fevereiro 19, 2010

A CONFECOM de fato

A CONFECOM de fato
Por Rafael de Abreu 19/02/2010 às 05:44

As conferências são extremamente importantes para consolidação da democracia no Brasil, pois são espaços destinados às pessoas da sociedade civil e do governo debaterem temas relacionados ao desenvolvimento do país. Também, através delas é que se propõem novas políticas públicas, programas e ações governamentais ou comunitários.

Durante o Fórum Social Mundial de 2009, ocorrido na cidade de Belém/PA de 27 de janeiro a 01 de fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que convocaria a I Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM). Mas apenas no dia 16 de abril, com o tema ?Comunicação: meios para construção de direitos e de cidadania na era digital?, o decreto foi publicado no Diário Oficial. O responsável pelo financiamento e desenvolvimento seria o Ministério das Comunicações com a participação direta da Secretaria da Presidência de Comunicação Social.

No dia 20 de abril saiu a Portaria 185, que instituiu os órgãos do poder público e as instituições da sociedade civil que fariam parte da Comissão Organizadora, que se responsabilizariam de regular todos os aspectos da conferência. A composição era a seguinte: oito representantes do Executivo Federal e dezesseis representantes da sociedade civil, divididos em sete entidades dos movimentos sociais, oito do setor privado-comercial e uma da mídia pública.

O Poder Público foi representado pela Casa Civil da Presidência da República, Ministério das Comunicações, Ciência e Tecnologia, Cultura, Educação e Justiça; Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Secretaria-Geral da Presidência da República, Senado Federal e Câmara dos Deputados.

A sociedade civil inicialmente era composta pela Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM), Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (ABEPEC), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO), Associação Brasileira de Provedores Internet (ABRANET), Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), Associação dos Jornais e revistas do interior do Brasil (ADJORI BRASIL), Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Federação Interestadual dos Trabalhadores de Empresas de Radiodifusão e Televisão (FITERT), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Coletivo Brasil de Comunicação Social (INTERVOZES) e Associação Brasileira de Telecomunicações (TELEBRASIL).

No dia 26 de maio foi publicada a Portaria 315, que relacionou os nomes dos representantes de todas as entidades e órgãos do poder público que fariam parte da Comissão Organizadora. Três dias depois, 29 de maio, foi feita uma retificação por meio da Portaria 337, alterando a nomeação do Ministério da Justiça e indicando a deputada Luiza Erundina como titular da Câmara dos Deputados, junto com o deputado Paulo Bonhausen.

Problemas:

O anuncio e o decreto não garantiam que a conferência de fato fosse realizada. Houve muita pressão por parte do setor empresarial e demora na votação do regimento interno, o que, por conseguinte, atrasou as etapas estaduais, municipais e distritais.

A verba inicial destinada era de R$10 milhões. Nas discussões, diminuíram para R$8,2 milhões, mas havia um dinheiro complementar de R$300 mil, o que totalizaria R$ 8,5 milhões. No dia 12 de maio, houve uma redução de R$ 6 milhões. Foi publicado no Diário Oficial da União que apenas R$ 1,6 milhões estavam assegurados. Era impossível, com a nova verba fixada, levar todos os delegados eleitos nas etapas estaduais. Depois de muita luta, os R$8,2 milhões iniciais foram mantidos pelo Ministério da Previdência, os delegados receberam passagem aérea ou terrestre, hospedagem, alimentação diária e transporte. Foram 2,1 mil pessoas, entre convidados, delegados, espectadores e funcionários.

O setor empresarial quando percebeu o avanço que a conferência traria para a comunicação brasileira, tentou boicotá-la. Para tentar tirar a legitimidade, seis entidade empresariais decidiram se retirar, alegando que algumas vontades da sociedade civil iam contra os princípios constitucionais. No dia 13 de agosto saíram a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), a Associação de Jornais e Revistas do Interior do Brasil (ADJORI BRASIL), a Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Internet (ABRANET). Em nota eles afirmaram que a decisão foi tomada para que fossem defendidos a liberdade de expressão, o direito à informação e a legalidade.

A Agência Brasil publicou um texto no mesmo dia relatando que, após a reunião o Ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse que a saída das entidades foi muito civilizada. Segundo ele, ?não é um abandono da Confecom, pelo contrário, eles estão abrindo um espaço na comissão preparatória para que ela possa chegar a uma proposta final consensual. Como eles tinham algumas dificuldades em apoiar determinados pontos na comissão, eles preferem não participar dessa última fase para que a gente complete a proposta de funcionamento da conferência e depois eles participam da conferência?. Não foi isso o que aconteceu. Após o ocorrido, as empresas ligadas as entidades começaram a fazer ataques absurdos e desqualificados em seus veículos contra a conferência.

link: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/08/13/materia.2009-08-13.4446578738/view

Algumas informações que circularam na internet apontavam para um desconsenso entre entidades de radiodifusão, a Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), entidade representativa da Rede Bandeirantes de Televisão e Rede TV continuou no processo. Dentro da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), entidade que representa a Rede Record e a Rede Globo de Televisão, tudo indicava para que a Rede Record queria continuar no processo, mas foi voto vencido pela Rede Globo de Televisão. Mais uma vez se mantiveram as vontades da Rede Globo.

