PICICA: "O estado do Mato Grosso do Sul é um dos últimos estados do Brasil mas é o primeiro em violência contra os povos indígenas. É o estado que mais mata a população indígena. Parece que o nazismo está presente aqui. Parece que o Mato Grosso do Sul se tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas. Prova disso é a execução do Nísio. Quando não matam assim matam por atropelamento. Nós podemos dizer que o estado, os políticos e a sociedade são cúmplices dessa violência quando eles não falam nada, quando não fazem nada para isso mudar. Os índios se tornaram os novos judeus. E onde estão nossos direitos, os direitos humanos, a própria constituição?"
Carta de protesto: Estudantes Guarani e Kaiowá dos cursos de Ciências Sociais e História, UEMS, unidade Amambai
Massacre de indígenas em acampamento na cidade de Amambai, Mato Grosso do Sul
Prezad@s amig@s:
A
cidade de Amambai/MS vivenciou ontem (18/11) mais um caso de massacre à
população indígena Guarani Kaiowá. Como forma de protesto, os alunos
indígenas da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) -
Unidade de Amambai, incentivados pela professora e antropóloga Aline
Crespe, escreveram uma carta contando os detalhes do acontecimento. A
situação em que vive a população indígena no Mato Grosso do Sul não é
nada simples, os casos de violência são muito frequentes e nos remetem a
uma situação de extermínio. Peço, por favor, que divulguem entre os
seus contatos o depoimento da professora e a carta escrita pelos alunos
indígenas.
Grata,
Flávia Carolina da Costa
Professora da UEMS, Amambai/MS
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Massacre de indígenas em acampamento na cidade de Amambai
Mato Grosso do Sul
Ontem
pela amanhã, ao abrir meu e-mail, recebi mais uma triste notícia de uma
situação de violência contra um grupo indígena acampado em uma área em
litígio e a espera da continuidade do processo de regularização
fundiária da terra indígena. O acampamento se localiza em Amambaí, sul
de Mato Grosso do Sul, a menos de cem quilômetros da fronteira com o
Paraguai. O acampamento está localizado em uma pequena parte da área de
ocupação tradicional, chamada Guaiviry. A área está inserida no conjunto
de terras indígenas que deverão ser demarcadas no Mato Grosso do Sul. O
processo de identificação destas áreas começou em 2007 e, desde então,
tem sido repetidamente interrompido pelos conflitos políticos que o
envolvem. Enquanto isso, repetidos atos de assassinatos contra grupos
indígenas que aguardam pela identificação e demarcação destas áreas vem
ocorrendo. A situação de insegurança e medo vivida pelas populações
indígenas é insustentável. No
ano passado, a Survival Internacional publicou um importante relatório
denunciando a situação das populações guarani no estado de Mato Grosso
do Sul. Fiquei chocada com o que aconteceu e sabia que não tinha como
ficar quieta, não falar nada ou fingir que estava tudo bem. Sou
professora na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, na unidade de
Amambaí, no curso de Ciências Sociais. Fiquei pensando como daria aula
para os estudantes indígenas naquele dia. Então, fui conversando com os
alunos, um a um, e marcamos de nos reunir para conversarmos, até que
eles decidiram por escrever uma carta. A carta foi escrita por eles,
ficando como minha responsabilidade a divulgação dela. Na carta, como
vocês poderão ver, um aluno de História e morador da aldeia de Amambaí
fala algo muito parecido com o que Marcos Homero Ferreira Lima,
antropólogo do MPF de Dourados disse para a Survival sobre um
acampamento de beira de estrada localizado as margens da BR 163, no
município de Dourados: "Não se trata de hipérbole quando se fala em
genocídio, pois a série de eventos e ações perpetradas contra o grupo,
como se objetivou demonstrar, desde o final da década de 1990, tem
contribuído para submeter seus membros a condições tolhedoras da
existência física, cultural e espiritual. Crianças, jovens, adultos e
velhos se encontram submetidos a experiências degradantes que ferem
diretamente a dignidade da pessoa humana. O modo de vida imposto àqueles
Kaiowá é revelador de como os brancos vêem os índios. O preconceito, o
descaso, o descuido, a não consideração dos direitos à terra, à vida, à
dignidade são patentes. A situação por eles vivenciada é análoga àquela
de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu próprio
país. É como se os 'brancos' estivessem em guerra com os índios e a
estes últimos só restasse a fina faixa de terra que separa a cerca de
uma fazenda e a beira de uma rodovia".
