novembro 06, 2011

Autonomia universitária, segurança e relação entre campus universitário e cidade

PICICA: "Para além da polêmica em torno da ocupação da Reitoria, me parece que estão em jogo nessa questão três aspectos que têm sido muito pouco abordados. O primeiro refere-se à estrutura de gestão dos processos decisórios dentro da USP: quem e em que circunstâncias decide os rumos da universidade? (...) Um segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si. É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. (...) Finalmente, há o debate sobre a presença ou não da PM no campus. Algumas perguntas precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade?" Em tempo: Em Manaus,  a autonomia universitária foi ameaçada pela agressão de um professor da Universidade Federal do Amazonas por um cidadão que se achava acima da lei. A resposta dos professores ao fato foi, no mínimo, tímida. Enquanto isso, os estudantes universitários, quando se mobilizam, só o fazem a favor de apelos e interesses imediatos, como o aumento da tarifa de ônibus. Sua participação sobre outros aspectos da realidade social e política tem sido muito escassa. Professores, idem. Tomemos como exemplo a defesa do tombamento do Encontro das Águas. Uma importante iniciativa de um grupo de estudantes universitários como o "NÃO TOMO COCA-COLA SE O PORTO DAS LAJES FOR IMPLANTADO NO ENCONTRO DAS ÁGUAS" é uma bandeira que ficou a meio-pau. Em matéria de segurança, o silêncio sobre a  presença da Polícia Federal do campus da Universidade Federal do Amazonas, para inibir usuários de cannabis, foi compartilhado entre os três segmentos que compõem a academia. Quanto a relação entre campus universitário e cidade, o tema vem sendo banalizado desde que o poder público permitiu a instalação de um "campus à céu aberto" no centro de Manaus, como é o caso da UniNorte. Aqui o silêncio é amplo, geral e irrestrito. Salvo erro de percepção, nem os políticos de oposição se manifestam sobre o tema alguns. Alguns deles são egressos de universidades públicas. Onde já se viu instalar um "campus universitário" em pleno coração da cidade e estabelecer o caos na cidade impunemente? A Universidade do Estado do Amazonas - UEA está dando um bom exemplo, sem que tenha havido grandes manifestações a favor da iniciativa governamental: seu campus, finalmente, será construído no município de Iranduba. Só tem um probleminha. O mau planejameto do trânsito na Ponte do Rio Negro deverá comprometer mais ainda o fluxo de veículos com o deslocamento da massa de professores, alunos e servidores. Tem males que vem para o bem... e vice-versa. Em última instância, nosso maior problema é o distanciamento da academia da vida real da cidade, exceções de praxe. Com açucar e com afeto, PICICA.

Raquel Rolnik
Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP
Ontem participei, a convite do Grêmio da FAU, de um debate sobre a questão da segurança na USP e a crise que se instalou desde a semana passada, quando policiais abordaram estudantes da FFLCH, cujos colegas reagiram. Além de mim, estavam na mesa  o professor Alexandre Delijaicov, também da FAU, e um estudante, representando o movimento de ocupação da Reitoria.


Para além da polêmica em torno da ocupação da Reitoria, me parece que estão em jogo nessa questão três aspectos que têm sido muito pouco abordados. O primeiro refere-se à estrutura de gestão dos processos decisórios dentro da USP: quem e em que circunstâncias decide os rumos da universidade? Não apenas com relação à presença da Polícia Militar ou não, mas com relação à existência de uma estação de metrô dentro do campus ou não, ou da própria política de ensino e pesquisa da universidade e sua relação com a sociedade. A gestão da USP e de seus processos decisórios é absolutamente estruturada em torno da hierarquia da carreira acadêmica.


Há muito tempo está claro que esse modelo não tem capacidade de expressar e representar os distintos segmentos que compõem a universidade, nem de lidar com os conflitos, movimentos e experiências sociopolíticas que dela emergem. O fato é que a direção da USP não se contaminou positivamente pelas experiências de gestão democrática, compartilhada e participativa vividas em vários âmbitos e níveis da gestão pública no Brasil. Enfim, a Universidade de São Paulo não se democratizou.


Um segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si. É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo urbanístico do campus, segregado, uni-funcional, com densidade de ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campus do Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da segurança tem muito a ver com a equação urbanística."


Finalmente, há o debate sobre a presença ou não da PM no campus. Algumas perguntas precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade? Em parte, a resposta dada hoje pela gestão da USP é que a universidade não faz parte da cidade: aqui há poucos serviços para a população, poucas moradias, não pode haver estação de metrô, exige-se carteirinha para entrar à noite e durante o fim de semana. Tudo isso combina com a lógica de que a polícia não deve entrar aqui. Mas a questão é maior: se a entrada da PM no campus significa uma restrição à liberdade de pensamento, de comportamento, de organização e de ação política, nós não deveríamos discutir isso pro conjunto da cidade? Então na USP não pode, mas na cidade toda pode? Que PM é essa?


Essas questões mostram que o que está em jogo é muito mais complexo do que a polêmica sobre a presença ou não da PM no campus.


Fonte: Blog da Raquel Rolnik

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