novembro 23, 2011

Carta à Presidente Dilma (Por uma Política de Álcool e Outras Drogas Não Segregativa e Pública) e Reforma Psiquiátrica Ameaçada (À Comissão Intergestora Tripartite): documentos oficiais da Renila sobre medidas precipitadas e superficiais que ferem a democracia brasileira

PICICA: O III Encontro Nacional da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, realizado em Goiânia, entre os dias 17 a 20 de novembro, produziu dois importantes documentos nesse grave momento da Saúde Mental no Brasil - "Carta à Presidente Dilma" e "Reforma Psiquiátrica ameaçada", marcado por duas iniciativas preocupantes do governo federal: a medida que institui o financiamento de comunidades terapêuticas e clínica para "drogados", contrariando decisão da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em setembro de 2009, em Brasília; e a instituição da internação compulsória para usuário de drogas, considerado um retrocesso com características higienistas. Ambas vão de encontro à política para usuários de álcool e outras drogas não segregativa e pública reclamada pelo movimentos social "Por uma Sociedade Sem Manicômios" (Luta Antimanicomial). Reiteramos o apelo à Comissão Tripartite: "Apelamos à CIT que não aprove estas portarias ministeriais até que o governo federal estabeleça um diálogo com as entidades que têm se pronunciado contrários a esta forma de se pensar e fazer política. Que se aguarde a Consulta Pública, estratégia gestada pela Secretaria Geral da Presidência da República, onde todos poderão opinar e construir coletivamente uma política para os usuários de álcool e outras drogas e não apenas as Federações de Comunidades Terapêuticas, únicas entidades recebidas pela Presidenta Dilma." Em tempo: Na fotografia abaixo, de autoria de Léo Pinho, vemos Márcio Jordelane (de bermudas e camisa clara), presidente da Associação Chico Inácio, representante do Amazonas junto à Renila.


Carta à Presidenta Dilma

Por uma Política de Álcool e Outras Drogas
Não Segregativa  e Pública

A eleição de uma mulher presidenta da república, pela primeira vez na história, nos encheu de orgulho e foi festejado pelos brasileiros e brasileiras, em particular por todos os movimentos sociais, organizações populares e sindicais que lutam junto aos setores mais vulneráveis de nossa sociedade, pela ampliação dos direitos e de uma cidadania ativa. O compromisso definido como central para seu governo _ o combate e eliminação de uma das principais mazelas da sociedade brasileira, a pobreza e a miséria _ traduz, para nós, sua sensibilidade e filiação à Construção de um Novo Brasil, mais justo e solidário.

Esse compromisso assumido com o povo brasileiro é motivo de esperança e perspectivas de avanços no processo de inclusão social e de ampliação das conquistas cidadãs.

Nós, da RENILA - Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial, presentes em todo o país, militamos pela construção de uma sociedade sem manicômios, projeto político que originou e inspira a Reforma Psiquiátrica brasileira, política pública que é referência para a Organização Mundial da Saúde. Apostamos que o atual governo iria avançar e aprofundar esse processo emancipatório, extinguindo os manicômios ainda existentes e em funcionamento e ampliando a rede substitutiva, contudo, estamos neste momento, seriamente preocupados com o futuro e os rumos da saúde mental brasileira.

Informações veiculadas com insistência pela imprensa sobre as possibilidades de tratamento para usuários de álcool e outras drogas  preocupa-nos, sobretudo, por seu caráter francamente contrário aos princípios que sustentam as políticas deste governo, a saber, a superação da exclusão social, condição historicamente imposta a uma parcela da sociedade brasileira. Como militantes sociais e de direitos humanos, queremos alertar para os riscos que se anunciam nestas propostas.

O primeiro e mais grave risco diz respeito ao modo como a questão é colocada: ameaça, que fundada na cultura do medo, produz pânico e autoriza a violência, além de solicitar respostas precipitadas e superficiais. A apresentação de soluções mágicas, de respostas totais e plenas de garantias é não apenas ilusório, mas, sobretudo falacioso. Preocupa-nos, de modo particular, a defesa da internação compulsória e das comunidades terapêuticas, dois modos de resolver a questão recorrendo à exclusão e a segregação. Tais soluções  opõem-se, radicalmente, aos princípios que sustentam o compromisso desse governo de trabalhar pela ampliação da cidadania e inclusão de todos. Portanto, não tem como dar certo!

Senhora Presidenta, se tais medidas forem implantadas produzirão, além de prejuízos políticos, danos à democracia brasileira. Uma das maiores referências e patrimônio da nossa sociedade, o SUS e várias de suas políticas, dentre estas, a Reforma Psiquiátrica, serão seriamente comprometidas, além de perderem o caráter público tão caro à saúde. Submeter a saúde a interesses privados, à lógica de mercado, é fazê-la retroceder ao ponto que inaugurou o SUS como direito; é impor a saúde à dimensão de objeto mercantil, gerador de lucro para alguns e dor para muitos. Submeter o Estado e as políticas públicas a crenças e confissões, fere um princípio constitucional e a dimensão laica do mesmo. Submeter os cidadãos e suas famílias que sofrem com uma dependência a um modo de proteção que anula direitos é legitimar a violência como resposta institucional, portanto, não é uma ação cidadã, nem tão pouco solidária; é violência e tortura admitidas como recurso de tratamento.

Senhora Presidenta, mantendo nossa confiança e aposta em seu compromisso público anunciado quando de sua posse, mas também em sua sensibilidade e capacidade para conduzir um projeto de nação que seja justo, solidário e cidadão, alertamos: não se pode admitir o sequestro de direitos como recurso de tratamento, não se pode admitir a redução de problemas complexos a soluções mágicas, não se pode admitir, acima de tudo, a banalização de valores democráticos em nome de nenhum mal. Não se pode fazer o mal em nome do bem! Não se autoriza ao Estado e nem à sociedade, o direito a desrespeitar e torturar ninguém, em razão de nenhum motivo.

