fevereiro 12, 2012

"PT: Entre Aeroportos e o PSD", por Hugo Albuquerque


PT: Entre Aeroportos e o PSD


PICICA: "(...)o quadro tenebroso da política nacional atual. Enquanto o PSDB chafurda em uma briga interna lamentável e se move para a extrema-direta, Dilma, embora não seja uma liderança propriamente partidária, não deixa de interferir diretamente nos rumos do PT e tem feito isso mau. Por outro lado, as demais forças de esquerda parecem torcer para que esse tipo de interesse prevaleça na briga interna para, assim, poderem denunciar o partido com mais força - quando deveriam estar trabalhando para construir um projeto efetivo."
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Durante a semana, dois temas fundamentais atravessaram o Partidos dos Trabalhadores: o primeiro é a polêmica sobre a concessão, feita pelo governo federal, de três aeroportos de grande porte, o segundo é a possibilidade de aliança do PT com o PSD nas eleições de São Paulo capital, este ano. Diretamente e indiretamente, os dois movimentos têm o dedo de Dilma Rousseff, são contraditórios com a História do PT e são significativos quanto aos rumos do partido.

Sobre as concessões, não, isso não é o mesmo que "privatizar", mas nem por isso trata-se de um processo defensável. Dizer que os aeroportos estão ruins porque o Poder Público é incapaz de lidar com eles é falso, uma vez que eles ficaram ruins justamente porque as autoridades que os largaram de lado são as mesmas que, agora, os estão concedendo para a iniciativa privada - não falta proatividade para nada, mas sim sobra na omissão e na ação.

Meu problema com concessões não é que eu vejo como negativo a diminuição do Estado, mas  sim exatamente o contrário: Conceder para a iniciativa privada, ou privatizar algum bem estatal, não diminui o Estado, apenas o tira das mãos dos representantes eleitos e dos funcionários concursados e indicados para dar-lhe para uma tecnocracia terceirizada, imune diretamente aos interesses sociais.

Quando FHC diz que o Estado não diminuiu no seu governo, ele não está mentindo: o Estado só passou de mãos, ele não foi substituído por outra coisa - pois uma coisa é determinada pelo que ela faz, não existe um "ser" num sentido essencial, portanto a forma-Estado (eu prefiro falar em "função-Estado") continua lá. Usar a ineficiência tradicional do Estado brasileiro é um mau argumento, pois ela remota a ditadura e ao que veio antes, estando intrinsecamente ligada a falta de participação social concreta na política.

Nada mais cômodo do que isso. Se o Estado brasileiro durante a ditadura estava nas mãos de técnicos a serviço de uma oligarquia, com a democracia (mesmo representativa), velhos interesses de classe precisavam ser garantidos, tirando, assim, empresas públicas e demais organismos estatais do raio de alcance legal que os cidadãos passaram a ter com a democracia.

Esse tipo de processo acontece de todas as formas no Brasil de Collor para cá - com mais ou menos velocidade -, seja por meio de leilões mais ou menos legais ou, de forma obscura e tácita: o que dizer da relação promíscua do poder público carioca (municípios e governo estadual) com as milícias - que fazem às vezes da polícia, só que bem longe dos direitos e garantias da democracia - ou das autoridades paulistas com a forma como o PCC, na prática, administra seus presídios?

Naturalmente, aqui não segue nenhuma defesa de que o sistema de 1988 por si só, é politicamente suficiente, o que está em jogo aqui é precisamente as sementes de democracia participativa contidas naquela carta, que podem trazer, por elas mesmas, a efetiva superação do Estado pela construção de um novo modo de organização político.

Conceder aeroportos - o que já estava posto no debate público há tempos, pois nunca foi segredo por parte de Dilma - não é diminuir o Estado, mas apenas apenas mudar sua relação na administração daqueles espaços, concedendo a execução das políticas públicas naqueles espaços para a iniciativa privada conforme seus interesses (de classe) - ainda que balizados pelo poder público. 

