PICICA: "Relatório revela: assassinatos e atentados contra comunicadores e
ativistas migraram dos grotões para grandes cidades — principalmente no
esforço policial em reprimir protestos"
Quem ameaça, hoje, a liberdade de expressão?
Relatório revela:
assassinatos e atentados contra comunicadores e ativistas migraram dos
grotões para grandes cidades — principalmente no esforço policial em
reprimir protestos
Por Andressa Pellanda
Em 2013, cerca de 300
pessoas sofreram violações graves à liberdade de expressão na América
Latina, segundo informações da IFEX-ALC, rede internacional de
organizações que atuam pelo direito à liberdade de expressão no mundo.
Somente no Brasil, foram 45 casos de homicídios, tentativas de
assassinato, ameaças de morte e sequestros relacionados ao exercício da
liberdade de expressão, como explica relatório
lançado nessa quarta, dia 30/04, pela ONG Artigo 19, que atua pela
liberdade de expressão e de imprensa e pelo direito ao acesso à
informação.
De acordo com o relatório,
as principais vítimas são comunicadores e defensores de direitos humanos
que, pelo exercício de suas profissões ou por ativismo, divulgam e
debatem informações de interesse público. A violência contra tais atores
sociais vem de várias frentes e de diversas formas. No ano passado,
foram 12 casos de homicídios, 9 tentativas de assassinato, 22 ameaças de
morte, e dois sequestros, de acordo com a apuração da Artigo 19.
Segundo Guilherme Canela,
da assessoria de comunicação da Unesco para a América Latina, a
violência física e psicológica, como agressões e ameaças, são as mais
frequentes, mas a violência institucional e digital estão também
presentes e igualmente graves. A violência contra comunicadores e
defensores de direitos humanos tem, inclusive, um aspecto mais profundo e
sutil, porque acaba sendo direcionada não somente aos atores
específicos de seus respectivos casos, como também voltada para suas
classes e de forma difusa, como em casos de manifestações. Como afirmou
Alexandra Montgomery, da ONG Justiça Global, “as violações em
manifestações são uma das formas mais perversas de violência à liberdade
de expressão”.
Cerca de 75% a 80% das
agressões dirigidas a jornalistas se caracterizaram como ataques
dirigidos por agentes de segurança, como policiais militares e guardas
civis, segundo Guilherme Alpendre, da Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo – Abraji. A violência institucional por parte
do Estado foi um dos aspectos relevantes levantados pela pesquisa da
Artigo 19. A partir de 2013, ocorreu uma mudança significativa no
cenário geral das violações: houve um aumento considerável nas grandes
cidades por conta das manifestações de rua, que se espalharam por quase
todas as capitais. “A ideia é espalhar o terror e o medo para que as
pessoas desistam de se manifestar e os jornalistas desistam de cobrir.
Os comunicadores que cobrem as manifestações estão na linha de frente,
hoje se vê gente sendo morta ao vivo”, afirmou Alexandra.
Enquanto nos anos
anteriores, a pesquisa revelava uma omissão do Estado diante das ameaças
de morte e outrem, hoje, o Estado atua como perpetuador de tais
violações. As investigações são frágeis, poucas chegam ao processo
judicial e o poder judiciário é utilizado na coibição do trabalho da
imprensa. De acordo com Paula Martins, da Artigo 19, a criminalização
dos protestos, as ações do alto escalão do governo e as diversas
proposições legislativas que tentam justificar a censura e até
regulamentá-la são exemplos fortes e cada vez mais frequentes das
violações institucionais contra a liberdade de expressão. E esse,
infelizmente, é um padrão regional: do total de violações desse tipo na
América Latina, 60% foram realizadas por órgãos e agentes estatais.
Se a livre manifestação do
pensamento é tida como um direito fundamental em nossa Constituição
Federal de 1988, por que as mais diversas tentativas de calar aqueles
que desenvolvem investigações e trabalham para o direito à informação
ainda são assustadoramente recorrentes? Inúmeras podem ser as respostas:
denúncias de casos de corrupção ou de exploração no campo, emissão de
opinião que desfavoreça o mandante das violações, mobilização em torno
de algum caso, entre outros. A impunidade é uma das principais causas da
manutenção dessas violações. “Muitas vezes, os executores dos crimes
são responsabilizados e os mandantes não”, afirmou Paula.
De um modo geral, contudo,
as principais causas de violações ao direito de expressão giram em torno
da intolerância em relação ao debate mais crítico e do receio de tornar
cada vez mais público um sistema arraigado de corrupção, principalmente
por parte do poder político, mas também da falta de um sistema
preventivo e protetivo e pela existência de um discurso social e
midiático que apoia e justifica a violência. A cobertura tendenciosa da
grande mídia, que influencia o debate público, reflete nas relações do
Estado frente ao que vem a se tornar uma espécie de “clamor público”
mediatizado. “O discurso de ódio que divide manifestantes e vândalos
aciona a justificativa de ação de repressão por parte do poder estatal”,
reiterou Alexandra.
A melhoria do sistema de
justiça e do arcabouço de prevenção e proteção a tais graves violações a
tantas outras pelo país, que não entram na conta de pesquisas e
relatórios, se fazem urgentes nesse 3 de maio de 2014, quando
comemoramos o Dia Mundial de Liberdade de Imprensa. Como bem colocou
George Orwell, em seu clássico, “1984”, “se a liberdade significa alguma
coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas
não querem ouvir”, e é por isso que tanta gente tem medo dela.
Fonte: Blog da Redação
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