PICICA: "A mídia anti-passe
livre despolitiza a pauta ao mesmo tempo que aciona um imaginário
fascistoide difuso, na linha do “vagabundo tem que morrer” ou “protesto é
coisa de desocupado”.
Aí acontecem operações interessantes de língua portuguesa."
O protesto do MPL e as orações subordinadas adverbiais
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O governo do Alckmin e sua imprensa aliada não podem simplesmente destruir um protesto com a legitimidade do MPL-SP. A percepção geral da população é de causa justa, de que é tranquilamente possível subsidiar o transporte público, da mesma forma que saúde e educação já acontecem com tarifa zero. O governo, então, precisa atacar indiretamente a mobilização. Pra isso, sobrepõe à questão política dos transportes, a questão policial do vandalismo, que ganha todo o noticiário e é objeto de inúmeras colunas de opinião, comentário, debate. A mídia anti-passe livre despolitiza a pauta ao mesmo tempo que aciona um imaginário fascistoide difuso, na linha do “vagabundo tem que morrer” ou “protesto é coisa de desocupado”.
Aí acontecem operações interessantes de língua portuguesa. A grande imprensa provoca uma subordinação de orações, envolvendo protesto/política (acionando o imaginário de luta por direitos e indignação) e vandalismo/polícia (acionando o desejo de fascismo). Depois de dividir a frase, vai tentar forçar uma subordinada condicional: “a favor de protesto MAS contra vandalismo” (o vandalismo anula o protesto). Enquanto isso, o movimento vai tentar de todas as formas sustentar a concessiva: “a favor de protesto EMBORA tenha vandalismo” (o vandalismo não anula o protesto). Para os primeiros, a tática é usar o desejo de fascismo contra o desejo de luta por direitos, e lançar os órgãos mais violentos da polícia contra o protesto. Para os últimos, o caso é anular o desejo de fascismo com o desejo de luta por direitos, resolvendo o problema por seus meios não-violentos e autônomos.
Quando, graças à força afetiva, o movimento consegue que a concessiva ganhe terreno sobre a condicional, a grande imprensa trata de recuperar a vitória do movimento para forçar uma consecutiva: “a favor do protesto É SER a favor do vandalismo”. É uma operação arriscada. Se, de um lado, pode conseguir inundar a questão de desejos fascistas e, de fato, levar a polícia aos maiores massacres; por outro, pode acabar mostrando finalmente que a força do protesto é maior e melhor do que as pulsões repressivas; com o que a própria imprensa conta em seu funcionamento normal, não só em relação a protestos. Nessa hora, a subordinação das orações vai por água abaixo, e a principal, propriamente política, se torna frase independente.
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Em meados de junho de 2013, essa aposta arriscada simplesmente não funcionou diante da mobilização, e todo o acionamento repressivo da grande imprensa aliada com o governo foi pra cucuia, desativando a engrenagem como um todo, e levando o MPL a uma enorme vitória política. O ponto preciso da virada, talvez, tenha sido em 13/6, naquela famosa enquete do programa “Cidade alerta”, do Datena. [maiores detalhes em "20 centavos" (Judesnaider et al, Veneta, 2013)]
Este ano as coordenadas são outras, mas certamente dá pra aproveitar o aprendizado de alguma maneira.
Fonte: Quadrado dos Loucos
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