março 24, 2012

"A Saúde e a Farsa da Prioridade " (Cebes), ou O SUS que não queremos (segundo a leitura do PICICA)

A Saúde e a Farsa da Prioridade 

PICICA: "A financeirização e mercadorização do setor banalizam a vida, a saúde e desqualifica a atenção e o cuidado. Por outro lado, não há registro de crescimento dos movimentos sociais que demandam por direitos sociais. Os governantes estimulam o povo à busca dos serviços privados, dando o próprio exemplo quando recorrem aos grandes hospitais do mercado para tratamento de seus problemas de saúde."

A Saúde e a Farsa da Prioridade
A luta do movimento sanitário pelo direito universal à saúde recebeu duros golpes nos últimos meses. Primeiro, o esforço realizado para que a União aumentasse seu aporte para 10% da Receita Bruta, foi derrotado no Congresso, mediante forte pressão do governo federal. O texto da regulamentação da EC 29 que foi aprovado tem o mérito do disciplinamento dos gastos nas ações de saúde, mas  também  decepcionou  ao consagrar o problema da concentração de responsabilidades nos Estados e municípios sem o correspondente apoio financeiro federal. Confira artigo de Ana Costa, presidente do Cebes. 

O cenário politico é complexo e toda a mobilização setorial mostrou-se frágil na reversão desta Politica Governamental. A 14 Conferência Nacional de Saúde,  que mobilizou  centenas de milhares de usuários, trabalhadores  e gestores do SUS, foi  ignorada em suas recomendações  sobre o financiamento setorial.

Em seguida,  veio o corte no Orçamento da União de R$55 bilhões e a pasta que teve maior redução foi a saúde, totalizando R$5,4 bilhões, que agora serão destinados ao pagamento da dívida pública. O SUS perde muito, especialmente porque os recursos que tinha antes do corte já eram insuficientes para um sistema de saúde para 200 milhões de habitantes. Passa agora de R$ 77,5 bilhões de reais aprovados pelo Congresso Nacional para apenas R$ 72,1 bilhões designados pelo Governo.

É preciso reiterar que este corte, corta também a expectativa de prioridade para a saúde prometida no discurso do Governo e no anseio da população. Entretanto, esta iniciativa  agrada os credores, satisfeitos com o elevado superávit primário que garante as reais prioridades politicas para saciar o mercado financeiro. O quantitativo  definido para o pagamento da dívida mobiliza um valor acima dos gastos previstos pela União com Educação e Saúde.

Nessa perspectiva, urge a retomada do debate sobre a dimensão do compromisso da União com o SUS. A dotação orçamentária  é diretamente proporcional ao grau de prioridade de uma política pública. O SUS tem recebido muito pouco do Governo, sob qualquer parâmetro comparativo que seja usado. A universalidade com qualidade definida pela Constituição Federal é uma hipocrisia mediante o parco financiamento agravado pelo crescimento do fluxo de recursos públicos pra o setor privado, sob todas as formas e modalidades, incluindo as isenções fiscais das contribuições da classe média e a concessão de seguro privado para os funcionários públicos.

Para a efetivação do direito universal à saúde é preciso reconhecer a situação cada dia mais dramática do SUS. Outra vez reaparecem tentativas de maquiar a falta de recursos com a falaciosa argumentação da precariedade da gestão. Como resposta, ganha fôlego a incorporação no setor publico dos mecanismos provenientes do gerencialismo e da “governança” muito mais próximos dos interesses e lógicas do setor privado.

Quem atua na linha de frente do SUS, bem como a população que cotidianamente sofre suas agruras nas dificuldades do acesso aos serviços, sabe que não é bem assim. O governo  precisa ser informado de  que nenhuma investida tecnológica na gestão do sistema compensará o impacto negativo desse corte  orçamentário. 
A tentativa de mensuração do desempenho do SUS vem sendo adotada pelo Ministério da Saúde, apresentado por meio de um preocupante ranking entre os municípios. Ao mesmo tempo os estados e municípios assistem à contratação de centenas de consultores para atuarem no âmbito dos seus territórios para implantarem politicas definidas pelo Ministério da Saúde, reinstalando a centralização cujos efeitos são sabidamente perversos.
   
O Brasil tem sido alvo de um projeto de desenvolvimento focado no capital financeiro, no mercado e na sociedade para o consumo. Os direitos sociais nesse contexto são secundarizados. A sucessão  de crises do capital financeiro internacional empurra o país que não hesita ao sacrifício das políticas e dos direitos sociais.

As políticas de redistribuição de rendas, cujos resultados são inegáveis na melhoria das condições de vida de grupos populacionais menos favorecidos, têm entre seus objetivos, também,  realimentar e ampliar o consumo, inclusive por saúde. Enquanto o país recua na consolidação do SUS universal, de qualidade,  prolifera o mercado de planos de saúde de baixo custo e baixa qualidade voltados a substituição da responsabilidade pública na garantia do direito à saúde.

A financeirização e mercadorização do setor banalizam a vida, a saúde e desqualifica  a atenção e o cuidado. Por outro lado, não há registro de crescimento dos movimentos sociais que demandam por direitos sociais. Os governantes estimulam o povo à busca dos serviços privados, dando o próprio exemplo quando recorrem aos grandes hospitais do mercado para tratamento de seus problemas de saúde.

Dezenas de parlamentares receberam apoio financeiro do mercado privado da saúde para se elegerem. A correlação das forças políticas na sociedade não é favorável ao desenvolvimento pautado na justiça e nos direitos sociais, imprescindível para reverter a situação atual do SUS, um sistema de saúde de baixa qualidade, destinado aos mais pobres ou seja,  aos que não podem pagar os planos privados de saúde.

O projeto societário que fomentou a Constituição Brasileira baseado na democracia e na solidariedade como base para os Direitos Sociais, naufraga nesse contexto perverso e já apresenta sequelas de difícil reversão.  A população trabalhadora  já não deposita nenhuma expectativa sobre o SUS e negocia nos seus dissídios por planos privados de saúde. Instituiu-se o salve-se quem puder. O tecido social se rompe e acirram as desigualdades e a injustiça social.

O Cebes, como entidade integrante do Movimento Sanitário, manifesta grande preocupação. A Política, resgatada como pratica de preservação e defesa dos interesses públicos, coletivos, talvez seja o caminho possível para mudanças de rumos. Para isso é preciso reforçar a consciência critica e a mobilização da sociedade para o deslocamento da correlação atual das forças políticas .

As iniciativas de mobilização e luta por mais recursos para a saúde e para consolidar o SUS como sistema de atenção e cuidado universal, com qualidade e integralidade, de acordo aos interesses públicos, contam com o apoio e o compromisso do CEBES. Sob estas bandeiras, o CEBES participa do Conselho Nacional de Saúde e também apoia a Campanha da Fraternidade promovida pela Confederação dos Bispos do Brasil -  CNBB. Tudo isso para acabar com a farsa da prioridade para a saúde.
Fonte: Cebes

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