novembro 22, 2011

“Há uma tentativa de interditar o debate sobre o marco regulatório da mídia”, por Marco Aurélio Weissheimer

PICICA: "O ex-ministro foi didático e paciente, desempacotando o conceito de regulação e espantando os fantasmas que o cercam. Para que é que serve mesmo a regulação? O que ela tem a ver com a vida das pessoas? Franklin Martins listou algumas das tarefas centrais dessa agenda: democratizar a oferta de informação, garantir a expressão da diversidade de opiniões, impedir a concentração de propriedade, garantir a existência de uma comunicação pública e comunitária de qualidade, promover a cultura nacional e regional com o estabelecimento de quotas claras, estimular a produção independente. Ele defendeu que algumas dessas medidas já estão previstas na legislação, mas não são respeitadas. “TV e rádio, que usam concessões públicas, não podem vender horário para igrejas, por exemplo. Isso já é proibido”. E condenou a ofensiva contra veículos comunitários. “No mundo inteiro, rádio e TV comunitária fazem parte do sistema público. Aqui são criminalizados”."
Política| 04/11/2011 | Copyleft 


“Há uma tentativa de interditar o debate sobre o marco regulatório da mídia”

A Constituição pode ser o terreno comum para o debate do marco regulatório da comunicação no Brasil", defendeu o ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, Franklin Martins, durante debate sobre democratização da mídia, realizado em Porto Alegre. "Podemos assumir o compromisso de não aprovar nenhuma regra que fira a Constituição e de não deixar de cumprir nenhum preceito constitucional", disse o jornalista que criticou a tentativa de interditar esse debate no Brasil.



Porto Alegre - “Podemos construir um terreno comum para o debate do marco regulatório das comunicações no Brasil: a Constituição Federal. Podemos assumir o compromisso de não aprovar nenhuma regra que fira a Constituição e de não deixar de cumprir nenhum preceito constitucional. Nada aquém, nem nada além da Constituição”. A proposta, em tom de provocação, foi feita pelo jornalista Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, durante seminário sobre Democratização da Mídia, realizado quinta-feira (3) no auditório da Escola da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). O tom de provocação se deve à enorme resistência que esse debate vem enfrentando junto às grandes empresas de comunicação, que procuram, insistentemente, associar a palavra “regulação” à “censura”.

Como já fez em outras ocasiões, Franklin Martins rechaçou essa associação, enfatizando que o seu uso tem o único objetivo de interditar o debate sobre um novo marco regulatório para as comunicações. “A mídia tem que ser respeitada, mas nunca deve ser temida”, disse o jornalista, enfatizando que esse debate já está aberto na sociedade e que não é mais possível interditá-lo. “Se ele for feito com transparência e equilíbrio”, melhor. Se, por um lado, Franklin Martins criticou os setores empresariais, especialmente no campo da radiodifusão, que tentam interditar a discussão, por outro, advertiu também aqueles que cobram mais pressa nesse processo, lembrando que outros países como a Argentina já aprovaram sua “ley de medios”. “O Brasil não é a Argentina. Lá eles têm uma tradição de confronto que não faz parte da nossa cultura política. É preciso compreender isso para poder construir uma maioria em torno da proposta de regulação”, defendeu.



O ex-ministro foi didático e paciente, desempacotando o conceito de regulação e espantando os fantasmas que o cercam. Para que é que serve mesmo a regulação? O que ela tem a ver com a vida das pessoas? Franklin Martins listou algumas das tarefas centrais dessa agenda: democratizar a oferta de informação, garantir a expressão da diversidade de opiniões, impedir a concentração de propriedade, garantir a existência de uma comunicação pública e comunitária de qualidade, promover a cultura nacional e regional com o estabelecimento de quotas claras, estimular a produção independente. Ele defendeu que algumas dessas medidas já estão previstas na legislação, mas não são respeitadas. “TV e rádio, que usam concessões públicas, não podem vender horário para igrejas, por exemplo. Isso já é proibido”. E condenou a ofensiva contra veículos comunitários. “No mundo inteiro, rádio e TV comunitária fazem parte do sistema público. Aqui são criminalizados”.

