setembro 15, 2006

SUS leva calote dos Planos de Saúde: R$ 276 milhões









Nota: Leia a matéria do André Barrocal, publicada em Carta Maior, e verifique que a máfia dos sanguessugas é fichinha diante do rentável negócio da medicina privada brasileira. Segundo o IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor: “Os planos de saúde tiram muitas vantagens do SUS (...) O SUS paga a conta que deveria ser da empresa de plano de saúde e poucas vezes é ressarcido pelo atendimento prestado”. Até agora a dívida não ressarcida é de R$ 276 milhões. E isto porque não foram contabilizados todos os procedimentos médicos oferecidos pelo SUS, que estão sendo vampirizados pelos planos de saúde. Veja o exemplo do Amazonas: portadores de transtorno mental que têm plano de saúde são atendidos no único pronto-atendimento público para emergências psiquiátricas existente na cidade, sem que haja ressarcimento de um tostão sequer pelo serviço prestado. Indignado, Zé Fofinho de Ogum, colaborador do PICICA - Observatório dos Sobreviventes www.picica.com.br (brevemente, estará sendo repaginado), declarou: "Se liga aí, maninho! Se acabar essa mamata, vão querer arrochar o contribuinte? "

Direitos Humanos 11/09/2006

SAÚDE PÚBLICA

Calote dos Planos de Saúde no SUS soma R$ 276 milhões

Lei determina que empresas devem reembolsar SUS quando rede pública atender a seus clientes. Mas liminares obtidas na Justiça e falhas da Agência Nacional de Saúde Suplementar criaram desfalque maior do que o caso dos sanguessugas.

André Barrocal – Carta Maior

BRASÍLIA – A máfia dos sanguessugas ganhou repercussão e ocupa o noticiário há quatro meses pelo apelo popular do assunto. Descobriu-se o conluio de empresários, parlamentares e prefeitos para desviar dinheiro público de uma área social importante. O esquema subtraiu mais de R$ 100 milhões dos cofres da saúde, entre 2000 e 2005, segundo investigações da Polícia Federal (PF). O tamanho do desfalque escandaliza menos, contudo, quando se constata que, no mesmo período, a saúde sofreu uma outra ação organizada e poderosa que lhe sonegou muito mais. E pior: a drenagem continua.

O caixa do Sistema Único de Saúde está sendo desidratado pelas empresas de planos de saúde, que se recusam a pagar o SUS, quando a rede pública atende a seus clientes. O reembolso é uma ordem da lei federal que disciplina os planos (9.656, de 1998). Mas as empresas contam com a colaboração da Justiça para boicotar o reembolso. E também se beneficiam de falhas administrativas e de norma favorável da parte de quem deve fiscalizá-las, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O Tribunal de Contas da União (TCU) - repartição que ajuda o Congresso a vigiar o governo federal – aprovou, em julho, um relatório que concluiu que, de janeiro de 2000 a julho de 2004, o SUS atendeu detentores de plano particular em serviços avaliados em R$ 1 bilhão, mas que quase nada foi recuperado. No relatório, determinou à ANS que tomasse providências a fim de acabar com o prejuízo.

Depois da reprimenda, a ANS defendeu-se. Disse que já recuperou R$ 74,5 milhões, entre valores pagos à vista e parcelados. Que R$ 16 milhões são devidos por planos falidos. E que o prejuízo efetivo seria de R$ 276 milhões. Esta última quantia corresponde a valores protegidos por liminares e ao calote deliberado por parte dos planos, resultando na inscrição do nome deles numa lista negra do governo chamada Cadastro de Inadimplentes (Cadin). Os números foram apresentados pelo diretor-geral da ANS, Fausto Pereira dos Santos, em um artigo publicado em dois grandes jornais, dias depois da decisão do TCU. O dirigente admitiu que todos atendimentos já prestados pelo SUS a pacientes conveniados somam R$ 1 bilhão. Mas disse que só R$ 463 milhões poderiam ser pedidos de volta. “Apenas estão obrigados a ressarcimento os valores que referem-se a procedimentos cobertos contratualmente pelos planos de saúde”, afirmava o artigo.

Mais de meio bilhão de reais está fora de alcance por conta de normas da própria ANS. A resolução 18, de 2000, condiciona o reembolso a duas situações. Primeira: se o caso ocorreu numa unidade pública, a pessoa precisa ter recebido atendimento que o plano também prestaria (serviço previsto no contrato). Segunda: se ocorreu em estabelecimento privado é associado ao SUS, só há reembolso em casos de emergência (envolvem risco de morte) ou urgência (parto, por exemplo).

