PICICA: "As pessoas não são iludidas pela Globo, Veja ou Cidade Alerta. Porque
tem várias que são pessoas inteligentes, conscientes, informadas. Elas
realmente desejam a Globo, Veja e Cidade Alerta. Essas várias pessoas
estão só esperando a senha para começar a desqualificar e propagar as
ondas de choque fascistas, que levam aos linchamentos, à tolerância e
até regozijo com a brutalidade policial, a amar um filme como “Tropa de
Elite” ou viabilizar politicamente coisas como Bolsonaro ou Feliciano.
São engrenagens de uma maquinaria maior em que as pessoas implicaram seu
sistema-mundo, suas zonas de conforto com seus automatismos. O desejo
de fascismo é real! Não é um problema abstrato, como sabem aqueles que
resolveram viver as coisas do mundo além de seus pequenos círculos
ativistas."
Grande mídia e máquinas desejantes
Alguém dá uma entrevista pra um jornalista que black blocs e o PCC podem fazer protestos na Copa, em separado. O jornal coloca uma manchete fazendo a ligação. O governo pega a manchete diz que é inadmissível que black blocs e PCC estejam associados. No dia seguinte, ouço de várias pessoas que “por trás” das manifestações está o PCC. Fico espantado. Meu primeiro impulso é lamentar como a grande imprensa ainda tem um enorme poder e como as pessoas são alienadas. Mas não. Está errado. Essas várias pessoas já achavam que X está “por trás” das manifestações. Elas já têm pra si as verdades que “bandido bom é bandido morto”, “se levou alguma coisa fez” e “protesto é coisa de desocupado”. Cada notícia ou opinião não passa assim da confirmação dessas verdades, e elas estão apenas esperando a senha da grande mídia sobre quem é o X da vez, o X que confirma um esquema desejante já presente, já operativo, que é acionado.
As pessoas não são iludidas pela Globo, Veja ou Cidade Alerta. Porque tem várias que são pessoas inteligentes, conscientes, informadas. Elas realmente desejam a Globo, Veja e Cidade Alerta. Essas várias pessoas estão só esperando a senha para começar a desqualificar e propagar as ondas de choque fascistas, que levam aos linchamentos, à tolerância e até regozijo com a brutalidade policial, a amar um filme como “Tropa de Elite” ou viabilizar politicamente coisas como Bolsonaro ou Feliciano. São engrenagens de uma maquinaria maior em que as pessoas implicaram seu sistema-mundo, suas zonas de conforto com seus automatismos. O desejo de fascismo é real! Não é um problema abstrato, como sabem aqueles que resolveram viver as coisas do mundo além de seus pequenos círculos ativistas.
Mas essas mesmas pessoas que têm componentes psicomotores desejantemente fascistas, também desejam outros mundos, além daqueles agenciados pela Globo, Veja e Cidade Alerta. Porque elas também vivem o amor, a amizade, a alegria, a cupidez das paixões, os pequenos prazeres, e também têm a capacidade de indignar-se, por si ou pelos outros. As mesmas pessoas! Em diferentes graus. Não há abominações totais nem inocentes absolutos. Nenhum de nós. As pessoas também sentem o outro lado, o lado atacado pelo desejo de fascismo, em alguma medida, por alguma qualidade minoritária, ainda que inclassificável. Que mulher duvidaria do machismo? Que negro, depois de tanto, não veria o racismo? Que gay ou lésbica discordariam da homofobia? Somente quando a pessoa e aqueles que ela ama são atravessados por alguma condição existencial, é que se desestruturam as zonas de conforto e suas ninharias, e é quando as discussões do tipo Veja perdem o sentido, se tornando opacas, postiças.
O mais difícil, portanto, não é simplesmente desmascarar as mentiras da grande mídia. Isso pode, depois de enorme esforço, continuar desligando o PCC do black bloc, por exemplo. Mas isso não vai mudar muito. O X continua lá, a maquinaria fascista toda continua lá, esperando outra senha para pôr em marcha ainda outros rolos compressores. Ah, não o PCC? Ok. Então é o CV… Só desmantelando a maquinaria que canaliza o desejo para as certezas do “vagabundo morto” e o “protesto é coisa de desocupado” ou “está recebendo $$$”, é que haverá uma mudança significativa.
Justamente aí, nesse preenchimento de outros sentidos, afetos e desejos, que o levante de 2013 e suas repercussões puderam reconfigurar a realidade político-midiática do Brasil. Isso já vinha acontecendo difusamente, numa cauda longa de processos, mas ganhou escala e se tornou incontornável. Ainda é uma batalha de longa duração e o ciclo está mal começando.
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(com Alexandre F. Mendes)
Fonte: Quadrado dos Loucos
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