PICICA: "Num evidente incentivo aos militares para que avaliem melhor o seu comportamento durante a construção da Br-174, o general aposentado, Altino Berthier Brasil, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, chefe de gabinete do ex-secretário do Meio Ambiente, José Lutzenberger, em livro entitulado “O Pajé da Beira da Estrada” e dedicado “ao anônimo irmão Waimiri-Atroari, cujo cadáver mal enterrado deparamos, muitas vezes, pela frente”, escreve:
“Ninguém ignora a importância do fator psicológico dentro do contexto de qualquer contenda... Tanto se falava nos massacres praticados pelos Waimiri-Atroari que mesmo a pessoa pouco identificada com a saga daquele povo dentro da história era persuadida a adotar a ideologia do ódio...
Assim, a opinião pública, devidamente manipulada, aplaudia o avanço da estrada a qualquer preço, apesar dos selvagens. Poucos eram aqueles que vestiam a pele do índio e analisavam o problema com isenção e sabedoria. Era fácil e relevante estar do lado mais forte. Ser índio ou defender sua causa era ignorância – pura subversão. Qualquer crítica ou simples ponderação eram recebidas como execrável falta de patriotismo”.
2000 Waimiri-Atroari Desaparecidos Durante a Ditadura Militar – Texto 5
FUNAI Sabia da Crueldade dos Militares: consciências abafadas e reprimidas
Durante a construção da BR-174, todas as pessoas da FUNAI que tiveram alguma autoridade e atuação nesta região, sabiam da crueldade dos militares contra os índios Waimiri-Atroari. Quando não integraram diretamente a ação dos militares, se omitiram. Alguns participaram de reuniões com os militares, onde foi decidido o uso de violência e até de armas de fogo para reprimir os índios. Outros tiveram em mãos documentos oficiais elaborados de comum acordo entre a FUNAI e o Exército, que determinavam a repressão violenta contra os Waimiri-Atroari e os mantiveram sob sigilo até que a resistência dos índios estava aniquilada. Além de esconderem da opinião pública esses documentos ajudaram a manter os jornalistas, os pesquisadores e o movimento popular, principalmente o CIMI que denunciavam as atrocidades do governo, distantes dos acontecimentos.
Os funcionários que tentaram abrir o jogo, como Apoena Meirelles, não permaneceram por muito tempo no cargo. Depois que deu entrevista ao Jornal Opinião do Rio de Janeiro em 17 de janeiro de 1975, onde afirmou que funcionários da FUNAI tiveram participação ativa na violência contra aquele o povo Waimiri-Atroari, o seu afastamento da área não se fez esperar.
“Em todos os conflitos – afirmou Apoena na entrevista ao Jornal Opinião - houve baixas de ambos os lados. Em Brasília todos pediam que eu tivesse cuidado com os traiçoeiros Waimiri-Atroari. Mas a estória é outra, e chegamos mesmo a mentir à opinião pública nacional, não contando a verdade dos fatos que levam esses índios a trucidar as expedições pacificadoras... é a estrada que corta a sua reserva, proliferando o ódio e a sede de vingança contra o branco invasor, foram os assassinatos praticados pelos funcionários da FUNAI durante os dois últimos conflitos.”
“Os Waimiri-Atroari tombaram no silêncio da mata e foram sutilmente enterrados e esquecidos no espaço e no tempo. Hoje em dia vamos em missão de paz, de amizade com os índios, mas na verdade estamos é trabalhando como pontas de lança das grandes empresas e dos grupos econômicos que vão se instalar na área. Para o índio fica difícil acreditar em missão de paz se atrás de você vem um potencial de destruição ecológica.”
Milton Lloli, outro funcionário da FUNAI que em tempo oportuno ergueu a voz e denunciou: “os índios (Waimiri-Atroari) estão sendo humilhados, feridos em seus princípios tribais, daí a revolta, a ânsia de matar o branco. E a única maneira de vingarem a morte dos seus antepassados e guerreiros é matando o pessoal da FUNAI, que para eles mentem e procuram afastá-los de sua comunidade, de sua tribo.
