Angelo Madson da Costa Barbosa cabanodacoluna@yahoo.com.br escreveu:
OCUPAR, TRANSMITIR, RESISTIR! SEMPRE!
“O direito é a forma pela qual se expressa o poder do Estado. Mas, a legitimidade do direito não advém somente de sua mera aceitação fática. Pelo contrário, o direito só é digno de reconhecimento, ou seja, legítimo se amparado pela soberania popular realizada nos direitos de comunicação e participação que garantam a autonomia pública dos cidadãos”. (Habermas).
Desde sua origem em Belém do Pará, as Rádios Comunitárias sempre desempenharam uma função relevante para desenvolver a inclusão social e a cidadania plena, assegurando a formação de opinião pública, livre, laica e pluralista – como deveria ser em qualquer regime democrático. No entanto, apesar do elenco de direitos constitucionalmente garantidos[1], para nós, a “Desobediência Civil” continua a ser uma via necessária para garantia do direito a livre expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação - tal como reza a própria Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 5º, Inciso IX.
No entanto, as normas jurídicas fundamentais de uma constituição, também são a tradução do (des)equilíbrio político entre classes sociais conflitantes. Portanto, através das leis podemos reconhecer os interesses da classe que domina e a forma pela qual exerce o seu domínio. A lei 9.612/98 (que deveria regulamentar o serviço de radiodifusão comunitária) ao invés torna-se uma solução, demonstra-se na prática um torpe dispositivo de controle social, exercido pelo estado através de uma legislação restritiva de direitos e de uma malha burocrática que dificulta o acesso à outorga.
E em nome da manutenção deste poder dominante, graves violações aos direitos fundamentais do ser humano acontecem “naturalmente”, como num estado de exceção:
Na manhã de ontem, 30 de janeiro, técnicos em amordaçamento da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, acompanhados por uma equipe de agentes do aparelho repressivo do Estado Nacional – a Polícia Federal, invadiram brutalmente a sede da Associação Cultural de Radiodifusão Comunitária Resistência FM (doravante reconhecida como RESISTÊNCIA FM – O Grito Rebelde da Periferia) na intenção de tomar o local de assalto e de lá subtrair todos os seus equipamentos!
Neste momento, EU – já na condição de refém da operação, fui declarado detido sob a acusação do crime de operar emissora de rádio sem a ‘devida’ licença. E, enquanto era inquirido pelos policiais, técnicos da ANATEL operavam com visível satisfação o roubo[2] dos equipamentos e danificavam cabos e conexões dos demais componentes eletrônicos.
Rádio Comunitária não é crime! Crime é a violação do direito humano fundamental à comunicação, exercido livremente através das Rádios Comunitárias. Crime de alto potencial lesivo é praticado pelo Estado (detentor do monopólio da violência) ao descumprir acordos internacionais sobre direitos humanos. Crime é o lobby institucionalizado no Ministério das Comunicações para obtenção da outorga, onde fica claro que a existência de um “padrinho político” é fator determinante para a aprovação do pedido de licença e para garantia de velocidade de tramitação.
Atuação criminosa (principalmente a prevaricação) fica por parte da ANATEL. Pois, segundo o próprio Relatório da Ouvidoria da Anatel, assinado por Aristóteles dos Santos, em dezembro de 2007, fica comprovado que a agência descumpre sistematicamente suas atribuições estabelecidas no Art. 45 da Lei Geral de Telecomunicações - a citar: A Anatel ainda não cumpriu ou não fez cumprir integralmente os propósitos que justificaram a sua criação, que seriam o de incentivar a constituição de mercados competitivos, viabilizar a universalização da telefonia fixa e assegurar efetividade ao setor. Não instituiu equilíbrio isonômico do órgão regulador diante dos interesses do Capital, do Estado e do Cidadão/ Consumidor. Não adotou as medidas concretas visando à desagregação de redes - básica para a competição. Omite-se diante da inexistente de competição na telefonia local, onde é flagrante a distorção do modelo tarifário da telefonia fixa, repercutindo em tarifas excessivamente altas, particularmente na assinatura básica. Mesmo não sendo uma obrigação explícita da Anatel, não foram adotadas as medidas efetivas, nem desenvolvidos os estudos consistentes para subsidiar as ações visando à universalização de acesso à internet banda larga com preços e velocidades compatíveis. Ou seja, a ANATEL serve unicamente para defesa do poder econômico do mercado de telecomunicações.
