Morre um dos modernos diretores do Teatro Brasileiro - Fernando Peixoto
Ao acordar nesta manhã de domingo deparamos com a notícia do falecimento de um dos responsáveis pela invenção do Moderno Teatro Brasileiro, melhor seria dizer, um dos inventores da Moderna Nação brasileira. Junto comJosé Renato, Sérgio Brito, Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Lélia Abramo, Glauber Rocha (*) (também falecidos) juntando-se aos que ainda continuam vivos (melhor não citar nomes para que não seja entendido como os próximos da fila) foram os responsáveis por essa pequena mostra do que conhecemos, hoje, como sendo Brasil.
”Fernando”, como era conhecido entre os amigos, morreu após uma breve internação a partir de dezembro último e aguarda nas próximas horas a despedida dos amigos antes de partir para sempre. O que mais atormenta, além da falta de Fernando Peixoto (amigo, ator e diretor), é o desprezo e desconhecimento dos próprios artistas, jornalistas e acadêmicos a seu respeito. Quando internado, um jornal de grande circulação publicou para qualificá-lo sua participação em alguns filmes das últimas décadas, escondendo a fundamental arquitetura em eventos que mudaram a Arte e a História brasileira. Tal superficialidade chegou a registrar que a ministra, Ana de Hollanda, havia participado como atriz de uma de suas peças, omitindo a verdadeira natureza desse vínculo. Para os seus mais diretos amigos, fica difícil descobrir aonde termina o despreparo dos jornalistas e começa a safadeza. Esta nota não tem por objetivo discutir o papel da imprensa e, sim, lembrar para a atual e futuras gerações quem foi Fernando Alvarenga Peixoto.
Ato Teatral - Cena Final, onde se vê Jair Alves, Celso Frateschi, Eliane Giardini e "Fernando" - 1983
"Fernando" veio de Porto Alegre para São Paulo, no início da década de sessenta, ao lado da atriz Ítala Nandi com quem também foi casado, a convite de José Celso Martinez Corrêa e Renato Borghi para integrar o elenco do Oficina. Depois de participar de peças de extrema importância, onde se destaca “O Rei da Vela”, uma década depois saiu para trabalhar e dirigir um grupo de profissionais que com toda certeza deu cara e força no que veio a ser conhecido como Teatro de Resistência, ou Arte de Resistência, como queiram. Ali, além de dirigir peças como “Um grito Parado no Ar”, “Ponto de Partida”, “Calabar” (peça proibida pela Censura Federal no ensaio geral), foi também responsável por eventos que mesmo após a Anistia (79) foram fundamentais. Também foi o diretor todos os anos dos Shows do “1º de Maio de 1886,” onde se reunia artistas, cantores, e compositores para concretizar o desenho de uma Nação Brasileira, justa e democrática. O mais famoso deles ocorreu em 1981 quando, no Riocentro, aconteceu o atentado pela extrema direita, contra as forças democráticas. Fernando estava lá no palco, coordenando a manifestação artística, exercendo uma função que poucos tiveram capacidade e coragem de agregar. Fernando Peixoto tinha o talento de unir pessoas com opiniões diferentes, mas que ao final desejam a mesma coisa. Paradoxalmente, com seu jeito tranqüilo, conseguia também isolar e jogar um foco de luz no que mais desprezível se conhece na sociedade. Hoje em dia está difícil saber quem é “Rinoceronte”, ou “Javali”, como dizia Brecht.
Durante ensaio do Ato Teatral - onde se vê Paulo Betti, Eliane Giardini e "Fernando"
Tivemos a alegria de trabalhar brevemente com Fernando Peixoto, em 1983, onde ele foi componente de um Petit Comitê que resultou no evento “Ato Teatral” (**), que conseguiu trazer ao palco naquela oportunidade todos os males que a Ditadura Militar havia provocado na Cultura Nacional.
Despedir de Fernando não é fácil, mas o será extraordinariamente animador trabalhar para que a obra de Fernando Peixoto, como diretor, ator e também teórico, se transforme numa referência da cultura contemporânea. Afinal, como diria Brecht, ele é um dos tais homens “indispensáveis” à Humanidade.
Jair Alves - dramaturgo e ator
Fonte: Portal Macunaima
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