fevereiro 25, 2010

Belo Monte: o lado podre da hidrelétrica


Nota do blog: Relatórios de Impacto Ambiental nesse país deveria ser coisa séria. O fato desse instrumento não comportar a possibilidade de dizer NÃO a certas iniciativas danosas ao ambiente já demonstra que ele serve mais aos interesses do capital predatório do que aos interesses das populações que serão afetadas pelo empreendimento. Estão aí vários exemplos. Enquanto no Amazonas o Movimento SOS Encontro das Águas luta contra a construção de um terminal portuário na região das Lajes (onde desovam os jaraquis que serve como base da alimentação dos manauaras mais pobres), enfrentando a omissão de órgãos públicos que deveriam estar a zelar pelos interesses coletivos, no Pará a luta é contra mais um desastre anunciado: a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. O presidente da república declarou num pronunciamento público em Manaus que deveríamos aprender com os erros da construção da Hidrelétrica de Balbina, no município de Presidente Figueiredo-AM. O governo federal parece não ter aprendido com os erros do passado.

Belo Monte: o lado podre da hidrelétrica
05/02/2010

O governo federal parece finalmente ter conseguido o que tanto queria. Por meio de um estudo de impacto ambiental cheio de lacunas e graves dúvidas, obteve autorização legal para iniciar o leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte. Esta usina é a menina dos olhos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no que diz respeito à geração de energia. Certamente, os próximos meses verão a intensa propaganda – publicidade paga e cobertura jornalística – dizendo que Belo Monte é um projeto salvador, que Belo Monte vai fazer o país crescer, que Belo Monte representa nosso compromisso com energia limpa.

Mas Belo Monte não é nada disso. Ela é, em poucas palavras, um descalabro ambiental de imensas proporções. Este descalabro vai afetar dezenas de milhares de pessoas que habitam as margens do rio Xingu. E, é preciso dizer, vai contribuir com o aquecimento global. Isto porque, ao contrário do que todos tentam nos fazer crer, hidrelétricas não fazem energia limpa. Seus lagos represados apodrecem quantidades monumentais de matéria orgânica sob a água parada. Deles, saem milhões de toneladas de metano (CH4), um gás de efeito estufa ainda mais perigoso do que o gás carbônico (CO2).

Nesta entrevista, o coordenador do Núcleo de Cidadania e Políticas de Reforma Urbana da Fase Amazônia, Guilherme Carvalho, explica diversos aspectos não divulgados sobre Belo Monte. A leitura torna mais fácil entender porque os protestos e manifestações contra o que o povo local chama de “Belo Monstro” são tão fortes. E porque deverão ficar ainda maiores.

O que significa a licença prévia concedida ao projeto de usina hidrelétrica de Belo Monte?

Essa licença dá possibilidade de o governo realizar o leilão. O governo diz que em dois meses vai definir por leilão qual o consórcio vai ficar responsável pela obra. Então essa licença é importante por isso.

Que reação você já sabe que há ou vai haver a esta licença?

Está sendo discutida a possibilidade de entrar com algum tipo de representação internacional, ações na Justiça, os indígenas estão se mobilizando para uma série de atos contra a construção de Belo Monte. Há muita movimentação, tanto em Altamira como em Belém. As organizações da Amazônia estão tentando obter apoio dentro e fora para estas ações. Há, portanto, um processo intenso de mobilização, busca de apoio e aí me parace que o que se desenha são ações em diversas ordens. Do ponto de vista jurídico, seria acessar a Justiça brasileira como no exterior. Há uma série de iniciativas de pressão. Possivelmente, uma das necessidades que vai surgir é ir a Brasília para fazer lobby junto a vários segmentos contra esta licença.

A idéia seria derrubar a licença aprovada pelo Ibama?

A idéia, fundamentalmente, é barrar a realização do leilão. Já se sabe que o governo está preocupado com a possibilidade de não haver disputa. Então eles vão trabalhar para que haja mais de um consórcio disputando. Porque pegaria muito mal para o governo se apenas um consórcio se apresentasse para construir a hidrelétrica. Vão fazer a mesma coisa que tentaram fazer no Complexo do Rio Madeira, em Rondônia. Garantir que, pelo menos na aparência, haja uma disputa entre dois grandes grupos. Para isso, o governo vai utilizar empresas estatais do setor elétrico, fundos de pensão e tudo o mais para viabilizar esta iniciativa.

Qual a possibilidade real de barrar o leilão?