O Regimento Interno foi publicado no Diário Oficial da União no dia 18 de agosto, como etapas preparatórias as conferências municipais, livres, virtuais, estaduais e distrital, mas apenas as estaduais e distritais elegeriam delegados para a etapa nacional. A sociedade civil foi dividida em sociedade civil e sociedade civil empresarial, nascia assim, o cárter tripartite e desproporcional da CONFECOM. A sociedade civil empresarial ficou com 40% dos delegados, o que não contemplou a realidade, pois os empresários representam menos de 1% da sociedade. Para a sociedade civil, que seriam as entidades de movimentos sociais foram estipulados outros 40% e os 20% restantes ficaram para o poder público.

O Brasil já fez mais de cem conferências, a única que ficou com essa desproporcionalidade na escolha dos delegados foi a de comunicação. O presidente da Comissão Organizadora, Marcelo Bechara, no programa da Jogo do Poder (CNT), realizado no dia 04 de novembro, justificou: ?Como é a primeira conferência nacional, tudo que é novo, ele causa uma certa perplexidade, uma certa desconfiança e muitas vezes dúvidas. A sociedade civil ela já vem participando de outras conferencias e ela já vem trabalhando especificamente a realização da conferência de comunicação. Então você tinha uma bagagem, tem uma bagagem, já de algumas entidades da sociedade civil, movimentos sociais e você de repente tem ali um setor que não participou de conferencias?.

Outra questão importante para ser levantada é que a conferência não foi deliberativa, apenas consultória. Depois de muitas reuniões, brigas e debates chega o dia da etapa nacional. A Conferência Nacional de Comunicação: A cidade destinada para a etapa nacional foi Brasília/DF. Inicialmente marcada para 01 a 03 de dezembro, foi transferida para 14 a 17, sob a justificativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ter agenda para a data anterior. Na abertura, o presidente fez um discurso ressaltando a importância de se discutir comunicação no Brasil e respondeu algumas indignações da plateia acerca da demora e da criminalização das rádios comunitárias.

De acordo com a organização do evento foram aprovadas 601 propostas diretamente nos Grupos de Trabalhos e 71 na plenária final, totalizando 672 propostas aprovadas. Não foram apreciadas ou aprovadas 50 propostas.

Compareceram à etapa nacional 1684 delegados representantes dos três segmentos (sociedade civil, empresarial e poder público), 350 observadores, 50 convidados especiais. As etapas estaduais foram realizadas em todas as unidades federativas do país. Dessas etapas saíram 6084 propostas que foram sistematizadas e colocadas nos cadernos distribuídos e apreciadas pelos delegados.

As principais propostas foram a criação de um Conselho Federal de Jornalismo e um Conselho Nacional de Comunicação, a criação de uma nova Lei de Imprensa, a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, proibição de políticos donos de emissora (o que já é ilegal) e um observatório da mídia.

link: Propostas aprovadas na Plenária final, com votação por consenso e acima de 80% nos grupos de trabalho.

Polêmicas:

O primeiro grande golpe para tirar a legitimidade durante a conferência aconteceu no dia 14 de dezembro, logo após o início do credenciamento dos delegados. A Comissão Organizadora Nacional (CON), reuniu-se de última hora para criar uma nova resolução acerca dos Grupos de Trabalhos. Com a nova resolução os GTs funcionariam com a mesma metologia da plenária, podendo ter questões ?sensíveis? que necessitariam de 60% dos votos e com um voto de cada seguimento.

A resolução teve apoio do poder público, empresários, e por incrível que pareça, de algumas entidades da sociedade civil como a CUT, FNDC, FENAJ e AEPEC. Apenas Intervozes, FITERT e ABRAÇO votaram contra. A justificativa dada pelas entidades da sociedade civil que votaram a favor foi uma possível saída dos empresários caso a resolução não fosse aprovada. Quanto às outras entidades que estavam dentro do processo de construção, mas não eram da Comissão Organizadora ficaram sabendo, houve um grande tumulto e, por isso, atraso no início da confecom.

Para muitas entidades não fazia sentido continuar na conferência, pois com essa nova resolução não sairia nenhuma proposta que quebraria a hegemonia dos grandes grupos de comunicação. Para discutir o problema e tentar superar o desgaste que o segmento sofreu foi convocada uma plenária. Durante a plenária houve muita discussão até chegar a um consenso para tentar anular a nova resolução. As entidades se reuniram na manhã do dia 15 de dezembro para tirar alguns posicionamentos e decidirem se sairiam ou não da CONFECOM caso a resolução se mantivesse.

A solução surgiu com um acordo durante a plenária que aprovou o regimento interno da conferência. A resolução seria anulada, mas as propostas prioritárias teriam que ser dividias em 04 para os empresário, 04 para sociedade civil e 02 para o poder público. Ou seja, não haveria debate dentro dos GTs, apenas novos acordos. Como consequência a sociedade civil brigou entre si para ter suas propostas prioritárias aprovadas. Embora a proposta 4-4-2 tenha sido aprovada, não houve consenso, durante todo a votação do regimento o que mais se via eram acordos e mais acordos de algumas entidades com os empresários e poder público.

Fonte:
CMI Brasil

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