fevereiro 28, 2010

A morte caridosa



Nota do blog: Desde que o jornalista britânico Ray Gosling, da BBC, revelou que ajudou seu parceiro - em fase terminal de AIDS - a morrer, o tema da morte caridosa entrou na pauta da mídia em todo o mundo. Em Manaus, o ex-Ouvidor do Estado, Josué Filho, afastado da sua atividade como radialista para tomar assento no Tribunal de Contas do Estado, num programa da sua emissora de rádio fez uma corajosa declaração em prol da inocência do jornalista, que foi preso e solto por falta de provas. Josué perdeu a esposa com câncer e sabe o que é enfrentar a dor. Sobre essa, até o momento, triunfa a cultura cristã e o sadismo do poder médico. Quem passou por isso sabe como ficamos reféns de uma cultura obsoleta. Perdi pai e mãe com câncer. São inesquecíveis os pedidos para parar de sofrer. Pelo fim da cultura da dor. Pelo direito à morte caridosa.

O curta Solitário Anônimo conta a impressionante história de um homem que revindicava o seu direito de morrer em paz. Ele planejou sua morte, transformou o processo de morrer em um experimento pessoal de controle do próprio corpo. Durante 58 dias não comeu, em um ato que simularia a morte natural. "Todos deixamos de comer antes da morte. Isso pode durar um ou cem dias", sustenta o personagem anônimo do filme.

O enredo do final de sua vida foi meticulosamente planejado. Um disciplinamento prolongado do corpo para a fome durante meses para, na fase final, a abstinência total de alimentos e nos últimos dias somente doses homeopáticas de água. A simulação da morte natural exigiu ainda a quebra dos vínculos familiares e afetivos, pois "somente um homem sem vínculos, sem nome ou biografia pode planejar a própria morte", dizia ele.

Uma decisão judicial à sua revelia ordenou que fosse alimentado e medicado à força: "O plano de morrer de fome tinha dois sentidos em sua vida: um projeto pessoal de simular a morte natural, pois no fim da vida paramos de comer, e uma racionalidade jurídica, pois obrigá-lo a comer contra sua vontade pode ser interpretado como um ato violento do Estado", pondera Debora Diniz, diretora do filme.

Sem documentos, posses ou vínculos, o idoso de 78 anos se transforma no Solitário Anônimo. O filme acompanha sua história do momento em que foi encontrado deitado na grama à espera da morte até a descoberta de sua identidade. O fracasso de seu plano de morte foi seguido pelas lentes da câmera que o acompanha ininterruptamente por hospitais, investigações policiais e assédio da imprensa.

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O direito à morte digna
Da Folha de S.Paulo
Londres dá brecha a suicídio assistido

Embora sem legalizar a prática, Reino Unido cria lista de atenuantes para quem ajudar doente terminal a morrer

Diretrizes chegam dias após polêmica confissão de jornalista da BBC, admitindo ter sufocado namorado em fase terminal de Aids

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

O Reino Unido adotou ontem um conjunto de diretrizes sobre o suicídio assistido que, embora não legalize a prática, lista seis atenuantes e 16 agravantes em caso de processos. O foco das regras, que em uma versão provisória era a condição do paciente, passa agora a ser os interesses do suspeito na morte do paciente.

Lançadas em caráter definitivo após cinco meses de debate público e mais de 5.000 cartas e pareceres, as diretrizes visam ajudar pessoas que consideram auxiliar um ente querido a se matar a saber se elas se enquadram em casos de “morte por compaixão”. A elaboração ficou a cargo da Procuradoria da Coroa e é resultado de uma solicitação de Debby Purdy, uma assessora de imprensa de 46 anos com esclerose múltipla.

No ano passado, ela requisitou esclarecimentos da Justiça para saber se seu marido seria ou não condenado caso a ajudasse a se matar em um estágio mais avançado da doença.

Purdy, que na época havia dito à Folha que as diretrizes eram uma “libertação” para que ela e o marido deixassem de pensar somente em como lidar com a questão, festejou a nova decisão. Em comunicado, afirmou que a Procuradoria fez o correto, mas que ela continuará a fazer campanha para legalizar o suicídio assistido.

O tema está em evidência no Reino Unido após um jornalista da BBC ter confessado, há duas semanas, que sufocou o namorado em fase terminal de Aids. Ray Gosling, 70, foi preso, mas solto em menos de um dia por falta de provas -nem o nome da vítima é sabido.

A prática é crime no Reino Unido, com pena máxima de 14 anos de prisão. Apesar disso, é tolerada e normalmente acarreta penas brandas. Ante o paradoxo, muitos britânicos viajam para a Suíça, onde o suicídio assistido é permitido, para morrer (leia texto ao lado).

“Isso não muda a lei sobre suicídio assistido nem abre a porta para a eutanásia [ato de proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz dores intoleráveis]“, disse o diretor da Procuradoria, Keir Starmer, em comunicado.

“O que ela faz é dar um arcabouço claro para que os promotores decidam quais os casos devem avançar para um julgamento e quais não”, continuou. Ele insistiu, porém, que as avaliações serão caso a caso.

A maior diferença quanto às diretrizes provisórias é que deixou de ser atenuante ajudar um ente querido “com doença terminal, problema físico grave ou incurável ou uma condição degenerativa irreversível” a se matar. Entidades contrárias à prática, como a Care Not Killing, elogiaram a mudança.

São atenuantes a manifestação clara, a partir de decisão informada, do paciente em favor do suicídio; a motivação do suspeito ser apenas compaixão; suas ações serem secundárias para a morte; e o fato de o suspeito ter tentado dissuadir o paciente. Sua colaboração com a polícia e a relutância em ajudar o paciente pesam a favor.

Entre os agravantes, está o fato de o réu ser médico ou enfermeiro do paciente ou de ser um funcionário ou manter relações comerciais com ele; ter recebido dinheiro; ter histórico de relações violentas ou ter pressionado a vítima. O paciente ser menor de idade ou não ter discernimento suficiente para decidir pelo suicídio também conta contra o réu.

“As diretrizes não dão um meio de salvaguardar o suicídio assistido”, disse Sarah Wotton, da organização pró-suicídio assistido Dignity in Dying. “Assim, o suicídio assistido só é uma opção real para os que podem pagar para ir à Suíça.”

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2602201010.htm

Fonte: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/

Um comentário:

Alexandre Silva disse...

É um assunto que necessita coragem para o abordamento. Também perdi minha mãe com câncer, e, tenho certeza que seria um verdadeiro alívio se houvesse a possibilidade de parada do sofrimento. A religião cega é a pior inimiga do homem e tem atrasado o desenvolvimento e portanto a felicidade do ser humano, com seus dogmas e leis absurdas. Deus é amor.