O governo, com a licença dada, vai fazer de tudo para viabilizar o leilão, que é o primeiro passo para construir. O governo tem a estratégia de tentar diminuir a resistência na região tentando comprometer o consórcio vencedor, se vier a acontecer o leilão, com o início imediato após o leilão das obras de mitigação. Normalmente, as obras de mitigação seriam iniciadas um ano e meio depois. O governo quer fazer com que estas obras sejam executadas já a partir do segundo mês. São estradas e outras coisas, porque serão remanejadas cerca de 12 mil pessoas. Uma série de tentativas de quebrar a resistência. E aí vai associar estas ações a uma forte campanha na mídia, como ele já faz no Pará. E a viabilização dos consórcios para o leilão. Tudo isso significa que nós da sociedade civil vamos ter que ter a capacidade de atuar em diversas escalas. No local, com pressão e mobilização de indígenas, trabalhadores rurais, mulheres e outros segmentos. Numa escala estadual, nacional e mesmo internacional tambpem. Porque há empresas como a Suez que já mostrou interesse em participar do consórcio. Nós estamos levantando uma série de denúncias sobre a Suez, que acabou de ser eleita a segunda empresa mais irresponsável do mundo na Suíça exatamente por causa das obras da usina de Jirau, no rio Madeira. Vamos ter que fazer alianças com movimentos sociais de outros países, onde estas empresas têm atuação, para que possamos ter apoio nesse processo de denúncia para a sociedade global.

Esta não é uma luta amazônica, é nacional e até global. Como os brasileiros que não vivem na Amazônia podem apoiar?

Eu acho que existem diversas formas: desde o lobby e o uso da internet para fazer pressão sobre o Ministério Público, Ministério de Minas e Energia e a própria Presidência da República. Manifestações em relação a isso, e também atos públicos nos estados. E também mostrando soidariedade aos movimentos da região. É bom que se diga que um dos grandes problemas que enfrentamenos na região é que as principais lideranças que se opõem a Belo Monte, em particular as mulheres, estão sendo ameaçados de morte. Garantir não somente a luta contra Belo Monte é importante, mas é preciso garantir que nada aconteça em relação à vida e à integridade física destas pessoas. A gente tem denunciado casos concretos de perseguição por parte de interessados no projeto. Ameaças vindas de empresas como a Andrade Gutierrez, que já teve foco de conflito lá com a gente.

A região da Volta Grande do rio Xingu seria a mais afetada pela construção da barragem?

A Volta Grande vai ser muito afetada pela construção de um canal que vai desviar a água do rio Xingu. As famílias indígenas e ribeirinhas que moram ali seriam extremamente afetadas com a queda acentuada do volume de água que passaria a circular por lá, comprometendo a vida destas famílias tanto no que diz respeito a transporte como no que toca à cadeia alimentar. Esse é um grande problema. Tem coisas que não estão bem explicadas. A construção deste canal vai significar a movimentação de milhões e milhões de metros cúbicos de terra e detritos. Ninguém sabe o que vai ser feito com isso. A Volta Grande vai ser afetada com a redução do volume de água, principalmente.

Mas a barragem está planejada para outra área?

Como o nome diz, é uma volta. Antes da curva da volta, se constrói um canal para desviar água. E esse canal vai justamente desaguar onde vai ser construída a barragem. Vai aumentar a vazão para poder movimentar as turbinas. Essa parte da volta vai ficar afetada pela redução do volume de água.

Sabe-se aproximadamente quantas pessoas serão atingidas pelas obras de Belo Monte?

O próprio governo admite que serão 12 mil pessoas atingidas diretamente. Mas é muito mais, porque o próprio estudo do painel de especialistas mostra que várias comunidades não foram consideradas como passíveis de ser atingidas pelas barragens. O número de afetados será muito maior do que o número que o governo divulga.

A cidade de Altamira vai ter mesmo uma parte de seu território submerso?

Parte da cidade vai ficar permanentemente submersa. Uma série de praias vai desaparecer. Uma preocupação da população de Altamira é que recentemente houve um problema grave, no último inverno. Havia algumas barragens clandestinas construídas, e com as chuvas essas barragens romperam. Inundou um terço de Altamira muito rapidamente. Alguns estudiosos afirmam que se a hidrelétrica construída a conseqüência seria muito mais grave do que aquele acidente, porque aí a água efetivamente não teria para onde correr. Vai pegar um conjunto grande de moradores que vive à beira do rio. Vivem na cidade de Altamira um pouco menos de 100 mil pessoas.

