PICICA: "Desde as
Jornadas de Junho, temos testemunhado um verdadeiro bombardeio de novas
análises. Todos concordam que nada mais é, e possivelmente não será,
como antes. Mas ninguém também consegue definir o novo. Agora, com a
proximidade das eleições gerais, um aspecto profundo dessas
incertezas vem à tona: é a primeira eleição presidencial na qual a
polaridade entre uma direita neoliberal -- primeiro, acidentemente
incorporada por Collor, depois capitaneada pelos tucanos -- e o Partido
dos Trabalhadores -- um complexo agenciamento
sindical-popular-socialista -- está abalada. Nenhuma das duas narrativas
estão gozam de confiança profunda, tampouco seus líderes e
representantes."
A Situação de Dilma: Navegando na Tempestade
A Nona Onda (Grie) |
Desde a redemocratização, foram 12 anos de governos neoliberais e quase o mesmo de governos petistas. Dilma Rousseff pleiteia a reeleição, lidera todas as pesquisas, mas está em xeque, questionada por vários setores, por diversos motivos. Nada indica, no entanto, um desejo de retorno ao neoliberalismo, embora isso possa acontecer por motivos acidentais exatamente como no fim dos anos 90, quando a polaridade parecia ser entre capitalismo de Estado fascista e alguma forma de social-democracia. Os anúncios da queda de popularidade de Dilma, verificados desde Novembro -- quando cessou um movimento de recuperação desde o impacto causado pelas jornadas --, sobretudo a última queda (nas pesquisas Datafolha e CNT), criam um paradoxo: hoje, Dilma ainda venceria no primeiro turno, mas seus próprios companheiros e aliados ensaiam um forte coro de "Volta Lula!"
O ano de
2014, pois, marca a primeira eleição na qual as "esquerdas" não estão
mais, pelo menos na sua larga maioria como antes, convictas de que o PT é
a saída. Intelectuais, artistas, militantes e quetais sempre estiveram
ali, se mobilizando ou desmobilizando de acordo com o norte dado pela
bússola do partido da estrela. Talvez o único momento em que isso não
aconteceu foi o primeiro turno de 1989, quando o trabalhismo de Brizola
disputou palmo a palmo com Lula e o petismo a posição de líder do campo
canhoto do espectro. E Lula venceu essa disputa, mesmo que tenha perdido
para a direita. Mas os rumos da esquerda brasileira foram definidas
ali. Ironicamente, Dilma, que foi um importante quadro brizolista entre
os anos 80 e 90 e, depois, foi peça chave do esquema lulista é quem está
no olho do furacão. Nem por isso, o PSOL ou qualquer outro partido de
esquerda tomou esse posto. Nem o PSB parece que esteja sequer disposto a
disputa-lo -- ao contrário da Rede de Marina Silva que, a rigor, ainda
não existe.
O que
desejam os brasileiros, afinal? Eles sabem bem, uma sociedade mais
justa, pacífica, humana, mas não sabem como realizar isso, como dar
forma institucional à essa imensa tarefa. E quando têm alguma ideia, se
deparam com uma desoladora falta de canais e espaços para construírem
saídas. Eles se ressentem, eles desejam mais e melhor, mas não encontram
bem o que querem, se perdem em um desejo difuso, uma flutuação de ânimo
considerável. Mas se o punitivismo penal é aparentemente palavra de
ordem, por outro lado, dificilmente os seus concordam com violência
contra os seus: dificilmente se verá alguém de classe média defendendo
punição à sonegadores de tributos, tampouco trabalhadores tolerando
violência policial, ou arbitrariedades judiciais, contra os seus -- algo
que não defendem, por exemplo, para a população que se põe para fora do
regime do Trabalho. Na verdade, falta senso comum, ou melhor, o senso de comum.
Entre os jovens, mobilização como nunca. E eles desconfiam dos partidos socialistas, embora não queiram a direita: a geração mais bem informada da história do Brasil, integrada à Internet e à sociedade global, defendem quase em uníssono a luta pelos direitos civis, pelas liberdades todas, mas não tem um norte tão definido quanto ao resto. A sociedade da informação, das redes sociais, do compartilhamento instantâneo, por um lado, ainda está longe da História. Algo, no entanto, de maneira precária, provisória e experimental tem se criado, esteja ou não à altura das demandas impostas. É claro, a História pode esquecer, mas não perdoa, o que não muda o fato de que há algo em criação e aplicação agora, em matéria de política. Entre esses ativistas dos fins dos tempos, as formas de anarquismo e autonomismo parecem mais divertidas: longe da disciplina socialista, sem aquele sentimento pesado de dever...
