PICICA: "No dia 2 de maio, morreu D. Tomás Balduino, um dos grandes baluartes da luta dos povos indígenas, da transformação da política indigenista da Igreja a partir da criação do CIMI em 1972 e da luta dos pequenos agricultores pela terra como um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra-CPT, em 1975. Sempre me senti feliz por ter tido a oportunidade de poder compartilhar, lado a lado com Dom Tomás, revezes, esperanças e vitórias da luta indígena, desde o dia da criação do CIMI e em todo o período em que fui Secretario Executivo da entidade – 1973-1980. Lembranças de dezenas de encontros, cursos e assembleias com missionári@s e índi@s de norte a sul do país."
Foto: CPT
Dom Tomás Balduino
No dia 2 de maio, morreu D. Tomás
Balduino, um dos grandes baluartes da luta dos povos indígenas, da
transformação da política indigenista da Igreja a partir da criação do CIMI em
1972 e da luta dos pequenos agricultores pela terra como um dos fundadores da
Comissão Pastoral da Terra-CPT, em 1975.
Sempre me senti feliz por ter
tido a oportunidade de poder compartilhar, lado a lado com Dom Tomás, revezes,
esperanças e vitórias da luta indígena, desde o dia da criação do CIMI e em
todo o período em que fui Secretario Executivo da entidade – 1973-1980. Lembranças de dezenas de encontros, cursos e assembleias
com missionári@s e índi@s de norte a sul do país.
Guardo a memoria de inúmeros e inesquecíveis
enfrentamentos e represálias da Ditadura Militar:
Em 1974, Palmas/Paraná, cercados pela
Polícia Federal, D.Tomás com altivez, junto com D. Agostinho, enfrentaram os
policiais na portaria, discutindo e retendo-os enquanto nos fundos queimávamos
relatórios e vestígios do Encontro de Pastoral Indígena, no qual foi fundado o
CIMI-Sul em 1974.
No dia 16 de julho de 1976 D.Tomás e
eu voamos em seu aviãozinho para o velório do P.Rodolfo Lunkenbein, jovem
missionário alemão, do qual me despedi no dia anterior no mesmo local onde três
horas após caiu morto junto com o índio Simão Bororo. Foram os primeiros mártires
da nova atitude evangelizadora da Igreja, ou seja, evangelizar como boa notícia
contraposta às aflições que os povos indígenas sofriam com a perda da terra, da
cultura e da autodeterminação. Simão Bororo e Rodolfo caíram juntos pela mesma
causa, martirizados por fazendeiros invasores da Terra Bororo.
Rio Cururu, Alto Tapajoz, maio/1975,
2ª. Assembleia Indígena, uma assembleia que reuniu mais 800 índios. Foi durante
esta assembleia indígena, em reunião à parte, da qual participaram: D.Tomás,
D.Pedro, Pe. Antônio Iasi, sj., Pe. Thomaz Lisboa, sj., Ivo Poletto, Ranulfo e
eu, que foi gestada a Comissão Pastoral da Terra-CPT. Na ocasião foi marcada a
data de fundação da CPT, ou seja, na oportunidade da 1ª. Assembleia Nacional do
CIMI em Goiânia, dois meses depois.
Surumu, janeiro/1977, 1ª. Assembleia
dos índios de Raposa Serra do Sol. Desta vez foram os índios intimados pela
FUNAI e Polícia Federal a afastarem, D.Tomás e a mim da Assembleia. Mas os
índios responderam com dignidade: “Ninguém vai afastar da assembleia nossos
convidados!” E a Assembleia foi fechada. Mas naquela noite, antes de se
despedirem, os índios iniciaram uma organização, cuja luta culminou 32 anos depois
na Festa de Homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Solidariedade aos povos indígenas dos
Guarani e Kaingang do Sul à Raposa Serra do Sol dos Makuxi, Taurepang, Wapixana
e Ingarikó de Roraima. Dos Rikbaksa do Juruena aos Munduruku do Alto Tapajoz.
Dos Bororo e Xavante aos Fulniô e Xukuru do Nordeste. Dos Tapirapé aos Terena e
Kaiowá-Gaurani, por toda a parte estava D.Tomás, naqueles difíceis anos 70,
junto e presente, dando coragem, animando a persistência de índios,
missionárias e missionários, na luta pela terra, incentivando a retomada da
cultura desses povos e apoiando a sua autonomia. Sinto imensa satisfação por
ter podido ser companheiro desse destemido D. Tomás nos anos mais difíceis dos
povos indígenas brasileiros e ao mesmo tempo mais esperançosos desses 500 anos
de invasão europeia. O seu aviãozinho foi animando a mudança da pastoral
indígena da Igreja e semeando as assembleias indígenas que fizeram germinar a
organização dos povos indígenas brasileiros, a reconquista de muitos de seus
territórios e a retomada de sua cultura.
D. Tomás era uma pessoa sempre atenta
aos desejos e anseios das comunidades e dos mais pobres. Não avaliava os custos
e a importância pelos critérios da nossa sociedade. Assim, na 3ª. Assembleia
Indígena realizada na Aldeia Boqueirão dos índios Bororo em 1975, em uma troca
de experiências entre os índios Rikbaktsa do Rio Juruena e Tapirapé do rio
Araguaia, estes manifestaram o desejo de conhecerem e criarem a arara vermelha
inexistente em sua área no Araguaia. Os Rikbaktsa prometeram um casal. Mas quem
levaria esses bichinhos do Juruena ao Araguaia? Algumas semanas depois os Rikbaktsa
avisaram o CIMI que o casal de arara já estava na gaiola, faltava quem o
levasse ao destino Tapirapé. D. Tomás não teve dúvida. Convidou-me a
acompanha-lo, já que o Juruena era área que eu conhecia desde 1963. Saímos cedo
em seu aviãozinho da cidade de Goiás voando rumo Juruena. E no fim da tarde pousamos
na aldeia Tapirapé no Araguaia, com o casal de araras vermelhas, para a
curiosidade e alegria geral da comunidade Tapirapé.
Casa da Cultura do Urubuí, 10 de maio
de 2014.
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