PICICA: "Sem alarde, um símbolo do capitalismo e da privatização do espaço urbano declina — nos EUA, onde apareceu, e também no Brasil"
A silenciosa decadência dos shopping-centers
Sem alarde, um símbolo do capitalismo e da privatização do espaço urbano declina — nos EUA, onde apareceu, e também no Brasil
Por Roberto Amado, no DCM
Um dos maiores
ícones do capitalismo está em decadência. A época do apogeu dos shopping
centers já passou e há sinais eloquentes de que esse modelo de negócio
está acabando — assim como o consumismo excessivo.
Nos Estados
Unidos, onde eles foram inventados, cerca de 15% no shoppings vão falir
ou serão transformados em outros espaços comerciais nos próximos dez
anos, segundo a Green Street Advisors, empresa americana ligada a
empreendimentos comerciais. Outra empresa do ramo, a CoStar Group,
calcula que, em média, 35% dos espaços das lojas dos shoppings
americanos estão ociosos.
Essa situação inspirou um trabalho fotográfico do artista Seph Lawless sobre os shoppings abandonados nos EUA (sephlawless.com/black-friday- 2014)
e algumas reflexões bombásticas. “Dentro de 15 anos, os shoppings
americanos estarão completamente anacrônicos, uma aberração que durou
sessenta anos mas que deixou de atender às necessidades do públicos e
das comunidades”, disse Rick Caruso durante a convenção anual da
Federação Nacional de Varejistas dos EUA— ele é o dono da Caruso
Affiliated uma das maiores empresas a operar negócios imobiliárias no
setor de varejo.
É verdade que o
boom dos shoppings ainda se manifesta em países como a China e a Índia. E
até mesmo no Brasil há crescimento: segundo a Associação Brasileira de
Shopping Centers (Abrasce), existem 500 shoppings no País e, até o fim
do ano, serão 530. Mas não há otimismo no setor. Segundo o informativo
setorial de shopping centers do Ibope Inteligência, “a taxa média de
vacância nos 36 shoppings inaugurados no ano passado foi de 50%, ou
seja, de cada duas lojas uma estava fechada por falta de locatário.
O cenário é ainda
mais assustador entre os shoppings inaugurados no segundo semestre. A
taxa média de ocupação em 21 shoppings inaugurados a partir de setembro
foi de apenas 38%; alguns shoppings inaugurados no último trimestre do
ano tiveram taxas de ocupação inferiores a 20%”.
Esse início de
crise tem inspirado reflexões sobre o modelo de negócio até de quem
depende dele — como, por exemplo, a cadeia de lojas Gap, dos Estados
Unidos. “Nós já estamos assumindo a decadência dos shoppings. É um
modelo de negócio que funcionou durante um curto espaço de tempo”, disse
Glenn Murphy, o CEO da Gap, em recente entrevista, referindo-se aos
aspectos negativos dos shoppings — estacionamentos lotados, preços e
custos elevados, ambiente fechado e concentração de pessoas em áreas
reduzidas.
Murphy alerta para
uma tendência irreversível: o aumento significativo das compras online.
No último trimestre o ano passado, atingiu 6% do total gasto em varejo,
praticamente dobrando em relação ao mesmo período de 2006.
Mas essa é apenas a
superfície da questão. A verdade é que, desde a crise financeira de
2008, o varejo nos Estados Unidos tem perdido força progressivamente, ao
mesmo tempo em que começam a surgir movimentos, reflexões e pensadores
que combatem o consumismo excessivo que tem caracterizado a última
década. “O modelo consumista atingiu seu limite e se tornou uma
atividade preocupada apenas com resultados imediatos, produzindo um
estupidez sistemática que impede uma visão em longo prazo”, diz o
filósofo francês Bernard Stiegler, autor do livro “Uma Nova Crítica à
Política Econômica”.
Esse discurso tem
sido sustentado por algumas facções e grupos dedicados à questão do
aquecimento global, referindo-se aos recursos naturais finitos e a
necessidade de transformação da sociedade de consumo. Ou como diz Amitai
Etzioni, professor de política internacional da Universidade George
Washington: “O consumo excessivo, que nos leva a comprar casas maiores,
carros mais caros, roupas mais transadas e tecnologias mais fascinantes
prometem felicidade, mas nunca entregam. Apenas provocam o desejo de
mais, sempre mais. E aos poucos começa a roubar sua vida e consumir
nossos recursos limitados”.
Fonte: OUTRAS MÍDIAS
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