O governo argumenta em favor das hidrelétricas dizendo que é a forma mais limpa de produzir a energia elétrica. O que não se fala é que a hidreletricidade não é limpa. A luta contra Belo Monte esclarece os males intrínsecos ao modelo hidrelétrico?

É o principal argumento. O governo usa argumentos padronizados. Um é o de que a energia é limpa, coisa que foi derrubada por estudos como o do professor Philip Fearnside, do Inpa de Manaus, mostra justamente o contrário: as hidrelétricas produzem gás metano em altas concentrações e grande quantidade. Significa uma incidência enorme nmo efeito estufa. Segundo, de que a área inundada será pequena. De fato, em relação a outras barragens, será pequena. Ocorre que, e essa é a questão central, a hidrelétrica de Belo Monte é inviável economicamente. Porque ela vai ficar peo menos seis meses do ano com as turbinas paralisadas por falta de água suficiente para movimentá-las. É, portanto, uma necessidade econômica que outras barragens sejam construídas ao longo do rio Xingu para viabilizar a hidrelétrica. Aí o governo diz que isso não é verdade. Mas isso já está provado que é, por conta da enorme variação do rio Xingu. Suas variações entre seca e cheia são muito grandes. E o nível médio será incapaz de movimentar as turbinas no verão amazônico, o período de seca. O projeto, cujo valor alguns dizem que é de R$ 30 bilhões e o governo diz que é R$ 19 bilhões, não se viabiliza economicamente sem outras barragens. O que significa que essa área de cerca de 500 quilômetros quadrados vai aumentar exponencialmente com a construção dessas outras barragens.

500 quilômetros quadrados é o que o governo admite para o lago de Belo Monte?

Sim, mas deverá ser muito maior por conta das outras barragens. Depois de Belo Monte construída, como vai se justificar a não construção de outras barragens quando a sociedade se der conta de que ela vai ficar seis meses paralisada? Belo Monte é a forma de viabilizar todas as outras que vêm junto.

Com relação à eleição de 2010, estas questões serão colocadas no debate eleitoral, já que o meio ambiente virou um tema da moda? Há expectativa de que um debate como esse seja feito?

Não creio. Do ponto de vista da esquerda, tanto no Brasil como no mundo, ela se rendeu a duas fatalidades (pelo menos eu encaro como fatalidades). A primeira é que ela perdeu qualquer referencial de utopia. Não existe mais uma perspectiva futura que oriente e alimente a militância. Segunda, vinculada a essa, o lugar vazio desta utopia foi ocupado por uma visão do desenvolvimento unicamente como crescimento econômico. Esta passou a ser a utopia. A esquerda se tornou algo que se imagina como associada fundamentalmente à idéia de crescimento econômico. Mas isso não é uma realidade só no Brasil, é bem mais ampliada. Essa idéia de desenvolvimento extrapolou o debate econômico. Ela se tornou uma peça ideológica na medida em que todos os setores que questionam este modelo são rechaçados. Não só porque são contra o desenvolvimento, mas porque são considerados atrasados e devem ser colocados à margem. O debate sobre desenvolvimento econômico acaba sendo um elemento em que se distinguem política e ideologicamente os setores. Aqueles que se posicionam contra são considerados contra também do ponto de vista político e ideológico. Do meu ponto de vista, este é o momento que vivenciamos. Quando, portanto, segmentos da sociedade civil se colocam contrários ao empreendimento, são considerados efetivamente como adversários não só do empreendimento, mas como adversários políticos e ideológicos destes setores que estão hoje à frente do governo. O grande problema é que alguns segmentos que antes também defendiam nossa posição de questionamento do modelo hoje aderiram à idéia desenvolvimentista pelo crescimento econômico. Hoje, o debate sobre desevolvimento no Brasil e outras partes do mundo passou a ser o debate que distingue os setores da sociedade política e ideologicamente. Por isso eu não espero que a eleição se constitua como momento desse debate. Nós vamos fazê-lo, mas não vai ser essa a questão. Mesmo porque, há muita semelhança do ponto de vista macroeconômico entre a oposição e a situação no Brasil. Nesse sentido, a eleição, em termos de reforço a essa idéia, sou pessimista. Acho que é uma oportunidade, vamos levantar a questão, mas não estará colocada na pauta.

Fonte: FASE - http://www.fase.org.br/v2/

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