maio 03, 2014

"Putin e seu Rasputin: Notas sobre Dugin e o Olavismo." - Escrito por Hugo Albuquerque

PICICA: "Desde a revolução de outubro, e apesar do Stalinismo, do Revisionismo e do Neoliberalismo pós-soviético, costumamos associar a Rússia à esquerda -- ainda mais porque as geopolíticas de esquerda do governo Lula e da América Latina encontraram em Putin um (acidental?) aliado. Por outro lado, a direita brasileira sempre esteve associada aos Estados Unidos. Daí o fato de Olavo não ter curtido Dugin -- e, em sentido inverso, a razão (ou falta dela) que levou a política de Putin para a Ucrânia ter sido aplaudida pela esquerda progressista brasileira (que em seus blogs chegaram a dar eco a Dugin)."

Putin e seu Rasputin: Notas sobre Dugin e o Olavismo.


Dugin, simpaticíssimo, na Ossétia em 2008: Guerra Russo-georgiana
A atual crise russo-ucraniana trouxe uma novidade para o meio intelectual: de repente, a figura do pensador russo, e conselheiro de Putin, Aleksandr Dugin (pronuncia-se "Duguin") e seu  neoeuranianismo (isso mesmo: novo + Europa + Ásia) ganharam uma curiosa notoriedade. Dugin, anti-liberal, místico e barbudo parece ter se tornado o norte ideológico do claudicante regime russo, que de um neoliberalismo radical com Yeltsin ganhou mais e mais características nacionalistas e populistas com Putin -- sobretudo após os protestos massivos dos fins de 2011, quando o presidente russo viu seu nome, já em baixa, ser colocado em xeque depois de uma possível fraude eleitoral, com vistas a favorecer seu partido, nas eleições parlamentares.

Quando eu ouvi falar em Dugin, sua retórica pop e suas referências intelectuais -- uma verdadeira mistureba que vai do misticismo aos pensadores da nova direita francesa e os pensadores nazistas (sim, os nazistas!)  --, o nome do nosso Olavo de Carvalho me veio à mente -- não que Olavo seja fascista, mas pelo sua maneira, digamos, exótica de misturar ideias (no caso, astrologia e ultraliberalismo genérico) e retórica para defender uma posição reacionária qualquer. O Pior de tudo é que Dugin, que fez um longo tour pelo Brasil em 2013, com direito a palestras na USP e em outras universidades, debateu com Olavo em 2011 (!!!); por trás do debate e das visitas, uma galera ligada à "nova direita cultural" no Brasil.

Desde a revolução de outubro, e apesar do Stalinismo, do Revisionismo e do Neoliberalismo pós-soviético, costumamos associar a Rússia à esquerda -- ainda mais porque as geopolíticas de esquerda do governo Lula e da América Latina encontraram em Putin um (acidental?) aliado. Por outro lado, a direita brasileira sempre esteve associada aos Estados Unidos. Daí o fato de Olavo não ter curtido Dugin -- e, em sentido inverso, a razão (ou falta dela) que levou a política de Putin para a Ucrânia ter sido aplaudida pela esquerda progressista brasileira (que em seus blogs chegaram a dar eco a Dugin). 
É claro, o que se pode dizer de uma genuína esquerda russa, soterrada no mar de ultrapatriotismo dos últimos tempos, certamente não deve estar feliz com tal "engano". E parte da esquerda brasileira, pelo menos aquela que não foi sequestrada pelos delírios do Brasil Maior, tampouco. O próprio discurso triunfante de Putin em relação à incorporação da Crimeia acusa o golpe da influência duginiana: foi a principal fala política contrária aos levantes globais que se tem noticia, o que coloca tão ou mais à direita que Obama, que colocou no mesmo patamar, malandramente, o Tea Party e o Occupy Wall Street.

Dugin, que já esteve próximo de um certo saudosismo soviético, depois dos Nacional-Bolsheviks -- a versão "nacionalista" dos velhos bolsheviks -- até  conseguir finalmente o posto de conselheiro real -- coisa que não são poucos "intelectuais", mesmo de esquerda, que desejam.  É claro, Dugin tem mais consistência que os Olavos e quetais, mas só o fato dele ter debatido com O.C. em pessoa, já indica todo o rigor do seu pensamento ou de seus apoiadores internacionais. 
E seu neoeurasianismo é só uma teoria que serve bem a Putin e aos seus hoje na disputa entre os velhos blocos de poder nacionais. A teoria em questão, aliás, é sobretudo uma forma de destruir a União Europeia, o que construiria uma inevitável proeminência do Estado russo -- e talvez aí se explique a aliança de Putin com a extrema-direita francesa e, também, porque Washington esteja reticentes em confrontar abertamente Moscou na questão ucraniana, justamente por ver nisso um meio de enfraquecer Bruxelas. 
Enfim, isso é só um relato sobre como um mundo parece fazer cada vez menos sentido -- ou como velho poder, de olho no comando ou em formas de agenciamento com a "economia global", parece cada vez mais tributário de literatura barata (do mesmo modo que Reinaldo Azevedo influencia políticos tucanos). Se há poucos dias, o mestre Bruno Cava trouxe em seu blog um magnífico debate sobre a atualidade de Lenin, me parece que pelo menos um novo Rasputin já temos. Só para lembrar Cava, precisamos de uma *segunda via* para essa coisa que aí está -- e eu digo ao som das Pussy Riot, de preferência, por mais que elas sejam cândidas com Obama. Eis o estado da Arte, e a arte do Estado, deste grande pornô nonsense que é o Global.
Fonte: O Descurvo

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