Matilde Ribeiro e a imaginação racista branca
Por Jaime Amparo Alves
*amparoalves@gmail.com
Ao meu ver, a queda da ministra Matilde Ribeiro traz ao debate público dois pontos importantes: o moralismo dirigido da midia grande e a criativa imaginação racista branca. Como era de se esperar, Matilde foi fuzilada em tempo recorde, talvez isso explique a falta de reação do movimento negro frente ao linchamento público a que a ministra tem sido sumariamente submetida. Não é segredo que a crise da Sepir foi criada muito antes do escândalo dos cartões corporativos. A corajosa e coerente entrevista cedida `a BBC Brasil em meados de 2007 foi a munição que o complexo mediático necessitava para a sua campanha contra as políticas de igualdade racial do governo Lula. Com propriedade, Matilde disse que se o povo negro não está investido de privilégio, como pode ser acusado de racismo? A entrevista rendeu um processo judicial impetrado por deputada do PSDB. O 'mau' uso do cartão corporativo era tudo o que a media grande necessitava para justificar sua obcessiva tese de que ogorveno Lula é o mais corrupto da história. Derrotada nas urnas pela vontade popular, e derrotada no tempo pela popularidade inigualável do ex-metalúrgico, a imprensa precisa desesperadamente investir no caos. Inadimissível que aquele nordestino semi-analfabeto, 'pé-rapado', gentinha dos Silva, propício ao vício e populista continue ocupando o cargo de chefe da nação. Lula tem que ser nossa mula, diria Diogo Mainard em seu cinismo cruel.
Matilde Ribeiro carrega todas as marcas que a imprensa busca obstinadamente apagar do imaginário brasileiro e dos centros de poder. Negra, da periferia de São Paulo, ex-empregada domestica. Carregando o peso de ser mulher e ser negra na sociedade brasileira, Matilde sabia que sua pasta teria de ser a melhor, e seu comportamento teria de ser impecávelmente. Anomalia é corrupção entre os brancos. O universalismo branco se aplica também `a ética. Nesta esfera, escândalo é que venha `a tona corrupção envolvendo aqueles cuja cor da pele é 'naturalmente' investida de privilégios. Maluf incorpora bem a categoria do escândalo, do absurdo, do chocante! Pitta, Matilde, Benedita da Silva, e Claudete Alves, entre outros, são aquelas 'deixas' que a imprensa necessita para produzir seu 'discurso de verdade'. É como se já estivessem predestinados a isso. Bastaria a imprensa investir na tese e buscar a materialidade do crime. Daí porque a caída de Matilde é também um alerta sério atoda/os negra/os ocupando cargos na administração pública: os padrões de dominação racial no Brasil são sofisticadíssimos. A meia dúzia de negros que está no poder está exatamente na linha de frente destes padrões.
A esta altura é bom nos prevenirmos do equivoco de romantizar autoridades negras e/ou relativizar a ética na administração pública. Redundante dizer que autoridade pública tem que responder pelos seus erros custe o que custar! Mas não compremos o boi pelo bife, para usar a frase de Perseu Abramo. O que se busca é deixar explícito o moralismo dirigido da grande midia e as artimanhas do racismo brasileiro. Matilde devia saber que é mais facil um negro ser punido por comprar uma tapioca com o cartao corporativo da Presidencia da Republica do que FHC e sua turma ser presa por vender a Vale do Rio Doce por R$ 3 bi (o que agora vale R$ 170bi). Por quê a tapioca de R$ 8,00 comprada pelo ministro dos esporte chama mais a atenção do que o escândalo das privatizações? O cartão corporativo foi criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não se tem notícia de reportagem questionando sua criação e os critérios de uso. Quais os critérios usados pela imprensa pra eleger osgraus de corrupção? Quais são os critérios de noticiabilidade usados por Folha, Estadão, Veja e Globo quando a pauta é o governo Lula? O comportamento da midia brasileira nos anos Lula será assunto obrigatório em qualquer disciplina sobre ética jornalistica nas escolas de comunicação do país. A tese mediática já está aí: o governo Lula é o mais corrupto da história. O desafio diário dos jornalistas da midia grande tem sido encontrar fatos que dêem sentido real aos textos já prontos nas redações de Rio e de São Paulo.
Por fim, o trágico no triste episódio envolvendo Matilde Ribeiro não é apenas a indefensabilidade de sua conduta no uso do cartão, em que pesem as limitações orçamentárias da pasta. Trágico também é a constatação de que a Seppir nunca teve e não terá força política no governo Lula. Isso porque as políticas públicas desenhadas alí morrem na pasta do Planejamento e da Fazenda. Um Ministério sem estrutura e sem expressividade no orçamento da uniao. Um prato cheio para a imaginação racista branca!
* Jaime Alves é jornalista e militante do movimento negro em São Paulo (Educafro-SP).
E-mail: amparoalves@gmail.com
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