PICICA: Veja os vídeos e leia a mensagem postada na internet pelo médico psiquiatra Edmar Oliveira, autor do livro "Ouvindo Vozes", sobre a resposta do presidente da ABP a um artigo de sua autoria publicado no Correio Brasiliense (aqui reproduzido em postagens anteriores) sobre o imbróglio criado pelo governo federal com a adoção da medida de internação compulsória para usuário de drogas, em especial o crack, cujo uso abusivo vem sendo tratado como uma epidemia, quando ele é sintoma do uso indevido das falhas das políticas públicas, sobretudo a precarização do setor, através do mascaramento dos interesses aí embutidos. Não há nada de virtuoso, nem na ação do governo, nem dos que não-querem-saber, nem deixar-saber, a quem interessa a concentração de poder de polícia e juiz para a figura do médico. Essa "cadeia produtiva" precisa ser desmontada.
"O digníssimo Sr. Presidente da ABP respondeu o meu artigo no Correio Brasiliense e rasga a fantasia. Quer internação compulsória para o transtorno mental e o poder de polícia e juiz para o médico.
Hay la fijación del marco del derecho de las autoridades en la historia del controle de la locura: primero el Sacerdote, después el Monarca, después el legislador, después el juez y, al final, el médico que asume todos las figuras de las autoridades de antes. El médico, “desde los valores de la moral y de la razón, diferencia y sanciona la normalidad y la locura; desde lo absoluto de su autoridad, decide sobre el destino del loco, el internamiento, y la obligación para el loco de someterse al tratamiento que se le indica en el sistema de castigos correccionales dirigidos enderezar su conducta” (GALIENDE y KRAUT, 2006,El sufrimiento mental: el poder, la ley y los derechos. Buenos Aires: Lugar Editorial) Citado por Eduardo Borges, Promotor Público piauiense, na sua tese de mestrado defendida em Barcelona:EL TRATAMIENTO IMPUESTO EN SALUD MENTAL: UN ESTUDIO DE CASO .
Antônio Geraldo propõe esse poder para fora do manicômio. E ele sabe o risco que tem para a liberdade. Propõe sacrificá-la. Acompanhem o artigo:" (Edmar Oliveira)
Correio Braziliense
06/03/12
Internação compulsória e direito à vida
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
No quinto artigo, a Constituição Federal traz o direito à vida e à liberdade como garantias invioláveis do povo brasileiro. Por vezes, dois direitos tão fundamentais são confrontados. E aí surge a dúvida: entre a liberdade e a vida, com qual você fica? A capciosa dúvida, claro, não precisa ser levada ao extremo, mas o fato é que, sem vida, não há como reivindicar liberdade.
Ou seja, a liberdade possui limites. O que não tem limites e é inquestionável é o direito à vida. Nem que, para exercer esse direito em plenitude, o cidadão precise abrir mão da liberdade por algum período. O direito à vida deve ser compreendido ainda de acordo com uma visão global, incluindo na interpretação outros valores, entre os quais se destaca a dignidade humana, presente na curta relação de fundamentos da democracia brasileira.
E exatamente apoiada nos fundamentos da democracia, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado está analisando o PLS 111/10, de autoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que altera o artigo 28, da Lei 11.343, a chamada Lei de Drogas, para estabelecer pena de detenção de seis meses a um ano para o usuário de drogas, bem como a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por tratamento especializado.
Parlamentares já introduziram alterações ao texto original. Uma delas é a troca da prisão pela "internação compulsória". Para a senadora Ana Amélia (PP-RS), relatora do PLS, a dependência química é questão de saúde e não de segurança já que 98% dos municípios brasileiros relatam problemas decorrentes do uso de álcool e drogas.
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) cerra fileiras com a senadora e com os parlamentares que têm o mesmo posicionamento. Para a ABP, o dependente químico não é criminoso que precise de cadeia, é doente que necessita de atenção e atendimento especializado porque já está sentenciado à prisão sem grades determinada pelo uso das drogas.
Para o dependente químico e sua família, a internação compulsória, muitas vezes, se torna a única garantia de vida ou qualidade de vida. A ABP deixa claro, no entanto, que a internação compulsória deve ser acompanhada e indicada por psiquiatra.
Os críticos à medida argumentam que a internação compulsória expõe o caráter repressivo do recolhimento, afinal, a aversão a qualquer período de internação psiquiátrica é forte ainda nos dias atuais e baseia-se, principalmente, na legislação do direito à liberdade.
Acontece que a ação humana não é absolutamente livre, já diziam os filósofos. Todo agir está condicionado a escolhas e só está em condições de fazer escolhas e agir com liberdade quem melhor compreende as alternativas que lhe são oferecidas.
Sim, o direito à liberdade é muito importante, mas não é possível ser livre se se está preso a doenças mentais ou dependência química que, em última instância, levam o cidadão a ter comportamentos obsessivos, repetitivos, compulsivos, impulsivos, disfuncionais, autolesivos, suicidas de tal modo avassalador que ele perde a capacidade de amar e de trabalhar. Está preso a um automatismo mental que ele próprio reconhece ser tirânico e do qual não consegue se libertar.
Como afirma o filósofo-psiquiatra Henri Ey, o indivíduo perde a liberdade de decidir o que é bom e mau para si mesmo, perde até a liberdade de "pecar" por conta própria, dado o determinismo biológico e psíquico doentio a que está submetido. Espero nunca ser necessário fazer uma escolha que coloque em oposição o direito à vida e o direito à liberdade, mas se, para ter vida em plenitude, precisar abdicar de algum período de liberdade em local adequado, que assim seja.
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