Isso destoa da tradição petista de, na prática, fortalecer o poder estatal para esvazia-lo: o projeto democrático-popular sempre girou em torno da adoção de mecanismos de participação direta para a formulação de políticas públicas - como visto em questões como o orçamento participativo em várias prefeituras petistas. Dilma, petista recente, esteve alheia dessa construção e assim permanece. 

No caso (ou ocaso) das eleições paulistanas, a crise da esquerda local - liderada e quase monopolizada pelo PT - parece não ter fim desde o governo Marta (2000-04). O jogo para  as eleições de 2012, que envolveu a esquerda do partido - que pautava Haddad em sua maioria -, os governistas - que preferiam o comodismo de apoiar um candidato "da base" - e os grupos dos eternos candidatos - Marta e Mercadante - não poderia ser menos duro. Ganhou Haddad, um híbrido que sempre transitou entre a esquerda do partido e a cúpula do poder petista com singular habilidade, mas não sem atritos. 

O que impressiona, agora, é a articulação do governo federal, sobretudo da parte de Dilma, em forçar a formação de uma chapa de Haddad com o PSD. Isso atende ao interesse do impopular prefeito paulistano - também criador e ideólogo-mór da sigla - Gilberto Kassab, que viu sua jogada brilhante de rachar o DEM fazer água graças aos rumos dos confrontos internos PSDB - ele sonhava em compor chapa com Serra ou sair apoiado pelo PSDB sob o comando dele, mas nada disso deu certo, pois o ex-candidato presidencial tucano está afundando.

É evidente que de qualquer ponto que se veja essa aliança, ela só faz sentido para o interesse imediatista do governo federal em ter mais um partido, o PSD, na base aliada do Congresso. Nem mesmo do ponto de vista mais eleitoreiro isso faz sentido: Kassab derrotou os petistas de forma brutal há quatro anos, mas fez um governo horrível cujas implicações poderiam perfeitamente (e com justiça) serem usadas como arma de campanha do PT ou de qualquer partido governista. Da perspectiva de projeto político, nem preciso falar o que Kassab representa.

Enquanto Dilma tecia loas a Kassab no 25 de Janeiro, o fatídico aniversário de São Paulo logo em cima do massacre da comunidade do Pinheirinho - pelo governo estadual do qual Kassab e seu grupo fazem parte, diga-se de passagem -, Haddad sequer fez questão de comparecer à cerimônia, mas a sombra dessa aliança continuou a pairar sobre sua candidatura de lá para cá

Para Dilma, tudo é muito cômodo, uma vez que ela não vê importância em uma mudança de política em São Paulo ou de fortalecimento do PT - o que é preocupante -, não é ela a candidata e sua preocupação só parece dizer respeito a votos no Congresso para aprovação de projetos imediatos. Se ela ignora os impactos disso entre os petistas de São Paulo, ou  está muito mal-informada ou é isso que ela quer. Porque, dentro da política paulistana, aliar-se a Kassab é como colocar um gato morto debaixo do seu chapéu para vê se dá sorte: além de não ajudar, você ainda paga por um mau cheiro que não é seu.

Isso tudo fecha o quadro tenebroso da política nacional atual. Enquanto o PSDB chafurda em uma briga interna lamentável e se move para a extrema-direta, Dilma, embora não seja uma liderança propriamente partidária, não deixa de interferir diretamente nos rumos do PT e tem feito isso mau. Por outro lado, as demais forças de esquerda parecem torcer para que esse tipo de interesse prevaleça na briga interna para, assim, poderem denunciar o partido com mais força - quando deveriam estar trabalhando para construir um projeto efetivo.

E as coisas na política brasileira, cada vez mais, se passam nos bastidores e em pequenas conspirações com uma Presidenta que insiste em agir como o Stalin de Isaac Deutscher: envolta em uma junção de mistério e autoridade, ela se move pelas sombras, tecendo alianças em nome de uma realpolitik, a bem da verdade, muito pouco real, enquanto tem, mais do que qualquer líder recente, o espaço de manobra para fazer muito mais e melhor.  

Fonte: O Descurvo

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