junho 19, 2014

#NãoVaiTerCopa, algo como um poema, por Pádua Fernandes

PICICA: "este é um governo popular – estamos para o país assim como a fratura exposta está para o esporte – nunca antes bancos e empreiteiras lucraram tanto com justiça social – a liberdade de imprensa, fundamental para os elogios ao governo – causou dano ao patrimônio público, nunca mais foi vista – beijo no coração e no rifle para os senadores do agronegócio – exatamente como a maioria, respeitamos as minorias – com agrotóxico brindamos na garganta alheia nossa permanência na colonialidade – recorde mundial de suicídio de índios, o progresso escalou os troncos derrubados – prefiro cachorros a gatos porque só aqueles podem ser policiais – recorde mundial de assassinato de ativistas ambientais, derrotamos o problema do meio ambiente – abrimos a copa com um festival de tiros em nome dos direitos humanos – avisamos os repórteres onde eles poderiam ficar – financiamos o agrotóxico para os pesquisadores descobrirem como torná-lo vivo – foi alvejada, mas não era imprensa, era um jornal pequeno – gol contra também é gol, contabilize entre os restos a pagar – falou mal do governo, isto é, causou dano ao patrimônio público – o agrotóxico, quando vivo, servirá para outras funções na fazenda, carregará armas –  perguntou onde estava a identificação policial, ou seja, falou mal do governo –

montar, combinar; com essas peças, inútil."

 

#NãoVaiTerCopa, algo como um poema



#NãoVaiTerCopa




I

Os cães precisam ter várias gargantas
para dar conta das mil cabeças do povo,
indaga o governo democrático;
nenhum dos assessores late em retorno,
são os dentes que respondem:

a filosofia do Espírito
culmina no gás lacrimogêneo.

Somente um povo basta
para a fome infinita do orçamento,
duvida o governo, que redige
a minuta pré-eleitoral dos mísseis
de boas vindas para as multidões.

a filosofia do Espírito
enche bolas de gás, estoura-as
e pede ressarcimento.

Após serem devorados, os manifestantes
voltarão vivos na merda dos cães,
nega o ministro, entupindo de escargot
seu nacionalismo, assinando a compra
de bombas para a Pasta de Esporte.

a filosofia do Espírito
solta gases por todos os orifícios


II

O jogador patrocinado
para fazer gols, ouve tiros;
exigência do patrocínio:
ele não pisa no gramado

sem que chegue aos seus ouvidos
a música própria do Estado,
a salva com que os soldados
tornam o povo em morticínio.

Menino, não estava a salvo
nem da milícia nem da tropa.
Mas, entre tiros, jogar quis.

Hoje, que é uma estrela na copa
e representa o seu país,
todo o povo deve ser o alvo.


III

A imagem do país, digo,
pois este país tem uma
imagem, repito, e ai dos
invejosos que negam
que o país tem imagem,
e a possui com todo direito,
e tem até mais imagem
do que direito, poder-se-ia
dizer, pois quando se vê
o país, nós o vemos, ele
tem uma imagem, tão
bela e altaneira e viril,
já nos sentamos para vê-la,
que não poderíamos negar
que este é um país,
de fato, e de direito, mais
de direito que de fato,
e é um país que tem
uma imagem, todos que têm
espelhos em casa podem
neles se ver e conferir
se o que é refletido não é
uma imagem do país, e se
não for, há algo de estranho,
há algo de indigno em quem
se mira sem refletir o próprio
país, talvez um cão atrás
mordendo as possibilidades
da bunda para o assento,
os estrangeiros que vêm
não podem negar que vieram
e viram a feliz imagem do país,
a recusa à felicidade seria
não ver nosso progresso
com segurança, mais segurança
do que progresso, ou progresso
da segurança, com as bombas
e balas e ordem assegurando
a paz da imagem do país,
seria enfim recusar que o país
tem uma imagem, dado que
não poderia ser mostrado
se fosse de outra maneira,
portanto digo, novamente,
não pode viver nesta terra
e deve deixá-la por coerência,
ou pelo mau gosto de não combinar
com a bela imagem do país
aquele que nega os fatos
todos que demonstrei
tão vivamente agora e em
todas as vezes que os chamei
para sentarem-se quietos
diante do espetáculo do país.


IV

O patrocínio é o treinador
e os tiros jogam para ele
com graça e precisão,
os tiros são o ingresso que o patrocinador
cobrou do público.