A
crueldade do caso envolvendo o acampamento e a truculência dos
assassinos não podem ser tratadas como mais um caso de violência.
Estamos vivendo uma guerra de fato, mas é uma guerra em que só morrem
pessoas de um lado.
Segue
a carta dos estudantes Guarani e Kaiowa dos cursos de Ciências Sociais e
História. As informações contidas na carta foram recebidas por pessoas
que estavam no acampamento na hora do massacre. Peço, por gentileza, que
ajudem na divulgação para que possamos agregar mais gente na luta pelo
fim da violência contra os povos indígenas.
Por
volta das seis horas chegaram os pistoleiros. Os homens entraram em
fila já chamando pelo Nísio. Eles falavam segura o Nísio, segura o
Nísio. Quando Nísio é visto, recebe o primeiro tiro na garganta e com
isso seu corpo começou tremer. Em seguida levou mais um tiro no peito e
na perna. O neto pequeno de Nísio viu o avô no chão e correu para
agarrar o avô. Com isso um pistoleiro veio e começou a bater no rosto de
Nísio com a arma. Mais duas pessoas foram assassinadas. Alguns outros
receberam tiros mas sobreviveram. Atiraram com balas de borracha também.
As pessoas gritavam e corriam de um lado para o outro tentando fugir e
se esconder no mato. As pessoas se jogavam de um barranco que tem no
acampamento. Um rapaz que foi atingido por um tiro de borracha se jogou
no barranco e quebrou a perna. Ele não conseguiu fugir junto com os
outros então tiveram que esconder ele embaixo de galhos de árvore para
que ele não fosse morto.Outro rapaz se escondeu em cima de uma árvore e
foi ele que me ligou para me contar o que tinha acontecido. Ele contou
logo em seguida. Ele ligou chorando muito. Ele contou que chutaram o
corpo de Nísio para ver se ele estava morto e ainda deram mais um tiro
para garantir que a liderança estava morta. Ergueram o corpo dele e
jogaram na caçamba da caminhonete levando o corpo dele embora.Nós
estamos aqui reunidos para pedir união e justiça neste momento. Afinal, o
que é o índio para a sociedade brasileira? Vemos hoje os direitos
humanos, a defesa do meio ambiente, dos animais. Mas e as populações
indígenas, como vem sendo tratadas? As pessoas que fizeram isso conhecem
as leis, sabem de direitos, sabem como deve ser feita a demarcação da
terra indígena, sabem que isso é feito na justiça. Então porque eles
fazem isso? Eles estão acima da lei? O estado do Mato Grosso do Sul é um
dos últimos estados do Brasil mas é o primeiro em violência contra os
povos indígenas. É o estado que mais mata a população indígena. Parece
que o nazismo está presente aqui. Parece que o Mato Grosso do Sul se
tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas. Prova disso é a
execução do Nísio. Quando não matam assim matam por atropelamento. Nós
podemos dizer que o estado, os políticos e a sociedade são cúmplices
dessa violência quando eles não falam nada, quando não fazem nada para
isso mudar. Os índios se tornaram os novos judeus. E onde estão nossos
direitos, os direitos humanos, a própria constituição? E nós estamos aí
sujeito a essa violência. Os índios vivem com medo, medo de morrer. Mas
isso não aquieta a luta pela demarcação das terras indígenas. Porque
Ñandejara está do lado do bom e com certeza quem faz a justiça final é
ele. Se a justiça da terra não funcionar a justiça de deus vai
funcionar.
Estudantes Guarani e Kaiowá dos cursos de Ciências Sociais e História e moradores da aldeia de Amambaí.
Fonte: CIMI
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