setembro 07, 2006

Ecce Homo

Foto: Rogelio Casado - Geraldo Peixoto, julho/2006













Nota: A foto acima foi feita durante o memorável Encontro Nacional de Saúde Mental, ocorrido em Belo Horizonte, em julho de 2006. Toda vez que via Geraldo Peixoto, indo à frente do microfone para se manifestar após os palestrantes das mesas-eixo, tinha vontade de sair cantando o hino nacional ou coisa parecida, particularmente o trecho "verás que um filho teu não foge à luta". O homem é um monumento vivo da Rede Internúcleos da Luta Antimanicomial! Uma raridade nesses tempos de covardia moral. Quando fala, parece até que baixando uma entidade nesse carioca que não dorme de touca.

Desde que o filho de Geraldo Peixoto passou a ser tratado no primeiro CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) implantado no Brasil - na verdade, uma invenção brasileira no modo de tratar pessoas em sofrimento mental, surgida entre 1986-1987-, situado na rua Itapeva, em São Paulo, e que recebeu o nome do saudoso psiquiatra Luiz Cerqueira, ele se tornaria um símbolo na defesa dos serviços substitutivos ao manicômio. Manicômios nunca mais. Foi um dos primeiros familiares a defender uma nova ética no tramento do transtorno mental.

Depois da manifestação do presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, leia abaixo o recado do Geraldo para as novas gerações de psiquiatras que ainda não perderam o código da interlocução. Geraldo Peixoto é homem de um discurso simples, por isso mesmo abriga idéias complexas. Como não reconhecer no seu texto um recado claro por uma outra ética clínica que seja capaz de construir uma rede de sustentação de novos significados individual e social para os que sofrem, criando novos pactos, laços, contratos de vida e de trabalho. Geraldo viveu na pele, como pai, a experiência de quem sabe o inútil esforço de humanização dos hospitais psiquiátricos, incapazes de criar laços de vidas com aqueles que estão marcados por um estar fora do lugar, sem que jamais venham a se importar com a recriação do cotidiano dessas pessoas. Se não é esse o recado do Gerado, macacos me mordam.


Doença Mental - como será o futuro? Algumas considerações

Em alguns momentos a psiquiatria é investida de poderes semelhantes aos poderes do clero... teria uma missão sagrada. Entretanto, sua principal função deveria ser a denúncia dos abusos e da miséria e a prevenção da doença mental. Precisaria ter uma função o mais integrada possível. O paciente precisa ter voz. Sua fala não deveria ser apenas tolerada. Seu discurso é a base. É fundamentalmente tudo na relação terapêutica. O terapeuta frio, silencioso, hostil, arrogante, e algumas vezes até brutal, afasta o paciente e seus familiares. Para se tratar a "loucura" é necessário uma certa dose de loucura, como receita a homeopatia. Tratar de um paciente significa ter uma concepção ampla e abrangente, não ficando restrito, única e exclusivamente, a determinada linha de algum monstro-sagrado da psiquiatria; linhas estas que para alguns profissionais acabam se transformando em verdadeiros "dogmas divinos" ou na própria "revelação". Não se deveria seguir uma escola técnica. Todos os caminhos deveriam ser percorridos. Sem dúvida, em alguns momentos, ele deveria ser um pesquisador e ater-se à técnica, porém sem ser, jamais, bloqueado pela mesma. Aliviar o sofrimento deveria ser sua missão. Se houver um equilíbrio entre este dois caminhos, seu diagnóstico e sua conduta serão muito melhores. Ele precisa ser um agente de mudança no modo de vida do paciente. Ambientalismo, em doença mental, é ambientar o paciente em seu ambiente. É perda de tempo ficar reprimindo o fumo, o álcool, o não fazer exercícios etc. É necessário mudar as condições de vida desses indivíduos. É preciso que haja diminuído ou eliminado seu poder sobre essas pessoas, aumentando sua capacidade de intervir e tratar. É preciso acabar com a visão do homem como corpo, mente e alma separados, e a que existe interno e externo. O terapeuta da saúde mental precisa evoluir sempre e ultrapassar esses conceitos. Com todo o respeito pelos seres humanos que viveram antes, a humanidade caminha, inexoravelmente, para a frente. Não sabemos com clareza como será o futuro, mas podemos imaginar que a psiquiatria não poderá ser neutra nem distante, e nem ser um feudo para alguns iniciados. A psiquiatria tem que se abrir e unir-se ao povo, deixando de ser um privilégio de alguns que detém o poder do conhecimento, e de outros que o usufruem, por pertencerem a uma classe cada dia menor de abastados e endinheirados.

P.S.: Evidentemente este texto não generaliza "toda a psiquiatria". Sabemos muito bem de quem estamos falando.

Geraldo Peixoto
Tels.: (13) 3467 7062 ou (13) 9137 8420 Posted by Picasa

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