janeiro 16, 2012

"Presente de natal de mau gosto da presidenta para as mulheres: MP 557", por Priscilla Caroline


PICICA: "(...)segundo Fátima Oliveira, o respeito às metas do milênio integrante da justificativa de medida não pode ignorar os outros compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da própria ONU e em outros acordos internacionais. Especialmente no que diz respeito à Conferência sobre População e Desenvolvimento, que aconteceu no Cairo, em 1994, há orientações claras sobre os conceitos relacionados à saúde e direitos reprodutivos e que fala de um assunto do qual a débil argumentação do Ministério tenta fugir: o abortamento inseguro como principal causa da mortalidade materna no Brasil."
O presente de natal da presidenta para as mulheres não poderia ser mais inquietante: no dia 27 de dezembro a Medida Provisória 557 foi publicada no Diário Oficial. Seu objetivo é instituir o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento de Gestante e da Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna.

Foto: Agecom Governo da Bahia. Licença Creative Commons, alguns direitos reservados.
Logo que a medida foi publicada, diversas feministas se posicionaram criticamente e levantaram questões muito importantes sobre o atendimento médico às mulheres grávidas e as reais implicações da medida.
O primeiro estranhamento é sobre a necessidade de uma medida provisória com caráter de urgência. Na exposição de motivos apresentada, os ministros Alexandre Padilha, Guido Mantega e Miriam Belchior alegam que apesar dos esforços empreendidos nos últimos anos, seria preciso instituir imediatamente um cadastro nacional e público de todas as mulheres grávidas, que por sua vez receberiam uma quantia de R$50 como ajuda de custos para continuarem o pré-natal durante toda a gestação. Assim, seria possível reduzir a mortalidade materna, compromisso assumido pelo país com as metas do milênio.
Segundo o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e a Portaria nº 68, publicada em 11 de janeiro, o cadastro não é obrigatório, embora seja necessário para quem deseja receber o benefício. A questão é que o SUS já tem diversos mecanismos de acompanhamento das mulheres grávidas e inclusive um cadastro para controle da mortalidade, o SIM, como os próprios ministros admitem naexposição de motivos:
 [...] foi criado no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, o Módulo de Investigação de Óbitos de Mulheres em Idade Fértil, que permite o registro das ações de investigação e estudo de cada óbito, pelo Distrito Federal e Municípios, contribuindo para o monitoramento dessa prática. Os resultados oriundos desse sistema permitiram identificar que mais de70% dos óbitos de mulheres em idade fértil ocorridos em 2010 foram investigados.
 Se o SUS já tem um cadastro, por que tentar criar outro, por meio de Medida Provisória? Segundo o assessor do Ministério da Saúde, Fausto Pereira, em entrevista ao Viomundo, com a MP 557, “a subida desse cadastro para o Ministério torna-se obrigatória. Isso vai melhorar o monitoramento, que terá mais agilidade. Esse é o objetivo do cadastro”. O cadastro, portanto, é obrigatório para todas as mulheres que quiserem receber o benefício.
Segundo Beatriz Galli, em entrevista ao portal Viomundo, o problema no SUS não é estrutura do pré-natal para as gestantes, o problema é que não há controle de qualidade do atendimento. “A MP 557, nesse sentido, não garante acesso a exames, diagnóstico oportuno, profissionais treinados em emergência obstétrica, transferência imediata e vaga para uma unidade de maior complexidade. Isso sim nos faria cumprir as metas do milênio e os outros acordos internacionais”.
Aliás, segundo Fátima Oliveira, o respeito às metas do milênio integrante da justificativa de medida não pode ignorar os outros compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da própria ONU e em outros acordos internacionais. Especialmente no que diz respeito à Conferência sobre População e Desenvolvimento, que aconteceu no Cairo, em 1994, há orientações claras sobre os conceitos relacionados à saúde e direitos reprodutivos e que fala de um assunto do qual a débil argumentação do Ministério tenta fugir: o abortamento inseguro como principal causa da mortalidade materna no Brasil.
A MP 557 não só não enfrenta o problema como empurrou um item muito presente em outros projetos de lei, conjunto integrante do “Estatuto do Nascituro”. O ponto de maior discussão do movimento feminista é o Artigo 19-J, que estabelece que “Os serviços de saúde públicos e privados ficam obrigados a garantir às gestantes e aos nascituros o direito ao pré-natal, parto, nascimento e puerpério seguros e humanizados”. Segundo Fátima Oliveira, ao dizer “garantir às gestantes e aos nascituros”, a medida deixa de considerar a mulher como sujeito das ações de saúde, principal beneficiária, e estabelece direitos para o nascituro.
Como lembra Beatriz Galli, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou sobre a questão do nascituro, em maio de 2008, no julgamento histórico da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.510, que liberou a pesquisa com células-tronco embrionárias no Brasil, o ministro-relator Ayres Brito:
O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere à Constituição.” (ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010.)
Nesse sentido, a MP 557 acrescenta muito pouco em termos de efetividade à luta pela diminuição da mortalidade materna. Na verdade, o que ela faz é retroceder, já que o pagamento de R$50 para as gestantes dá contornos clientelistas à política, não garante a melhora do atendimento e ainda provoca um imenso retrocesso no debate sobre o atendimento ao abortamento inseguro.
Pelo caráter de urgência, o Congresso começa a discutir a MP 557 logo no início dos trabalhos, e, fevereiro e até março deve decidir sobre a proposta. Cabe aos movimentos de mulheres se manifestarem e exigirem dxs parlamentares que a medida não seja aprovada retrocedendo em todas as conquistas alcançadas até agora e contrariando os compromissos assumidos pelo Governo na última Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres.

Priscilla Caroline

Tem problemas de concentração, mas entre as milhões de coisas que pensa ao mesmo tempo sempre tem alguma coisa feminista.
Fonte: Blogueiras Feministas

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