Foto: Rogelio Casado - Edinea Dias, Manaus-AM, 4.09.06
No dia 4.09.06 aniversariou Edinea Mascarenhas Dias. Entre os amigos que foram cumprimentá-la só faltou Marcus Barros; obrigações como presidente do Ibama levaram-no para longe da festa que varou a madrugada. Com raras exceções, a maioria caiu no rock, inclusive o estimado Márcio Souza, revelação daquela agradável noite de encontros.
Caminhos diferentes me afastaram do convívio com o casal H. Dias e Edinea Dias. Há mais de uma década não os via.
Nos anos 1990, depois do meu bota-fora do hospício público da cidade - coincidentemente, para aprendizes de História como eu, um período marcado pelo declínio da Reforma Psiquiátrica que implantei junto o saudoso Silvério Tundis, nosso amigo comum -, e após uma breve passagem pela Universidade Federal do Amazonas, quando Marcus Barros era reitor, me vi na contigência de trabalhar num outro campo de atenção à saúde, junto às pessoas com o vírus HIV/Aids, onde construi uma rica história de participação no fortalecimento de uma cidadania ameaçada: a dos soropostivos para o HIV, dela resultando na criação da Rede de Amizade & Solidariedade às Pessoas com HIV/Aids.
Fui parar nos currais dos bois Caprichoso e Garantido, abrindo espaço para a bandeira de prevenção, que mais tarde seria assumida numa inédita parceria entre os usuários dos serviços e os gerentes e gestores de saúde. Não foi uma trajetória linear essa minha passagem no setor; por pouco não me custou amizades valiosas, estremecidas e resgatadas posteriormente, graças a generosidade dos meus mais caros interlocutores, sabedores da minha inveterada vocação para com os compromissos sociais.
Não foi a primeira vez que me afastei do rock'n roll, a música da minha geração. Logo que recebi o pé-na-bunda dos cole-eguinhas de hospício, dos quais não tenho a menor saudade, porquanto nunca comunguei nem com o espírito corporativista da categoria, nem do espírito de porco dos que perderam a dimensão político-social da prática médica, voltei à Praça dos Remédios, onde nasci, e por dois anos vivi um breve período no comércio de estivas de Manaus, desencantado com os caminhos da saúde pública no Amazonas. Sai de lá empapuçado pela recente música sertaneja, pela qual vim ter alguma simpatia depois que vi a dura história de Os filhos de Francisco, que quase me levou às lagrimas, não fosse a cruel imagem do pai que sacrifica filhos em prol de um ideal de vida marcado pelo discurso do capitalismo. Égua, maninho! Tá louco! Sacrificar filhos na fogueira do culto à ascenção social edulcorada pela adoração dos ídolos da música, tenha santa paciência!
Logo que cheguei à cada dos Dias, H. Dias foi logo me provocando, sabedor da minha paixão juvenil pela História: simplesmente me pedindo uma retrospectiva breve dos últimos vinte anos da cidade. Cáspite! É certo de que depois de muita análise descobri que, enquanto me divirto, não faço outra coisa do que viver histórias para não ter o que deixar de fazer na velhice: contar histórias, se tiver a graça de até lá viver. Porém, o que H. Dias me pediu é uma tarefa para os grandes historiadores, como Edinea Dias. Como um bom aprendiz de feiticeiro, posterguei a tarefa. Em breve, prometo, no mínimo, imagens inéditas de quando movimentamos o cenário político-social na Manaus do início dos anos 1980. Registre-se que o advogado H. Dias era o único profissional fora do setor de saúde que acompanhou as primeiras discussões instituídas no então Hospital Colônia Eduardo Ribeiro, na nascente Reforma Psiquiátrica no Amazonas, sobre a psiquiatria democrática de Franco Basaglia, inspirador da mudança de paradigma no modelo de atenção à saúde mental brasileira. Além dele, eu e Silvério Tundis comparecíamos sistematicamente às reuniões de estudo com os estudantes estagiários. Nenhum outro profissional da psiquiatria ali comparecia: não é difícil entender porque a Reforma Psiquiátrica desandou no Amazonas na década seguinte.
Por ora, me contento em celebrar o aniversário de Edinea, a quem periodicamente revisito o seu clássico A ilusão do Fausto - Manaus - 1890 -1920, Editora Valer, 1999. Aproveito o ensejo para lembrar a apresentaçào feita pelo escritor Milton Hatoum, quando ele ainda lecionava literatura na Universidade Federal do Amazonas em 1990:
"A Ilusão do Fausto é um estudo pioneiro sobre uma cidade, Manaus que foi planejada e construída para atender a uma demanda do capital internacional. Já muito se comentou e se escreveu sobre o espaço embelezado da cidade: suas praças, seus monumentos, seus edifícios suntuosos, dotados de estilos superpostos, importados da Europa. Esta é a Manaus mais divulgada, a cidade revelada em fotografias e cartões-postais. Mas há uma zona de sombra, escondida ou muito pouco revelada nesse urbanismo pretensamente grandioso, espalhado na Paris do prefeito Haussmann. Trata-se da outra face da "urbs", uma face nada edificante da mesma fisionomia urbana: a Manaus dos exlcuídos. Ou seja, a dos pobres, miseráveis, imigrantes, enfermos, loucos".
Taí uma história que me interessa, a dos últimos, que se confunde e mistura com a dos miseráveis, dos imigrantes, dos enfermos... Pensá-la no quadro caótico da ocupação urbana dos dias de hoje, continua imprescindível para entender a acomodação em que o setor perigosamente e os porquês da baixa resposta ao desafio de hoje: criar uma sociedade sem manicômios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário