PICICA: Morreu na madrugada de sexta-feira, por volta das 04h30, no Hospital Adriano Jorge, em Manaus, Francisco Inácio Araújo. Chico Inácio, como era conhecido, foi internado muito jovem, em meados dos anos 1970, no Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro. Nascido no interior do município de Itacoatiara-AM, viveu no hospício por mais de 40 anos. Eu ainda cursava a disciplina de psiquiatria na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade do Amazonas quando o conheci no velho hospício. No início dos anos 1980, quando dávamos os primeiros passos na construção da Reforma Psiquiátrica no Amazonas, voltamos a nos encontrar. Desta vez, achava-me na condição de Diretor Clínico do velho manicômio. Um procedimento simples iria mudar sua vida de clausura. Criei o primeiro Pavilhão Aberto para internos de duração variada, alguns com mais de 10 anos de internação. Chamava-se Pavilhão Maria Damasceno (nome de uma interna falecida no hospital psiquiátrico, homenageada pelos demais numa das assembleias que passei a promover no interior do velho hospício - procedimento inusual para a cultura da época). A partir daí, nos próximos dez anos, Chico Inácio participaria do primeiro projeto de reabilitação psicossocial remunerado conhecido na história dessa sinistra instituição. Tal foi o gosto pelo trabalho que Chico Inácio passou a se dirigir ao centro da cidade, todas às tardes, para vender bombons. "Seo" Fernandinho, da marcenaria, fez um taboleiro, e com dinheiro ganho na atividade agrícola Chico comprava os bombons e sua passagem de ônibus, num tempo em que a cidade ainda tolerava a presença de pessoas como ele nas ruas da cidade. Com a passagem do tempo, ainda que essa tolerância esteja presente na cultura da cidade, um outro "fenômeno" social iria tirá-lo definitivamente das ruas: a violência. Chico sofreu vários roubos e agressões de mal-feitores. Depois foi atropelado por um veículo. A partir daí recolheu-se ao velho manicômio, recusando-se a sair. Nem teve tempo de usufruir das residências terapêuticas (moram ainda no hospício pouco mais de 40 internos de longa permanência). Virou "novela" a criação desses serviços em Manaus. Pior. Uma má ideia do passado recente voltou à cena. Querem instalar esses internos num bairro distante de Manaus, prevalecendo os ideais das classes médias incultas: tirar do olhar da urbe os "dejetos" humanos que ela mesma ajudou a criar ao aceitar conviver com modelos de exclusão como os representados por hospícios e congêneres. Chico não viveu o suficiente para ser submetido a essa "exclusão branda", que tira de circulação "indesejáveis" como ele. Dos militantes por uma sociedade sem manicômios, nossa lembrança e nossa homenagem à simplicidade desse homem de sentimentos modestos já havia sido consagrada, desde que foi dado seu nome à uma associação de pessoas com transtorno mental que lutam pela construção da sua cidadania. Mas é uma frase de sua autoria, num raro depoimento à imprensa local, que ficará marcada para sempre em nossos corações e mentes: "Meu nome é Chico Inácio. Não tenho parente, nem aderente. Quero uma casa pra morar". Descansa em paz, Chico Inácio, é o que desejo em nome dos companheiros da Associação Chico Inácio (filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial).
Despedida de Chico Inácio. Seu corpo foi velado no auditório do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro
Foto: Rogelio Casado - Manaus, 25 de outubro de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário