PICICA: "Espinosa
fez bem de não publicar seus livros em vida, as pessoas ainda não
estavam preparadas para aquilo que tinha a dizer. Prova disso são as
três principais acusações que fizeram a ele depois que suas ideias foram
publicadas postumamente. Espinosismo era uma acusação séria, muitos
tinham que tomar cuidado para não deixarem seus pensamentos
confundirem-se com o do filósofo holandês.
Materialismo, imoralismo e ateísmo, são
estas as três acusações ao nosso filósofo tão mal compreendido e tão
pouco lido. Não que sejam inteiramente mentiras, mas a forma como são
expressas retiram toda a beleza da vida e da obra deste grande pensador.
Façamos justiça com a memória de Espinosa, expliquemos melhor por que
seus detratores assim o acusaram..."
As três acusações a Espinosa
Espinosa
fez bem de não publicar seus livros em vida, as pessoas ainda não
estavam preparadas para aquilo que tinha a dizer. Prova disso são as
três principais acusações que fizeram a ele depois que suas ideias foram
publicadas postumamente. Espinosismo era uma acusação séria, muitos
tinham que tomar cuidado para não deixarem seus pensamentos
confundirem-se com o do filósofo holandês.
Materialismo, imoralismo e ateísmo, são
estas as três acusações ao nosso filósofo tão mal compreendido e tão
pouco lido. Não que sejam inteiramente mentiras, mas a forma como são
expressas retiram toda a beleza da vida e da obra deste grande pensador.
Façamos justiça com a memória de Espinosa, expliquemos melhor por que
seus detratores assim o acusaram:
Materialismo: Espinosa
nada contra a corrente de tudo que estava sendo dito em seu tempo.
Enquanto todos falavam de espírito, mente, razão, glândula pineal, ele
nos diz: “mas nós nem sabemos ainda o que pode o corpo!” (ver aqui).
Quanta ignorância, não sabemos nem ao menos o que fazer com este objeto
tão caluniado que carregamos de um lado para o outro e fingimos não ser
nós. O corpo é a base de tudo, o corpo é o chão de onde brotam os
pensamentos. Não há mais um modelo filosófico onde a alma deve dominar
os instintos e comandar as pulsões; agora o corpo pensa, reflete, julga.
A consciência torna-se efeito, quebra-se a hierarquia mente-corpo (ver aqui).
Quebrar com este domínio é deixar de lado o primeiro objeto metafísico
que nos aprisiona. A mente é efeito, é ideia do corpo. Seria então
materialista uma acusação, ou um elogio?
Imoralista: esta
acusação é muito séria, e difícil de se entender. Seria Espinosa um
hedonista vulgar, amante das bebedeiras, frequentador de prostíbulos?
Seria o filósofo um cruel facínora, um perigoso delinquente? Espinosa
não acusa… talvez por isso o tenham chamado de imoral; ele quer
compreender para poder agir, não para julgar e condenar. A Ética
desarticula todos os sistemas morais ao fazer uma matemática dos
afetos. Como eles funcionam? Como fazê-los funcionar de modo que gerem
muito mais felicidades e bons encontros ao invés de tristezas e
maus-encontros? Espinosa não escreve para instituir a Lei: não há linha
que não possa ser cruzada. Há apenas o bom-jeito e o mau-jeito. “Se você fizer isso é provável que aconteça isso“,
tudo está resumido no modo como você se relaciona. O ignorante julga,
culpabiliza, acusa, sofre as consequências; o sábio entende, decifra,
mede, e age. Se exite uma Lei, esta é a de Deus, não dos homens, mas
Deus confunde-se com a natureza (veja aqui), então não há como desobedecê-lo, tudo que fazemos é sua vontade, só temos que aprender o melhor jeito de fazê-lo então.
Ateu: Espinosa não era
ateu, ou era, isso depende do ponto de vista. Em toda sua obra, Deus
confunde-se com a natureza: não é um velho barbudo sentado em um trono.
Deus age por sua mais absoluta vontade, extrema firmeza, sem a mínima
hesitação, mas ele é a própria natureza se manifestando, inclusive em
nós! Espinosa traz deus para o plano real, para a horizontalidade das
relações. “Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, /Como quem abre os
olhos e vê, /E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, /E
amo-o sem pensar nele, /E penso-o vendo e ouvindo, /E ando com ele a
toda a hora” (Alberto Caeiro). Espinosa se afasta de todos aqueles
que tiram Deus deste mundo, pois só assim é possível julgar esta
realidade que se manifesta completamente. Sua ética é um refletir sobre a
felicidade, como alcançar a satisfação? Como viver bem? Certamente não é
refletindo no pecado e no sacrifício na cruz.
Espinosa é um grande filósofo que nos
quer ver agir, compreender para agir. Sua filosofia nos joga no mundo,
mas ao mesmo tempo nos prepara para vivê-lo em toda sua plenitude, em
toda sua potência; nos faz afirmar o aqui e agora, como apenas um
verdadeiro filósofo faria. Existem muito padres que fingem ser
filósofos, e é muito fácil de achá-los, basta perguntar-lhes o que acham
de Espinosa.
PS: texto baseado no capítulo II de “Espinosa – Filosofia Prática” de Gilles Deleuze
Fonte: Razão Inadequada
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