Entre os jovens, mobilização como nunca. E eles desconfiam dos partidos socialistas, embora não queiram a direita: a geração mais bem informada da história do Brasil, integrada à Internet e à sociedade global, defendem quase em uníssono a luta pelos direitos civis, pelas liberdades todas, mas não tem um norte tão definido quanto ao resto. A sociedade da informação, das redes sociais, do compartilhamento instantâneo, por um lado, ainda está longe da História. Algo, no entanto, de maneira precária, provisória e experimental tem se criado, esteja ou não à altura das demandas impostas. É claro, a História pode esquecer, mas não perdoa, o que não muda o fato de que há algo em criação e aplicação agora, em matéria de política. Entre esses ativistas dos fins dos tempos, as formas de anarquismo e autonomismo parecem mais divertidas: longe da disciplina socialista, sem aquele sentimento pesado de dever...
Intelectuais
e variados tipos de ativistas também se enveredam mais por aí, no
fundo, pegando textos dispersos, a esquerda ativa pode até não saber,
tampouco admitir, mas concorda cada vez com Bakunin e menos com Marx
quanto ao plano de ação. A distância geracional entre os jovens de 16 ou
18 anos com seus pares dez anos mais velhos é, no entanto, enorme: o homem de 2003,
por exemplo, é peça de museu. Em outras palavras, via de regra, os
estudiosos -- e entenda estudioso aqui como pensador "de Estado", aquele
chato que Deleuze e Guattari imaginavam como o cara que escreve em lei
transcendente o caos que ele organiza -- não têm boas explicações sobre o
que estamos passando porque, simplesmente, não há projeto de atuação
política suficientemente forte para se apoderar, ou reapoderar, da
disputa de forças posta, na forma como ela está posta.
Cá da parte
deste blog, a hipótese traçada parte da leitura da composição de classes
sociais. E o social é aquilo que está entre a confusão que se tornou o
econômico e o político no mundo moderno. O Brasil mudou, em parte pelas
mudanças globais -- e não me refiro à mudanças tecnológicas, mas no
próprio uso dessas novas tecnologias -- e pelas transformações internas.
A ascensão selvagem da classe sem nome
é o processo anômico de suspensão multitudinária de uma certa ordem
tradicional brasileira. Mas ela não é aquilo nem que o PT ou a esquerda
clássica desejavam ou esperavam. Tampouco é também o que o velho
tradicionalismo brasileiro, que tomou a forma da pós-moderníssima
social-democracia-neoliberal, quer.
As duas linhas mestras, parecem equívocos, ideologias que se tornaram credo até para quem as professa: a primeira, do governismo, de que tudo está bem e sempre esteve, mas que todo o abalo é fruto de uma larga conspiração parece cada vez mais maluca e disparatada, sobretudo quando se vê que os frutos do atual ciclo são renegados; a segunda, que une a direita neoliberal e a esquerda socialista, de que tudo sempre esteve mal, mas ninguém dava conta, não consegue explicar o porquê o atual estado de coisas, sobretudo quando se percebe que o caos reivindicativo não produz, nem na média, nem na moda, qualquer narrativa que se enquadre plenamente no discurso oficial seja do PSDB ou do PSOL.
As duas linhas mestras, parecem equívocos, ideologias que se tornaram credo até para quem as professa: a primeira, do governismo, de que tudo está bem e sempre esteve, mas que todo o abalo é fruto de uma larga conspiração parece cada vez mais maluca e disparatada, sobretudo quando se vê que os frutos do atual ciclo são renegados; a segunda, que une a direita neoliberal e a esquerda socialista, de que tudo sempre esteve mal, mas ninguém dava conta, não consegue explicar o porquê o atual estado de coisas, sobretudo quando se percebe que o caos reivindicativo não produz, nem na média, nem na moda, qualquer narrativa que se enquadre plenamente no discurso oficial seja do PSDB ou do PSOL.
