PICICA: "Ativista socialista russo invoca “humanismo” emergencial, para
frear impulsos nacionalistas pró-Putin e pró-Kiev que chocaram, em
Odessa, o ovo da serpente da “disputa geopolítica”. Ilya participou da
Maidan em janeiro e tem escrito textos elucidativos sobre a revolução na
Ucrânia, apontando a indignação da multidão, as tentativas de
organização da direita no cenário da crise pós-soviética, em boa parte
devido à desastrosa atuação do Partido Comunista e da esquerda
institucionalizada nos sindicatos, que compunham o governo."
O detour nacionalista da revolução
10/05/2014
Por Ilya Budraitskis
Por Ilya Budraitskis, no Esquerda Aberta (Rússia) | Trad. UniNômade
Ativista socialista russo invoca “humanismo” emergencial, para frear impulsos nacionalistas pró-Putin e pró-Kiev que chocaram, em Odessa, o ovo da serpente da “disputa geopolítica”. Ilya participou da Maidan em janeiro e tem escrito textos elucidativos sobre a revolução na Ucrânia, apontando a indignação da multidão, as tentativas de organização da direita no cenário da crise pós-soviética, em boa parte devido à desastrosa atuação do Partido Comunista e da esquerda institucionalizada nos sindicatos, que compunham o governo.
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Desde os eventos trágicos em Odessa, nós ouvimos dezenas de versões sobre o que aconteceu. E todas essas versões foram, de uma forma ou de outra, ligadas à busca por uma “mão invisível” que teria enviado dois grupos de manifestantes a chocar-se entre si, até pressionar um deles no matadouro da Casa dos Sindicatos.
A maioria das versões — aquelas oficiais de Kiev e aquelas dos propagandistas russos — apontam para a polícia local que, de maneira organizada e consciente, não fez qualquer tentativa para evitar a escalada da violência.
Em regra, essas versões dos eventos oferecem um “cenário” explicativo que atua em favor de um ou de outro lado: a ex-premiê Yulia Timoshenko irá sabotar as eleições presidenciais de 25 de maio na Ucrânia, de modo a assegurar a sua própria vitória numa futura; o governo central de Kiev vai intimidar os “separatistas” e fixar neles a responsabilidade do banho de sangue; o governo russo vai encontrar ainda mais argumentos convincentes para desacreditar a “junta” de Kiev; o clã do ex-presidente Yanukovich vai pressionar a Rússia a uma intervenção aberta na Ucrânia.
De certa maneira, cada uma dessas versões nos parece convincente — aos povos russos e ucranianos — porque nós sabemos que nenhuma das forças mencionadas vai parar de cometer crimes para conseguir seus objetivos. Esta prontidão em fazer vítimas entre seus próprios cidadãos sempre foi uma condição necessária na “seleção natural” da elite pós-soviética. Nessa elite, não tem ninguém, mas ninguém mesmo, que não seja moralmente capaz de assassinatos em massa.
Mas qualquer que tenha sido a intenção inicial de quem quer que tenha organizado a tragédia de Odessa, existirá — ou, mais provavelmente, já existe — um outro resultado: a lógica da guerra civil foi colocada em movimento, e agora é praticamente impossível pará-la. Porque até o mês passado — com a expectativa de operações militares, ocupação de prédios, tomada de reféns, escaramuças locais em Donbass — várias pessoas ainda retinham uma tímida esperança de que todo o processo estaria sendo administrado de alguma maneira por alguém, e isto significava que esse processo poderia ser interrompido. O princípio básico dessas expectativas não era apenas a vontade de Putin, as potências ocidentais ou o governo de Kiev — mas o fato que a maioria dos ucranianos simplesmente não estava disposta a matar-se uns aos outros.
Mas precisamos lembrar da nem-tão-distante história dos anos 1990, daquele sentimento de passar dos limites: vizinhos amigáveis, “povo soviético”, quem por décadas tinha desaprendido como dividir os outros entre “amigos” e “inimigos”, subitamente, em poucos dias, perdeu qualquer característica humana para tornar-se uma besta absoluta, a possível existência do que nós conhecíamos apenas através de filmes patrióticos sobre a invasão fascista.
Foi assim que, depois que a questão do “idioma do estado” foi levantada, a guerra da Transnistria [NE. 1990-92, em março deste ano o premiê dessa república autônoma, hoje vinculada à Moldova, pediu a incorporação à Rússia] começou. Foi como servos e croatas atingiram o ponto de não retorno, naquele célebre jogo de futebol em Split [13/5/90, Dinamo x Estrela Vermelha]. Tudo isso é bem conhecido para não sabermos quem são os perdedores nessas guerras. A vingança pelas primeiras vítimas apenas produz novas — e fornece a matéria prima para novos atos justos de retaliação. Este é o resultado mais assustador dos eventos de Odessa, para ambos os lados, eles tornaram qualquer vingança, mesmo a mais brutal, justificada e inevitável.
Nas chamas da Casa dos Sindicatos, não era difícil ver as profundezas do barbarismo em que a Ucrânia pode facilmente afundar. Profundezas, a extensão do que aparentemente não pode ser plenamente compreendido por cada um dos bastardos que coreografou os confrontos no 2 de maio.
Há não muito tempo, a exigência de “permanecer humano” teria soado como um desejo completamente abstrato. Agora, depois do massacre de Odessa, se tornou num programa político.
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Fonte: Universidade Nômade Brasil
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