A Operação de assalto à mão armada da Polícia Federal (que embora tenha dissolvido o Grupo de Repressão às Rádios Clandestinas – GRAC, continua a reprimir criminosamente os movimentos sociais) e da ANATEL, na Resistência FM, foi completamente ilegal. Pois, não houve qualquer oportunidade de ampla e prévia defesa, e nem sequer havia um “Mandado de Busca e Apreensão” para ser apresentado no momento. Em fim, houve por parte da ANATEL e PF invasão de propriedade, roubo e, finalmente, seqüestro!
Sim, pois de lá fui seqüestrado e levado até a Superintendência da Polícia Federal encaminhar os procedimentos necessários para lavrar o TCO – Termo Circunstancial de Ocorrência, que me incrimina no Art. 70 do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, da Lei 4.117/72 – com redação alterada pelo Art. 3º do Decreto Lei nº236/67 — cuja pena máxima pode chegar a dois anos de reclusão, além de apreensão do equipamento. Desta forma, logo penso: Se “o termômetro que mede a democracia de um país é o mesmo que mede a participação dos cidadãos na comunicação” como dizia o sociólogo Herbert de Souza, estaríamos vivemos num estado de exceção não declarado? Com a palavra, o Presidente da República!
E tudo isso pra quê? Para manter o poder político e econômico dos Coronéis das telecomunicações, definindo a cada operação a anatomia do crime de “lesa pátria”. Ora, trata-se de um fenômeno tipicamente nacional chamado, no qual quem controla as concessões, promove a si mesmo e seus aliados, ao passo que adultera a expressão dos seus adversários políticos como fator importante na construção da opinião pública, tão disputada na esfera estadual e federal. No “coronelismo eletrônico”, exercido por concessionários-proprietários que controlam a radiodifusão comercial, a moeda de troca continua sendo o voto, como no velho coronelismo. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da informação, ou seja, na capacidade de influir na formação da opinião pública. Neste caso, outorga e a renovação das concessões do serviço é a contra partida da União.
Em quase 10 anos da Lei 9.612, apenas uma entidade (a rádio comercial de baixa potência - Belém FM) recebeu licença. Enquanto, por outro lado, já perdemos a conta de quantas vezes recebemos a truculenta visita da caravana da mordaça. Apesar de socialmente aceitas por sua função social legítima, nenhuma rádio de caráter verdadeiro comunitário recebeu a devida assistência do Estado, permanecendo assim aos olhos contraditórios do mesmo Estado como emissoras ilegais (ou como preferirem: não-legalizadas).
Neste caso, torna-se absolutamente legítima a posição dos movimentos pela democratização da comunicação ao exigirem a imediata revisão da Lei 9.612 - com a participação das entidades civis, do contrário que ela seja “Letra Morta” até que sejam determinadas todas as garantias ao pleno exercício da rádio-atividade. A Lei 9.612/98 restringe liberdades individuais e limita o poder de ação da sociedade. Pois, impõe severas limitações técnicas como: a redução da potência das Rádios Comunitárias a 25 watts não permitindo que sua abrangência ultrapasse o limite máximo de 1Km. A antena (sistema irradiante) não pode ultrapassar o limite de 30m. Concede apenas 1 Canal único e específico para todas as rádios comunitárias com licença para operar apenas 3 anos. Portanto, até que sejam garantidas as mudanças na lei para adequá-la a Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao Pacto de São José da Costa Rica, nenhuma Rádio Comunitária deveria ser obrigada a disputar as Concessões do Serviço da Radiodifusão pelo Ministério das Comunicações. Por outro lado, ocupar freqüências no espectro FM, continuará a ser a tática mais adequada para democratizar a comunicação. Além do mais, o “campo-eletromagnético” é uma propriedade pública e é um dever de cada agente de comunicação popular denunciar a outorga (Concessão de Serviço) como um dispositivo usado pelo Poder Público para ser um instrumento de barganha política para seus apadrinhados a título de troca de “favores”, ao mesmo tempo, que funciona como um sistema de controle de emissões pelo poder do Estado, enquanto, a população fica excluída do patrimônio público e refém dos proprietários-concessionários.