A falta de
adaptação de esquerdas e direita ao processo se dá, dentre outras
coisas, porque uma força política qualquer, mesmo que perceba certas
mudanças, nem sempre possui a potência de atuar com elas -- e eu duvido que estejam sequer percebendo o que está em curso, mas suponhamos que não seja esse o caso. Foi Marx o primeiro pensador a formular uma crítica à essa leitura de mundo que mistura explicação e, por assim dizer, wishful thinking,
a vontade de que as coisas sejam como se quer que elas sejam, o que ele
chamou de "ideologia", mas ironicamente os próprios partidos
socialistas estiveram presos na armadilha ideológica: e isso explica
parte do fracasso do "socialismo real".
A direita,
pelo menos os setores de direita na fora do aparato político formal, na
mídia, é quem tem melhor se adaptado ao novo cenário: a política de
captura começa como política de cultural da grande mídia. E a
representação da classe sem nome se dá na forma da caricatura, o popular
vira populacho. Ironia das ironias, um dos programa responsáveis pela
sedução e captura da CsN, o Esquenta, da TV Globo teve um de seus
dançarinos morto em mais um ato de abuso policial das doces Unidades de
Polícia Pacificadora (UPP) - e a resposta foi um programa especial de
homenagem cheio de sentimentalismos e...absoluto vazio político. Nada de críticas, nada de denúncias, contrastando com a postura indignada e corajosa da mãe da vítima.
A representação da classe sem nome em caricatura é central para entender o novo Brasil -- e foi alvo de recente artigo de João Telésforo,
muito embora sempre vá frisar cá deste cantinho que é bom diferenciar a
captura da existência a ser capturada (e da forma como essa existência
re-existe nos sem número de levantes plebeus que acontecem agora mesmo
pelo Brasil, sobretudo nas favelas cariocas). Seja como for, o que
interessa é que essa representação se dá, grosso modo, em uma mídia de
Estado, estabelecida muitas vezes em concessões públicas -- nos casos da
televisão e do rádio -- e sempre
sustentada por dinheiro público por meio da publicidade estatal. Essa
mídia funciona como doutrinadora da sociedade e como filtro ideológico
dos governos.
Enquanto
existe uma crescente desconexão entre o PT e o Brasil que ele ajudou a
criar -- o que é "resolvido"com tentativas de domesticação e, até mesmo,
repressão militar contra essa magnífica multidão em ações elaboradas
pelo, ou com anuência, do executivo federal. A mídia clássica, enquanto
brada por um neoliberalismo, vive justamente do setor público e da porta
giratória entre este e o setor privado. Setores como o PSDB ou PSB,
embora não sejam, na matriz, conservadores, navagem à deriva de conexão
com a "sociedade civil" e quando o fazem, aproximam-se do mercado, ou
melhor do oligopólio capitalista que ocupa qualquer coisa que possa
chamada de mercado. Como do mesmo modo, a esquerda tem uma aliança
tática, fugaz, ocasional com a multidão, mas sua força reside em franjas
sindicais burocráticas.
Há, é verdade, a questão mal-resolvida da nossa transição democrática, que na falta de disposição real de varrer o "entulho autoritário", acabou por incorpora-lo -- como seu viu, já nos anos 80, no PMDB, o curioso e acidental sujeito político-partidário hegemônico da redemocratização. Não foi a Ditadura Militar que perdoou os torturadores, ele sequer reconheceu qualquer violência para poder perdoa-la, foi o STF da democracia, cuja quase unanimidade dos membros foi escolhida por governos eleitos diretamente e aprovada por um senado na mesma situação, que reconheceu a existência de violações e as anistiou usando-se da expressão vazia dos "crimes conexos". Não diríamos que houve, sequer, uma pacto político estável durante a estadia de Dilma no poder, como diria o mestre Idelber Avelar na sua série sobre o "enigma de Junho" -- na feliz reativação do Biscoito Fino e a Massa -- conforme avaliamos no post deste blog sobre um ano do governo Dilma.
