se chocando com os interesses do agronegócio e dos madeireiros?
- Romperá com a dependência em relação à
bancada evangélica avançando nas questões relativas ao aborto, ao
combate à homofobia e a política retrograda de combate às drogas?
- Alterará o rumo da política de segurança fincada no tripé: endurecimento penal, repressão e encarceramento?
- Vai administrar a crise do capital
revertendo a tendência à precarização das condições de trabalho e ataque
aos direitos dos trabalhadores?
- Vai mudar a lógica de criminalização
dos movimentos sociais na linha da Portaria Normativa do Ministério da
Defesa que iguala manifestante a membro de quadrilha e traficante, ou
estenderá o fundamento desta política de garantia da Lei e da Ordem na
forma de uma Lei de Segurança Nacional que torna permanente a presença
das Forças Armadas como instrumento de garantia da ordem?
- Vai alterar a linha geral do Plano
Nacional de Educação que institucionaliza a transferência do recurso
público para educação privada, se entrega à concepção empresarial de
ONGs e outras instituições empresariais e adia por vinte anos a meta dos
10% para educação?
- Vai fazer uma reforma política nos
termos indicados pelo plebiscito que reuniu 7 milhões de assinaturas, ou
aplicará o acordo com o PMDB que produziu um texto conservador e ainda
mais concentrador de poder nas atuais siglas do Congresso Nacional
tornando mais eficiente o presidencialismo de coalizão?
Nós que
podemos interferir pouco no resultado eleitoral só podemos alertar que
quem votar em Dilma não estará apenas evitando a vitória de uma opção
mais conservadora – objetivo louvável – mas, também, referendando os
atos que vierem a ser aplicados. O próximo governo Dilma, se ganhar, não
responderá positivamente, na perspectiva da classe trabalhadora, a
nenhuma destas nove questões. Por isso o PCB não pode empenhar seu
apoio, mais uma vez, nem que seja crítico, pois os governos petistas já
responderam a estas questões com doze anos de governo.
E se perder?
Neste cenário, que não depende de nós e nem pode ser atribuído à
esquerda, que não é desejável, mas possível, o PT teria que voltar à
oposição. Neste caso temos a dizer que aqui a situação está muito
difícil. A criminalização se intensifica, a polícia militar e as UPPs
matam pobre todo dia. O Estado Burguês se armou, graças aos últimos
governos, de todo um arcabouço jurídico e repressivo para nos combater,
os assentamentos da reforma agrária estão abandonados, os serviços
públicos foram direta ou indiretamente precarizados através de parcerias
públicos privadas, as Universidades estão sendo mercantilizadas e
sucateadas, o governo prefere negociar com sindicatos domesticados do
que com as organizações de classe, os meios de comunicação reinam
incontestes e impõem um real que nos torna invisíveis, reina o
preconceito, a violência, a homofobia e a transfobia, parte da classe
trabalhadora vivencia uma inflexão conservadora na sua consciência de
classe e ataca o marxismo e o pensamento de esquerda como seu inimigo,
imperando a ofensiva irracional da pós-modernidade que se revela cada
vez mais fascista nos levando para a barbárie.
Bom, mas
isso vocês sabem, não é? Talvez só não saibam de onde veio este
retrocesso. Bom, procurem nos seis turnos, naquilo que foi anunciado e
no que foi posto em prática… é uma boa pista.
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Especial Eleições:
Artigos, entrevistas, indicações de leitura e vídeos para aprofundar as
questões levantadas em torno do debate eleitoral de 2014, no Blog da
Boitempo. Colaborações de Slavoj Žižek, Mauro Iasi, Emir Sader, Carlos
Eduardo Martins, Renato Janine Ribeiro, Edson Teles, Urariano Mota e
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