PICICA: "Greve nos transportes pode ser retomada na Copa, relembra
protestos de Junho e convoca: hora de romper promiscuidade entre poder
público e grupos econômicos"
Rio: bomba-relógio no transporte coletivo
Greve nos transportes pode ser retomada na Copa, relembra protestos de Junho e convoca: hora de romper promiscuidade entre poder público e grupos econômicos
Por Luã Braga de Oliveira
Na última quinta-feira, 8/5, o Rio de Janeiro acordou com a notícia de uma greve de trabalhadores rodoviários de grandes proporções. Entre as causas, estava a insatisfação da classe com seu sindicato – que fechara acordos com o poder público sem consulta prévia a assembléia – e a recente aprovação, sobre forte pressão do empresariado, do aumento da jornada de trabalho dos motoristas de ônibus pela Câmara dos Deputados.
Os trabalhadores em greve manifestaram sua insatisfação com a as condições a que são submetidos, declararam sua insatisfação com os atos do sindicato e ameaçaram, caso não sejam tomadas providências, uma grande greve durante a Copa do Mundo de 2014. Muitos foram aqueles que, ao terem seu dia-a-dia prejudicado, empenharam-se em criticar os trabalhadores grevistas. Contudo, seria ideal que este caso trouxesse novamente ao debate público a questão central por trás do sucateamento dos transportes públicos no Rio : o mafioso oligopólio privado que controla os serviços e suas relações simbióticas com o poder público.
A lógica perversa das relações público-privadas
A mobilidade urbana da cidade do Rio de Janeiro beira o caos. Uma greve justíssima de trabalhadores rodoviários consegue virar de ponta a cabeça a cidade, deixando ínumeras pessoas absolutamente imóveis. Trens e metrô são igualmente precários, não dão vazão da demanda sufocada dos ônibus e são obrigados a parar a circulação. Os donos de vans elevam os preços das passagens de modo a potencializar o lucro. Aqueles que não possuem dinheiro para pagar de 5 a 10 reais por uma passagem, são impedidos de chegar ao seu destino. Este cenário de total imobilidade urbana é de responsabilidade de setores do poder público e privado, que operam sob uma lógica perversa.
O serviço de transporte no Rio funciona por vias de concessão pública. O governo define o preço e (supostamente) padrões de qualidade ao serviço e os consórcios que (supostamente) oferecerem os melhores serviços vencem a licitação. No entanto, existem diversas peculiaridades nesta relação que a tornam perversa. Os contratos e os relatórios de prestação de contas são perfeitamente passíveis de fraude – como já apontado por alguns especialistas — por seu caráter nebuloso e pouco transparente.
Além disso, existem inúmeros indícios de irregularidades no que diz respeito a formação de cartel. O Tribunal de Contas do Municipio do Rio (TCM) abriu uma investigação que apontava fortes indícios de cartel nos contratos de concessão do serviço público de transporte no Rio feitos em 2010. O TCM detectou que 33 das 41 empresas inscritas na licitação não poderiam participar do processo.
Dentre as irregularidades encontradas pelos técnicas, figuram: Endereços iguais de 4 empresas, sendo este endereço a sede da Rio Ônibus; procura dos consórcios pela garantia financeira do edital no mesmo dia e na mesma instituição bancária; entre os empresários envolvidos, 12 eram sócios de mais de uma empresa (sendo dois deles : Jacob Barata Filho – sócio de 7 empresas ao mesmo tempo – e Álvaro Rodrigues Lopes – sócio de 5 empresas.); das 41 empresas, 16 se inscreveram em mais de um consórcio (o que foi proibido pelo edital); o CNPJ de 4 delas foram abertos no mesmo dia; entre outras muitas irregularidades apontadas.
Mas o quê sustenta tudo isso ? Qual o interesse dos políticos em fazer contratos tão absurdos e aceitar tantas irregularidades ? Trata-se de um dos problemas fulcrais que atentam contra o funcionamento da democracia brasileira : A grande maioria destas empresas e empresários depositam milhares de reais nas campanhas eleitorais.
O despertar de um gigante atordoado
Em junho do ano passado, o Brasil se tornou palco de manifestações populares de magnitude nunca antes vista. Tais manifestações tiveram como estopim justamente um absurdo aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus. Considerando os subentendidos e obscuros lucros astronômicos auferidos pelas empresas de ônibus, se tornava difícil aceitar calado este aumento.
Após forte repressão policial das primeiras manifestações contrárias ao aumento -promovidas pelo grupos e coletivos historicamente empenhados na luta contra a máfia dos transportes – o movimento ganhou rapidamente inúmeros adeptos não-militantes, graças as mídias sociais, e rapidamente os manifestaçoes tomaram outra dimensão e outros rumos.
Muitos destes rumos inclusive direcionados pela cobertura midiática que, percebendo a maginitude do que estava se desenvolvendo, tratou de rapidamente despolitizar e atribuir um caráter profundamente ufanista as manifestações.Deste modo, levados por este pensamento, vários foram aqueles que rechaçaram aqueles militantes que empenhavam-se historicamente na luta pelos direitos sociais, expulsando-os das manifestações sob gritos de : “Sem Partido!” e “Abaixa a bandeira!”.