A queda nas pesquisas é natural. A larga vantagem de Dilma é, obviamente, inflada, posto que em nenhuma ocasião das últimas três eleições, o PT, seja com Lula ou com Dilma, conseguiu mais do que 50% dos votos válidos -- calcule então nas atuais circunstâncias --, portanto, o pleito em disputa, apesar de toda histeria a cada movimento, é apertadíssimo e só deve ter uma solução no segundo turno. A vantagem é recall, a vantagem real certamente é menor do que isso, mas nenhuma pesquisa irá calcular isso para trabalhar com a ansiedade da direção petista face às quedas e, assim, negociar uma queda à direita por parte do segundo governo Dilma ou do terceiro governo Lula.
A genérica leitura de que "tudo depende da economia" pouco quer dizer. Para os não-proprietários sempre há crise econômica -- que pode ser maior ou menor --, para os proprietários raramente isso acontece, mas quando acontece, e só aí, é que se fala em crise. O fato é que a política social-democrata aqui, e em toda parte, fracassou na tentativa de distribuir renda sem modificar a forma de exercício da propriedade: até as pedrinhas da rua sabem, embora nem sempre admitam, que a inflação europeia dos anos 70 era a maneira como o capital tentava anular, na formação dos preços, os ganhos salariais conquistados pelos sindicatos. Não era nada fruto de qualquer mistério ou de alguma lei transcendente que foi violada. Mas a social-democracia, embora pudesse saber, não foi capaz de admitir ou agir em relação a isso. E compactuou, como compactua, com o desmonte do Estado de Bem-Estar Social. As cartas estão na mesa e a situação se tornou mais tensa do que, em uma situação habitual, já tornaria, com a interdição do debate nos últimos quatro anos -- e o que iria acontecer em alguns anos, precipitou. E agora cai uma tempestade.
Há, é verdade, a questão mal-resolvida da nossa transição democrática, que na falta de disposição real de varrer o "entulho autoritário", acabou por incorpora-lo -- como seu viu, já nos anos 80, no PMDB, o curioso e acidental sujeito político-partidário hegemônico da redemocratização. Não foi a Ditadura Militar que perdoou os torturadores, ele sequer reconheceu qualquer violência para poder perdoa-la, foi o STF da democracia, cuja quase unanimidade dos membros foi escolhida por governos eleitos diretamente e aprovada por um senado na mesma situação, que reconheceu a existência de violações e as anistiou usando-se da expressão vazia dos "crimes conexos". Não diríamos que houve, sequer, uma pacto político estável durante a estadia de Dilma no poder, como diria o mestre Idelber Avelar na sua série sobre o "enigma de Junho" -- na feliz reativação do Biscoito Fino e a Massa -- conforme avaliamos no post deste blog sobre um ano do governo Dilma.
A queda nas pesquisas é natural. A larga vantagem de Dilma é, obviamente, inflada, posto que em nenhuma ocasião das últimas três eleições, o PT, seja com Lula ou com Dilma, conseguiu mais do que 50% dos votos válidos -- calcule então nas atuais circunstâncias --, portanto, o pleito em disputa, apesar de toda histeria a cada movimento, é apertadíssimo e só deve ter uma solução no segundo turno. A vantagem é recall, a vantagem real certamente é menor do que isso, mas nenhuma pesquisa irá calcular isso para trabalhar com a ansiedade da direção petista face às quedas e, assim, negociar uma queda à direita por parte do segundo governo Dilma ou do terceiro governo Lula.
A genérica leitura de que "tudo depende da economia" pouco quer dizer. Para os não-proprietários sempre há crise econômica -- que pode ser maior ou menor --, para os proprietários raramente isso acontece, mas quando acontece, e só aí, é que se fala em crise. O fato é que a política social-democrata aqui, e em toda parte, fracassou na tentativa de distribuir renda sem modificar a forma de exercício da propriedade: até as pedrinhas da rua sabem, embora nem sempre admitam, que a inflação europeia dos anos 70 era a maneira como o capital tentava anular, na formação dos preços, os ganhos salariais conquistados pelos sindicatos. Não era nada fruto de qualquer mistério ou de alguma lei transcendente que foi violada. Mas a social-democracia, embora pudesse saber, não foi capaz de admitir ou agir em relação a isso. E compactuou, como compactua, com o desmonte do Estado de Bem-Estar Social. As cartas estão na mesa e a situação se tornou mais tensa do que, em uma situação habitual, já tornaria, com a interdição do debate nos últimos quatro anos -- e o que iria acontecer em alguns anos, precipitou. E agora cai uma tempestade.
Fonte: O Descurvo
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