Os Waimiri-Atroari hoje vivem de forma aleatória e essa situação complicou-se mais ainda devido unicamente aos processos de pacificação impostos pela funai, que não oferece às tribos as mínimas condições de sobrevivência, pelo contrário, está levando-os ao extermínio”. (A Critica” de 4 de março de 1975).
Milton LLoli foi demitido pelas autoridades da FUNAI que temiam “que muitas verdades sobre os seus erros de pacificação dos índios fossem a público, o que comprometeria toda a estrutura do órgão.”.() Não contente em demiti-lo, essas autoridades da FUNAI apresentaram Lloli à opinião pública como “analfabeto” e “débil mental”. No caso Lloli a relação entre os objetivos da FUNAI e os do regime militar eram tão evidentes que a sua demissão foi assinada pelo representante da FUNAI e pelo comandante militar da 1ª Companhia do 6º BEC.
Ângela Baptista, antropóloga da Divisão de Identificação e Delimitação/DGPI/FUNAI, encarregada de fazer o levantamento da área Waimiri-Atroari em 1981, no seu parecer conclusivo pergunta: “como dar ou tirar terra de um grupo indígena se não temos conhecimento de sua realidade sócio-economica, política, cultural, cosmológica... Como justificar uma área se não sabemos que locais os indígenas utilizam para a caça, a pesca, agricultura de subsistência...” Ao final se posicionou contra o plano da Funai de desmembrar a parte Nordeste-Leste da Reserva para a Mineradora Paranapanema. No dia seguinte à entrega de seu relatório foi despedida do órgão.(2)
Num evidente incentivo aos militares para que avaliem melhor o seu comportamento durante a construção da Br-174, o general aposentado, Altino Berthier Brasil, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, chefe de gabinete do ex-secretário do Meio Ambiente, José Lutzenberger, em livro entitulado “O Pajé da Beira da Estrada” e dedicado “ao anônimo irmão Waimiri-Atroari, cujo cadáver mal enterrado deparamos, muitas vezes, pela frente”, escreve:
“Ninguém ignora a importância do fator psicológico dentro do contexto de qualquer contenda... Tanto se falava nos massacres praticados pelos Waimiri-Atroari que mesmo a pessoa pouco identificada com a saga daquele povo dentro da história era persuadida a adotar a ideologia do ódio...
Assim, a opinião pública, devidamente manipulada, aplaudia o avanço da estrada a qualquer preço, apesar dos selvagens. Poucos eram aqueles que vestiam a pele do índio e analisavam o problema com isenção e sabedoria. Era fácil e relevante estar do lado mais forte. Ser índio ou defender sua causa era ignorância – pura subversão. Qualquer crítica ou simples ponderação eram recebidas como execrável falta de patriotismo”. 1
A FUNAI como órgão do governo nunca foi a favor do índio. Nunca lutou pela garantia de suas terras, contra os grandes projetos que o Governo implantava em áreas indígenas. Nunca foi a favor de sua autonomia e nem de sua cultura. Sua política sempre foi integracionista. Toda a vez que o Governo cria um grande projeto na Amazônia em terras indígenas, o índio é visto como “empecilho” e como tal, afastado do caminho. E a FUNAI sempre colaborou nesta ação do Governo. Da BR-174, Mineração Taboca e Hidrelétrica de Balbina em terras Waimiri-Atroari, aos tempos de Belo Monte em terras Kayapó, a atitude dos dirigentes da FUNAI não mudou.
O que a FUNAI, como órgão do Governo fez a favor do índio em toda a sua história, foi feito sob a pressão e o empenho dos próprios índios, animados pela teimosa parceria do movimento popular e de jornalistas que acreditaram na sua causa.
Casa da Cultura do Urubuí, 06 de fevereiro de 2012
Egydio Schwade
Fonte: Casa da Cultura do Urubuí
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