Segundo entendimento de uma decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais, em São Paulo. Os juízes decidiram que a operação da Rádio Comunitária Dimensão e da Rádio Heliópolis, “embora possa ser considerado ilícito administrativo, não configura crime”. O Ministério Público Federal (MPF) acusava pela Rádio Dimensão, Daniel Almeida dos Santos Melo, e pela Rádio Heliópolis, João Miranda, de infringir o Código de Telecomunicação, que considera crime a operação sem autorização do Estado. No entanto, os juízes entenderam que as rádios não se enquadram na lei. Isso porque, em 1995, a Emenda Constitucional nº8 separou a radiodifusão da telefonia. Penso que isto pode ser um caminho.
Fazendo uma variação do mesmo tema... Já não podemos dizer a serviço de quem está o Presidente Lulla - é tão generoso com os grandes concessionários, mas, ao tratar da comunicação popular torna-se tão obscuro. Em quase 3 anos de governo nunca se ouviu de sua boca a palavra “rádio” complementada pela palavra “comunitária”. Sua política para área é vacilante e ao mesmo tempo em que finge incentivar (em projetos como Pontos de Cultura etc) reprime com vigor e com mais eficiência do que nos tempos de censura a imprensa. A perseguição as Rádios Comunitárias é a continuidade de uma linha política histórica e “a omissão do Governo Lula diante do que está acontecendo às rádios comunitárias significa uma opção que a história não esquecerá”!
Desburocratização e transparência na tramitação dos processos!
Participação da sociedade organizada na avaliação dos processos pelo Executivo!
Reavaliação das outorgas concedidas às emissoras relacionadas a partidos e políticos
Implantação do Manual de "Procedimentos para Análise de Processos de Radiodifusão Comunitária" com a introdução de critérios, objetivos e prazos.
Distribuição eqüitativa de freqüência dentro do dial!
Apoio ao projeto de Lei que regulamenta a radiodifusão a nível municipal!
Apoio para realização de cursos e eventos, para promover e estimular a mídia comunitária!
Pelo fim imediato da repressão às emissoras comunitárias!
Revisão dos Processos arquivados pelo Ministério das Comunicações
Anistia aos punidos por operarem "rádio sem licença" e extinção dos inquéritos e processos!
Devolução imediata de todos os equipamentos apreendidos!
Angelo Madson,
Belém do Grão Pará, 31 de janeiro de 2008.
[1] A Liberdade de Expressão e Comunicação é garantida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, aprovada pela ONU (Art.19º); pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada em Bogotá em 1948 (art. 4º); pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966; pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, adotado em 1969... Acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
[2] Pelas leis 9.472/97 (art. 173) e 9.612/98 (art. 21): “não contemplam a sanção de apreensão ou lacramento de equipamentos de rádio não autorizada. Para a aplicação das penalidades ali elencadas, assegurou-se previamente; a ampla defesa, garantida pela Cláusula milenar do Devido Processo Legal”. Ou seja, nenhuma sanção pode ser aplicada sem a oportunidade de ampla e prévia defesa! Ou seja, se não houve flagrante, tampouco um devido “Mandado de Busca e Apreensão” – fomos vítimas de um roubo federal!
PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
fevereiro 01, 2008
Pelo fim da repressão às rádios comunitárias
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