Para o TCU, a resolução contraria uma legislação superior – a lei dos planos de saúde não restringe o ressarcimento. Por isso, determinou à ANS que prepare mudanças na norma. “Esta limitação, somada a outras falhas administrativas da ANS, pode ter acarretado (...) uma vultosa redução nos ressarcimentos aos cofres do SUS, de R$ 1 bilhão”, afirmou o relatório.

Como está implícito na decisão do TCU, a resolução contraria o interesse público e favorece os planos de saúde. Uma explicação para a generosidade da ANS diante de seus fiscalizados pode ser a influência que as empresas exerceriam sobre a agência, a exemplo do que acontece em outros setores vigiados por órgãos reguladores, como a telefonia. Em maio, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) divulgou um estudo sobre os seis anos de atuação da ANS em que insinua que a agência cede a interesses privados. Faltaria fiscalização adequada sobre as empresas e transparência na definição dos reajustes das mensalidades.

A ANS foi procurada pela reportagem na terça-feira (5). Até às 20h de quarta-feira (6), quando o texto foi finalizado, não havia se manifestado sobre o conflito entre a resolução 18 e a lei 9.656. A assessoria de imprensa da agência informou que o diretor responsável pela resposta tinha viajado por causa do feriado.

Calote consciente

O calote dos planos no SUS - de R$ 276 milhões, nas contas da ANS – resulta de uma ação organizada e consciente das empresas, que discordam do reembolso. Os planos arranjam liminares judiciais que impedem a cobrança ou simplesmente ignoram a fatura que a ANS lhes manda – envio demorado e burocratizado, segundo o TCU. “Temos uma posição firmada de não recolher o ressarcimento e recorrer à Justiça”, disse Arlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), entidade que reúne os planos particulares.

As empresas têm esperança de legitimar o calote e livrar-se de vez da cobrança convencendo o Supremo Tribunal Federal (STF) de que o ressarcimento afrontaria a Constituição. Em dezembro de 1998, a Confederação Nacional de Saúde (CNS), sindicato máximo do setor, entrou com uma ação no STF para tentar derrubar o reembolso. Até hoje, ela não foi julgada. “Existe um princípio básico na Constituição: todo cidadão tem direito ao SUS. Aderir a um plano privado é uma opção. Então, na cabe ressarcimento”, afirmou o presidente da CNS, José Carlos de Souza Abrahão.

A Agência Nacional de Saúde rejeita a argumentação. “O ressarcimento constitui-se em uma relação criada por lei, entre operadoras e a ANS, em nada interferindo no direito constitucional de utilização do SUS”, disse a gerente-geral de ressarcimento do SUS e especialista da ANS em regulação, Maria Ângela Scatena.

O Idec também apóia o reembolso. Em 2003, publicou uma cartilha intitulada “O SUS pode ser seu melhor plano de saúde”, em que dizia: “Os planos de saúde tiram muitas vantagens do SUS (...) O SUS paga a conta que deveria ser da empresa de plano de saúde e poucas vezes é ressarcido pelo atendimento prestado”.

Além da ponderação constitucional, os planos esperam dobrar o STF com alegações que cheiram à chantagem. Dizem que, se a cobrança for adiante, o custo terá de ser repassado às mensalidades e, mesmo assim, muitas empresas quebrariam. “A cobrança vai desencadear um desequilíbrio econômico-financeiro nas empresas, que terão dificuldade de sobreviver. Se os planos fecharem, para aonde as pessoas irão? Para o SUS, que já está sobrecarregado? Essa não é uma decisão fácil”, disse Souza Abrahão.

A alegação não influencia o ânimo no governo, que está lutando para que o STF ratifique o ressarcimento. E tem pressa. Em fevereiro e março, o ministério da Saúde mandou ofícios ao relator da ação no STF, Marco Aurélio Mello, pedindo rapidez no julgamento. Em caso de vitória - ou seja, de manutenção do ressarcimento -, as liminares que impedem a cobrança perderiam a validade, e o SUS ganharia um reforço de caixa. “Enquanto a ação não for julgada, fica difícil cobrar. As empresas vão continuar protelando”, disse o secretário de Atenção à Saúde do ministério, José Gomes Temporão. O STF informou, por meio da assessoria de imprensa, que, apesar do apelo, não há previsão de julgamento.

Mesmo sem que a corte máxima se pronuncie definitivamente sobre o tema, a ANS prepara-se para ampliar a cobrança de ressarcimento. Até o fim do ano, começará a pedir reembolso aos planos de saúde por atender casos considerados de alta complexidade, como tratamento de hemodiálise e quimioterapia. Hoje, o ressarcimento refere-se a atendimentos simples, como partos. A reportagem pediu à ANS que explicasse por que não havia tal cobrança até agora. Mas também não obteve resposta até a noite de quarta-feira (6), em função da viagem do diretor responsável.

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