A despeito dos rumos tomados pelas manifestações, o fato é que nunca antes na história do país foi vista tamanha mobilização popular. Do mesmo modo, nunca antes o poder público e o poder privado foram colocados em cheque desta maneira. A pressão popular então fez jus ao seu histórico potencial transformador e, liderada pela diminuta oposição de esquerda na Câmara dos Vereadores do Rio, foi protocolado um pedido de CPI dos Transportes pelo vereador Eliomar Coelho (PSOL). Junto a ele os vereadores Reimont Otoni (PT), Renato Cinco (PSOL) e Paulo Pinheiro (PSOL) lutavam pelo que seria um marco no combate ao oligopólio privado mafioso que controla os transportes no Rio.
A correlação desigual de forças políticas
Depois de muita batalha e pressão popular, a CPI foi então instaurada. Cabia agora a eleição de seu presidente e seu relator. Obviamente, a população prezava pela lógica e apoiava que Eliomar Coelho fosse o presidente da CPI. No entanto, mais uma vez, vimos como a correlação de forças políticas no Brasil e as estruturas políticas estabelecidas direcionavam ao fracasso a maioria das iniciativas progressitas que por ventura viessem pelos meios institucionais.
Valendo-se das normas estatutárias obsoletas e tendenciosas que regem o legislativo, a bacanda do PMDB – detentora da maioria dos assentos e intimamente ligada aos interesses do capital privado – articulou a tomada da CPI. Deste modo, em uma reunião feita propositalmente no menor espaço da Câmara (não foi no Plenário), com o impedimento da população de entrar no espaço e participar do processo, a bancada governista então elegeu Chiquinho Brazão (PMDB) para a presidência da CPI e Professor Uoston (PMDB) para a relatoria, além de Jorginho da SOS (PMDB) e Renato Moura (PTC) para integrarem a Comissão.A nomeação naturalmente despertou imensa insatisfação na população que aguardava a votação no exterior da Câmara. Revoltados e insatisfeitos, as pessoas então entraram no prédio público e ali iniciaram o movimento Ocupa Câmara Rio.
O movimento Ocupa Câmara Rio seguiu então acampado no interior da Câmara dos Vereadores como protesto contra a iligítima CPI agora instaurada. Os que ali estavam presentes eram aqueles militantes já empenhados historicamente nas causas sociais e políticas. Eram integrantes de diversos partidos, coletivos e movimentos de oposição, que sofreram forte rechaço durante as manifestações de junho de 2013. Aonde estava aquele milhão de pessoas que lotou a Avenida Presidente Vargas em Junho?
Aonde estavam aqueles que se julgaram paladinos da luta social e entoavam gritos como “Sem partido!” e “Oportunista!” endereçados a estes que agora ocupavam a Câmara? Provavelmente, tal qual um gigante adormecido, acompanhavam tudo de suas casas pela cobertura tendenciosa da grande impressa – sua velha amiga. Passado o tempo, o judiciário acatou o apelo da oposição que alegava falta de representatividade satisfatória da minoria na CPI e a Comissão foi congelada. Enquanto tudo ocorreu, aquele relatório do TCM que apontava formação de cartel nos contratos públicos com as empresas de transporte fora arquivado.
O ciclo vicioso e retroalimentado do financiamento privado de campanhas
Como superar este dilema ? Como desfazer os nós que impedem o exercício da democracia no Brasil ? Como superar esta correlação desigual de forças políticas ? Sem dúvidas não há resposta fácil e rápida. A desigualdade na correção de forças políticas e a apropriação da res publica para interesses privados no Brasil é tão histórica quanto arraigada.
Todavia, o caminho para a superação deste status quo passa por algumas questões fundamentais que são elementos centrais de manutenção da atual conjuntura política. Uma delas é, sem dúvida alguma, a questão do financiamento privado de campanha. Tal prática é o eixo central e ativador de um perverso clico vicioso que se apropria da máquina pública para o interesse privado e, com ela, replica o poder do capital privado aumentando ainda mais sua capacidade de transmutar-se em poder político.
Este ciclo, portanto, só poderá ser parado quando este processo central for controlado. É urgentemente necessário o estabelecimento de restrições as doações a partidos políticos, campanhas e comitês financeiros por parte de pessoas jurídicas e, paralelamente, o estabelecimento de tetos para doações de pessoas físicas – tudo em consonância com uma ampliação e uma melhor distribuição do financiamento público de campanhas eleitorais.
Feito isso, a democracia poderá respirar e pensar em reformas no sistema público de transporte, podendo-se inclusive instaurar sistemas de transporte de fato públicos e gratuitos. Contudo, para tal, é necessário virar o jogo das correlações de forças políticas que existem atualmente.
Alguns setores da população civil, dos movimentos sociais, do movimento estudantil e da oposição de esquerda na política batalham incansavelmente para o fim deste perverso processo retroalimentativo de financiamento de campanhas. No entanto, não teremos avanços significativos se a população como um todo não se engajar politicamente nestas questões. O gigante precisa acordar novamente e, desta vez, levantar a bandeira certa – ao invés de abaixá-la à base do grito.
Fonte: Blog da Redação
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