Essas propostas e ideias compõem o marco regulatório da maioria dos países apontados como exemplos de democracia e desenvolvimento, tal como ficou evidenciado no Seminário Internacional sobre Convergência de Mídias, realizado por Franklin Martins quando ainda estava no governo, em dezembro de 2010. Ele sugeriu que as pessoas visitem a página do seminário na internet e leiam o que é praticado nos Estados Unidos e nos países da Europa.

A resistência imposta a esse debate e a tentativa de interditá-lo ocorre, na avaliação do ex-ministro, em um momento onde estamos saindo de uma era do jornalismo e entrando em outra. “A era do aquário está chegando ao fim”, disse Franklin, referindo-se às salas envidraçadas que abrigam os comandos das redações. Para ele, o caso da bolinha de papel, envolvendo o ex-candidato à presidência da República, José Serra, na campanha de 2010 foi uma revolução e mostrou o poder da blogosfera. “A blogosfera é hoje o grilo falante da imprensa”, afirmou, lembrando como a cena montada para mostrar uma suposta agressão ao candidato do PSDB acabou sendo desmontada por um professor de jornalismo no interior do Rio Grande do Sul. Franklin Martins reconheceu que há excessos eventualmente por parte da blogosfera, mas lembrou que eles são, em boa medida, reflexo dos excessos praticados pela chamada grande imprensa. Essa resistência poderia estar ligada, assim, ao crepúsculo de um modelo de comunicação que está chegando ao fim no Brasil.

O que separa as telecomunicações da radiodifusão está acabando

Franklin Martins repetiu em Porto Alegre uma tese que vem defendendo há bastante tempo: a definição de um novo marco regulatório é uma exigência, entre outras coisas, do desenvolvimento tecnológico do setor das comunicações. “O que separa as telecomunicações da radiodifusão está acabando e esse processo precisa ser regulado”, afirmou, lembrando que hoje um telefone celular não é mais simplesmente um telefone, mas também um transmissor e mesmo produtor de conteúdo. Ele voltou a destacar também que essa regulamentação interessa diretamente ao setor de radiodifusão. “Em 2009, o setor das teles faturou 13 vezes mais que o da radiodifusão. Se não houver regulamentação, quem vai ganhar é o setor das telecomunicações. A radiodifusão será atropelada por uma jamanta”, observou, repetindo imagem que já havia feito no seminário sobre Convergência de Mídias, realizado no final de 2010, em Brasília. 

O ex-ministro foi enérgico ao rebater as críticas que apontam, por trás da proposta da regulação, a existência de uma suposta tentativa de censura. “Um dia destes recebi, estupefato, um convite da OAB para discutir ‘controle’ da imprensa. Perguntei se eles estavam se referindo ao Estado Novo. É um absurdo total. Não há nenhum controle da imprensa no Brasil. Lutei contra a ditadura do primeiro ao último dia e sou visceralmente contra censura. O governo Lula comeu o pão que o diabo amassou nas mãos da imprensa e nunca praticou censura. O que Lula fez foi criticar a cobertura da imprensa em algumas situações e isso foi chamado de ‘ataque’. A mídia não pode ser criticada?”, perguntou. O que existe, na verdade, defendeu, é uma tentativa de interditar o debate sobre o marco regulatório num momento estratégico para o país.

Indagado sobre quais foram as razões que impediram que o novo marco regulatório fosse aprovado no governo Lula, Franklin Martins reconheceu as dificuldades, mas defendeu que o governo passado deu um grande passo ao colocar esse tema na agenda política do país. Esse debate, sustentou, está aberto e vai avançar. Na conclusão de sua fala, repetiu o que, para ele, deve ser o tom dessa discussão: “se for feito com transparência e equilíbrio será melhor para todos”.

Vídeo: TV Carta Maior/Reportagem: André de Oliveira e Júlia Aguiar
Fonte: Carta Maior

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