fevereiro 08, 2012

Pela desmilitarização das polícias


PICICA: "(...)“incorreções” ou imprecisões na própria Carta Magna reforçam a vigência de um Estado policialesco no Brasil. Como explica a juíza de direito aposentada Maria Pereira Lucia Karam, com  a permanência das polícias militares estaduais como forças auxiliares e reserva do Exército, conforme estabelecido no § 6º do artigo 144 da Constituição Federal, contribui para desvios e abusos no exercício de suas funções de policiamento ostensivo e preservação da ordem pública, funções essas previstas no § 5º do mesmo artigo 144 da Constituição Federal”. 

Segundo ela, o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, atividades típicas de polícia, não se coadunam com a organização militarizada em que se estruturam as polícias militares. “Uma Emenda constitucional que promova sua re-estruturação e unificação com as polícias civis faz-se necessária e urgente”, defende."

A urgente necessidade de desmilitarizar as polícias

Constituição, raízes ideológicas e “guerra ao tráfico” reforçam pensamento “militaresco” da segurança pública
 23/11/2011

Eduardo Sales de Lima
da Redação

Afinal, qual é o papel da polícia na sociedade? Levando-se em conta somente este ano, saltam aos olhos que as ações das polícias militares estaduais têm sido carregadas de “excessos”. A violência policial ficou evidenciada sobretudo nas respostas às manifestações políticas públicas (tendo a Marcha da Maconha como exemplo, quando jornalistas foram feridos por policiais), nas conturbadas relações entre policiais e moradores de comunidades pobres das grandes cidades brasileiras e, mais recentemente, na desocupação do prédio da reitoria da USP. 

De arma em punho, policial do Batalhão de Choque da PM revista
carro de morador da Rocinha - Foto: Rafael Andrade/Folhapress
Digno de estupefação, o último exemplo desse “status quo” policial veio do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Nesta terça-feira (22), ele nomeou para comandar a ROTA um dos 116 acusados do massacre do Carandiru, em 1992. Trata-se do tenente-coronel Salvador Modesto Madia. 

Por essas e outras, ganha força o debate acerca da desmilitarização de nossas polícias estaduais. Como lembrou o juiz de Direito Luiz Fernando Vidal, na edição 438 (julho deste ano) do Brasil de Fato, é fundamental considerar a Polícia Militar conforme o contexto político dado pelo governante, e não apenas como instituição autônoma.“É preciso parar de dizer que os erros e arbitrariedades da polícia ocorrem à revelia dos que governam e comandam o poder do Estado. É o governante quem tem o poder de orientar, e assim ele responde pelos atos da policia”, analisou. Não obstante, “todo o organismo tem uma certa autonomia da ação”, como acrescenta Ângela Mendes de Almeida, coordenadora do Observatório de Violências Policiais, da PUC-SP). 

Constituição


Porém, “incorreções” ou imprecisões na própria Carta Magna reforçam a vigência de um Estado policialesco no Brasil. Como explica a juíza de direito aposentada Maria Pereira Lucia Karam, com  a permanência das polícias militares estaduais como forças auxiliares e reserva do Exército, conforme estabelecido no § 6º do artigo 144 da Constituição Federal, contribui para desvios e abusos no exercício de suas funções de policiamento ostensivo e preservação da ordem pública, funções essas previstas no § 5º do mesmo artigo 144 da Constituição Federal”. 


Segundo ela, o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, atividades típicas de polícia, não se coadunam com a organização militarizada em que se estruturam as polícias militares. “Uma Emenda constitucional que promova sua re-estruturação e unificação com as polícias civis faz-se necessária e urgente”, defende.


Ideologia 


“ Não há despreparo. Há um preparo para abordar de forma truculenta, torturar, e criminalizar os movimentos sociais”. A indignação de Ângela Mendes de Almeida, coordenadora do Observatório de Violências Policiais, da PUC-SP), se dá, agora, pelo que ocorreu no caso da desocupação da reitoria por estudantes, em que foram deslocados até helicópteros. “É a mesma coisa que fazem no Rio, para invadir o morro da Rocinha e do Alemão; é para o público ver, um espetáculo”, critica Ângela. 


Os mais desavisados defendem que o conjunto do policiamento militar no Brasil cometa excessos por despreparo. Mas corriqueiramente, nossos policiais, por ato contínuo, põem a mão na arma a torto a direito, até mesmo em manifestações políticas. André Takahashi, integrante do grupo “Armas menos letais”, lembrou na edição 438 do Brasil de Fato que no dia 17 de julho, num ato contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e a aprovação do novo Código Florestal, na região da avenida Paulista, com “o simples ato de sentarmos no asfalto, essa [colocar a mão na arma] foi a primeira reação dos policiais”, relata. 


