PICICA: "Na
perspectiva das lutas ameríndias, autor propõe deglutir clássica
síntese dialética marxista para superar conceitos fixos, na
contra-corrente do eurocentrismo"
Marx Selvagem, de Jean Tible: descolonização e antropofagia
Na
perspectiva das lutas ameríndias, autor propõe deglutir clássica
síntese dialética marxista para superar conceitos fixos, na
contra-corrente do eurocentrismo
Por Marília Arantes | Imagem: Henri Rousseau, Paisagem Exótica
A feira virtual de livros Annablume, aberta em Outras Palavras em 12 maio, tem boas atrações. Entre elas, o delicioso livro Marx Selvagem, de Jean Tible, que está à venda com descontos de até 60%, para membros do programa Outros Quinhentos.
Na obra de Tible, versão editorial de sua
tese de doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp, em 2012, o autor coloca o pensamento revolucionário
de Marx para além da Europa Ocidental e das correntes marxistas que, com
o tempo, impregnadas pela fumaça das sociedades pós-industriais,
passaram a transitar com menor flexibilidade entre as ciências humanas.
Ao liberar a teoria social de Marx de um
estigma economicista, ela se reaproxima da antropologia. Neste sentido,
Tible retoma diálogos com a sociologia de forma inovadora, considerando
outros sujeitos em Marx – que não somente europeus, nem operários
industriais urbanos. Segundo coloca o autor, foram cruciais suas
observações às organizações sociais mais horizontais, como por exemplo, a
comuna russa, às quais o revolucionário analisou relações de poder
ditas primitivas que levaram à constituição dos preceitos de O Capital.
Da mesma forma, o antropólogo revela a
importância do flerte entre pensadores essenciais ao marxismo e as
observações mais antropológicas de sociedades comunais. Por exemplo,
Rosa Luxemburgo, muito as utilizou como referencial para o ensino de
operários alemães.
No diálogo proposto entre o pensamento
político de Marx e do antropólogo Pierre Clastres – crítico do
evolucionismo, determinismo e do mito rousseauniano do “Bom selvagem” –
Tible reverencia autores-chaves como Engels, seus embates com Hegel,
Bakunin, além de colocar críticas consideráveis de Claude Levi Strauss e
José Carlos Mariatégui , autor peruano precursor de um marxismo
indigenista.
Curiosamente, aponta-se em Marx Selvagem que
Mariatégui fez a leitura das lutas indígenas em sua terra natal afetado
por uma temporada na Europa, embora nunca tenha visitado tais
comunidades originalmente incaicas que revolucionaram o pensamento
marxista incluindo-as e expandindo a noção do Outro, à visão tradicional
de luta de classes.
O livro também questiona a descolonização, em
questões levantadas pela teoria pós-colonial, sobretudo o embate à
inflexibilidade marxista apontada pelo crítico literário Edward Said,
nos desfechos da colonização.
Tible traz uma multiplicidade de leituras de
vanguarda sobre Marx, como do filósofo Jaques Derrida relacionando a
magia e o fantástico – questões recorrentes ao universo da antropologia
-, para o fetiche da mercadoria das
sociedades pós-industriais. Ainda, o autor dialoga com ideias de Walter
Benjamin, Jean Paul Sartre, Gilles Deleuze, entre outros grandes.
Às lutas Yanomami, refletem-se às iniciativas
pela demarcação de terras por Davi Kopenawa, como também Tible
remete-se à crítica sobre a aplicabilidade da teoria de Marx pelo
antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, principalmente
implícita pela oposição entre produção e predação da teoria marxista. No
conceito perspectivista que Viveiros de Castro elabora o
contra-o-Estado, prolongando Pierre Clastres, em relação ao xamanismo ou
canibalismo, ele aponta; “No contexto amazônico, ― é impossível não ser
canibal”.
Ou seja, nem tudo o que é humano é questão de
materialismo. Mas, sem dúvida, existência remete à sobrevivência.
Inspirado por Oswald de Andrade, Jean Tible propõe a “Deglutição de
Marx”, em um “Encontro de manifestos, de 1848 e de 1928. O Comunista e o
Antropófago.” [Acompanhe o Especial OSWALD60,
no Outras Palavras]. O autor propõe a união do pensamento marxista à
América Indígena em um “Diálogo entre mundos. Marx e a descolonização.
Descolonização de Marx.” Afinal, só a Antropofagia nos une.
Fonte: Outros Quinhentos
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