Sabendo que um governo se compõe de forças distintas e de perspectivas diversas, articuladas a setores e interesses sociais múltiplos, alguns mais próximos e comprometidos com valores republicanos, e outros com perspectivas mais restritas e a valores morais e religiosos, identificados na Casa Civil, conclamamos a Chefe da Nação a defender a cidadania de todos e a democracia brasileira, preservando suas conquistas, de modo especial, o Sistema Único de Saúde e suas políticas.

Nossa posição não é sustentada em interesses particulares nem em preferências. É coerente com a ampla mobilização social em todo o país que resultou na IV Conferência Nacional de Saúde Mental -Intersetorial, fórum que foi claro e decidido neste ponto: comunidades terapêuticas não cabem no SUS, como também não cabem internações compulsórias. O tratamento dos usuários de álcool e outras drogas, incluído neste conjunto o crack, deve seguir os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, sendo também este o caminho a ser trilhado pelo financiamento: a ampliação da rede substitutiva.

Senhora Presidenta, o Brasil precisa de mais CAPS-ad, necessita que os mesmos tenham condições que os permitam funcionar vinte e quatro horas, carece de leitos em hospital geral, de casas de acolhimento transitório, consultórios de rua, equipes de saúde mental na atenção básica, de estratégias de redução de danos e de políticas públicas intersetoriais. Este deve ser o endereço dos recursos públicos!

Por uma Sociedade Sem Manicômios!! Por um Tratamento Sem Segregação!! Pelo Fortalecimento do Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica!!

III Encontro Nacional da RENILA
Goiânia, 20 de novembro de 2011



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À COMISSÃO INTERGESTORA TRIPARTITTE (CIT)

ASSUNTO: Reforma Psiquiátrica Ameaçada

Nós, da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA), temos acompanhado atentos e preocupados o debate que se processa no interior do governo Dilma sobre as medidas a serem adotadas para o cuidado dos usuários de crack, álcool e outras drogas. É visível o embate interno ao governo relativo à possibilidade de incorporação das chamadas “comunidades terapêuticas” como um recurso do Sistema Único de Saúde passível inclusive, de ser financiado diretamente pelo governo federal.

Tal condição associa-se ao absurdo debate em torno das internações compulsórias de usuários de crack, álcool e outras drogas, posição que, apesar de ser sistematicamente rechaçada pelos equívocos jurídicos e assistenciais que comporta, vem, reiteradamente, sendo reintroduzida com muita força.

Identificamos como ponto de sustentação das propostas apresentadas pelo governo federal, a articulação existente entre a Ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, setores religiosos que se expressam no Congresso Nacional e as Federações das comunidades terapêuticas  que são patrocinadoras do projeto político da Ministra,  senadora eleita pelo Paraná.

Entendemos que o triunfo desta perspectiva representa um retrocesso na política da Reforma Psiquiátrica e uma ameaça para o SUS, num momento em que o próprio governo se vê inundado por crises invariavelmente relacionadas com a malversação de fundos públicos e a corrupção gerada por modos de relação promíscuos, via transferência de dinheiro público para organizações não-governamentais. Reconhecemos que a legitimidade social das comunidades terapêuticas advém de sua condição de serem empreendimentos autônomos, geradas por iniciativas da sociedade no vácuo de respostas públicas para os usuários de álcool e outras drogas por parte do Estado.

A inclusão das comunidades terapêuticas no campo da saúde violará o SUS e a Reforma Psiquiátrica em seus princípios e objetivos e o que é pior, reintroduzirá a segregação como modo de tratamento, objetivo oposto ao que orienta os serviços substitutivos, resgatando no mesmo ato a cruel face de objeto mercantil para o cuidado em saúde, ao privatizar parte dos recursos assistenciais.

Que a escolha por uma comunidade terapêutica e pela supressão dos direitos de cidadania seja a opção de alguns é algo que só pode ser respeitada no plano da decisão individual, mas jamais como oferta da política pública e resposta do Estado à sociedade.

A questão que se coloca hoje, com o confuso, parcial e precipitado debate sobre as drogas, convoca-nos à urgente mobilização em defesa do SUS e da Reforma Psiquiátrica, ameaçados, neste momento, pelo envio, por parte do Ministério da Saúde, à Comissão Intergestora Tripartite (CIT), de proposta de portaria que inclui as comunidades terapêuticas como serviços integrantes da rede de atenção psicossocial.

Apelamos à CIT que não aprove estas portarias ministeriais até que o governo federal estabeleça um diálogo com as entidades que têm se pronunciado contrários a esta forma de se pensar e fazer política. Que se aguarde a Consulta Pública, estratégia gestada pela Secretaria Geral da Presidência da República, onde todos poderão opinar e construir coletivamente uma política para os usuários de álcool e outras drogas e não apenas as Federações de Comunidades Terapêuticas, únicas entidades recebidas pela Presidenta Dilma.

Nossa posição não é sustentada em interesses particulares nem em preferências. É coerente cm a ampla mobilização social em todo o país que resultou na IV Conferência Nacional de Saúde Mental-Intersetorial, fórum que foi claro e decidido neste ponto: comunidades terapêuticas não cabem no SUS, como também não cabem internações compulsórias. O tratamento dos usuários de álcool e outras drogas, incluído neste conjunto o crack, deve seguir os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, sendo também este o caminho a ser trilhado pelo financiamento: a ampliação da rede substitutiva.

III ENCONTRO NACIONAL DA RENILA
Goiânia, 17 a 20 de Novembro de 2011.

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