Quando Gilberto Maringoni, no artigo “Os princípios da PM Paulista”, “desconstruiu” o brasão da instituição para explicar alguns de seus significados, lançou luz na própria história da repressão aos movimentos populares em nosso país. “Há exaltação ao golpe de 1964 e a repressão a três mobilizações populares (Canudos, Revolta da Chibata, Greve de 1917)”, se referindo a algumas estrelas que compõem o brasão. “Manter um símbolo exaltando a repressão sangrenta e covarde a manifestações democráticas é um acinte à democracia”, escreveu. 


Hoje, tantos os movimentos sociais organizados quanto os pobres são os criminalizados da vez. Os elementos que invadem as mentes e os corações de nossos policiais militares e de seus comandos se atualizam. “Essa polícia foi criada pela ditadura e trabalha com a ideia de um inimigo interno. Como esse inimigo não pode mais ser mais a esquerda porque não existe mais a ex-URSS, agora são os pobres. Não é uma mentalidade de um Estado democrático de direito, e sim da ditadura, da primeira República e assim por diante”, explica Ângela Mendes de Almeida. 


Guerra


Segundo a juíza de Direito Maria Lúcia Pereira Karam, no momento atual, a proibição das “arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas” é o motor principal da militarização das atividades policiais. “O paradigma bélico, explicitamente retratado na expressão 'guerra às drogas', torna a atuação do sistema penal ainda mais violenta e excludente”, aponta Maria Lúcia.  


Na “luta contra as drogas”, o “criminoso” se torna o “inimigo”. Ora, numa guerra, quem deve “combater” o “inimigo”, deve eliminá-lo. “Os policiais brasileiros são formal ou informalmente autorizados e mesmo estimulados, por governantes e por grande parte da sociedade, a praticar a violência, a tortura, o extermínio. Basta pensar que o 'cinematográfico' Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro tem como símbolo uma caveira”, ilustra a juíza de Direito aposentada, Maria Lúcia. 


Assim, para ela, a chamada “guerra às drogas” como motor da militarização das atividades policiais, não se dirige efetivamente contra as drogas, e sim contra pessoas. Ou seja, os produtores, comerciantes e consumidores das arbitrariamente selecionadas substâncias tornadas ilícitas. “Mas é ainda mais propriamente uma guerra contra os mais vulneráveis dentre esses produtores, comerciantes e consumidores. Os 'inimigos' nessa guerra são os pobres, não-brancos, marginalizados, desprovidos de poder, como os vendedores de drogas do varejo das favelas brasileiras, demonizados como 'traficantes', ou aqueles que a eles se assemelham, pela cor da pele, pelo local de moradia, pelas mesmas condições de pobreza e marginalização”, argumenta a juíza. Ela pontua que no Rio de Janeiro, mantém-se a média de um em cada cinco homicídios (travestidos em “autos de resistência”) praticado por policiais em operações nas favelas.


De acordo com Ângela Mendes, a polícia age ilegalmente por aqui não só quando matam ou torturam, mas também no que se refere a “encaminhamentos burocráticos”. Age ilegalmente do ponto de vista das leis brasileiras. “Em todos esses enfrentamentos, que eles chamam de resistência seguida de morte, não existe perícia. Em qualquer lugar do mundo, quando alguém morre, é preciso fazer perícia”, aponta.
Para Ângela Mendes, as corregedorias de polícia deveriam ser independentes. “Elas são internas justamente para não deixar passar algumas coisas mais visíveis, escandalosas, apenas, e controlar aquilo que sai. Nada acontece com os agressores, pois eles julgam-se a si mesmos”, arremata.


Mudança


A juíza de direito Maria Lúcia Pereira Karam defende que um dos passos para uma efetiva desmilitarização da atividade policial, para afastar o paradigma bélico da atuação do sistema penal, é a mobilização para pôr fim à “guerra às drogas” e substituir a proibição por um sistema de legalização e consequente regulação da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas. 

Mais do que isso. A juíza de Direito Maria Lúcia Pereira Karam vai além. Para ela, existe um problema cultural entre as corporações e que perpassa diversos setores da sociedade. “A desmilitarização passa por uma nova concepção das ideias de segurança e de atividade policial, que não se limita a essa necessária promoção de uma reestruturação e unificação das polícias estaduais. Ao afastar o paradigma bélico, que possa resgatar a ideia do policial como agente da paz, cujas tarefas primordiais sejam a de proteger e prestar serviços aos cidadãos”, explica. Por isso, segundo ela, a adoção dessa nova concepção não depende apenas de ações internas nos cursos de formação dos policiais e na atuação das corregedorias. É preciso que essa nova concepção seja, antes de tudo, “adotada pela própria sociedade e exigida dos governantes”, pontua.


Na mesma linha, como já lembrou o juiz de Direito Luiz Fernando Vidal, na edição 438 (julho deste ano), urge a revolução cultural dentro de uma sociedade, que é, desde há muito, “tristemente seduzida por uma farda e um coturno”. Ele disse à época: “a polícia militar deve ser extinta”.


Fonte: Brasil de Fato

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