O patrocínio late
músicas alegres
para o gozo do público.

– Um cachorro chutaria melhor!
– Tudo bem, os cartolas compensam, ladram mais ferozes do que os cães.

O patrocínio é o estádio
em que foram enterrados
alguns operários imprevidentes
e algumas verbas adicionais
com que o patrocínio multiplicou os estádios
e diminuiu o público.

– Quanto custa o patriotismo?
– Barato, o exército nacional já ocupa as ruas para lucro de organização estrangeira.

O latido vende brindes
para crianças
aprenderem a língua do patrocínio.

O patrocínio é a bola
e corre pelo campo
sem precisar de jogadores,
na verdade poderia dispensar as pernas e o suor
se não fossem necessários
para carregar caixotes
e estrelar comerciais de cerveja.

– Quanto nos custa o patriotismo?
– Só o copyright. O congresso nacional deu de brinde o nome do país, agora marca de organização estrangeira.

Na verdade o patrocínio é o governo
e joga no campo mais importante,
mas ninguém o vê,
e esse é o primeiro prêmio;
longe do público,
conquista a proeza de vencer todo o público,
e tal é o segundo prêmio;
e, enfim, não há outro prêmio senão ele mesmo,
sua terceira e maior conquista.

O patrocínio está abrindo um buraco na grama do campo;
espera achar um osso,
espera nele guardar o latido
com que assinou o último contrato
entre as pernas e a mutilação?


V

Já em disparada
ao fugir, caiu;
a apanhou o Brasil,
teve a perna fraturada.
Contra a violência marchava
e a polícia a viu.
Na tevê ninguém mostrou,
não interessa o episódio.
A perna quebrou,
mas não os negócios.

Em plena jogada
o teto caiu;
via o jogo do Brasil,
teve a perna fraturada.
Indigno da pátria amada
o acidente vil.
Na tevê ninguém mostrou,
prejudicaria os sócios.
A perna quebrou,
mas não os negócios.

Em plena jogada
a falta, e caiu;
a chuteira do Brasil
teve a perna fraturada.
A derrota acelerada,
prejuízos mil.
A tevê tudo mudou,
agora só fala de ossos.
A perna quebrou,
este é o negócio.


VI

este é um governo popular – estamos para o país assim como a fratura exposta está para o esporte – nunca antes bancos e empreiteiras lucraram tanto com justiça social – a liberdade de imprensa, fundamental para os elogios ao governo – causou dano ao patrimônio público, nunca mais foi vista – beijo no coração e no rifle para os senadores do agronegócio – exatamente como a maioria, respeitamos as minorias – com agrotóxico brindamos na garganta alheia nossa permanência na colonialidade – recorde mundial de suicídio de índios, o progresso escalou os troncos derrubados – prefiro cachorros a gatos porque só aqueles podem ser policiais – recorde mundial de assassinato de ativistas ambientais, derrotamos o problema do meio ambiente – abrimos a copa com um festival de tiros em nome dos direitos humanos – avisamos os repórteres onde eles poderiam ficar – financiamos o agrotóxico para os pesquisadores descobrirem como torná-lo vivo – foi alvejada, mas não era imprensa, era um jornal pequeno – gol contra também é gol, contabilize entre os restos a pagar – falou mal do governo, isto é, causou dano ao patrimônio público – o agrotóxico, quando vivo, servirá para outras funções na fazenda, carregará armas –  perguntou onde estava a identificação policial, ou seja, falou mal do governo –

montar, combinar; com essas peças, inútil.


VII

A merda do cão.
Mas jura que é inofensiva.

A merda do cão.
Fede, mas logo será esquecida.

Os manifestantes que nela pisaram
não reclamaram, preocupados com a polícia.

Os policiais que por elas passaram
não se incomodaram, seus cavalos defecam em maiores dimensões e seus governos também.

A merda do cão,
sua parte mais inofensiva.

Mesmo quem a pisou
e levou algo dela consigo
logo a esquecerá
sem perceber
o quanto de conhecimento
ela lhe traria

das ruas em que pisou,
do país em que essas ruas são possíveis,
das gotas de sangue mal digerido,

o sangue das pernas abocanhadas
porque corriam
do espetáculo do país.

Fonte: O palco e o mundo

Nenhum comentário: