Andreia, de "Canhão-Poranga", entre seus companheiros da Rede de Amizade & Solidariedade, durante exercício preparatório para encenar uma das peças da Companhia de Teatro 'Cururu de Tanga' na luta contra o preconceito social
Foto: Rogelio Casado - Manaus-AM, 1997
Valeu, Andreia!
Às 20h30 do dia 24 de janeiro Andreia Costa da Silva nos
deixou. Corria os primeiros anos da década de 1990 quando nos conhecemos no
então Instituto de Medicina Tropical. Ali, exilado, depois da minha “expulsão”
do hospício por “subversão da ordem médica”, desde 1993 atendia pessoas
soropositivas para o HIV, de onde só sairia para dirigir o Hospital de Custódia
e Tratamento Psiquiátrico, em 1998. Da primeira experiência trazia um fracasso
que não repetiria: a organização dos usuários. Com a ajuda de vários
companheiros criei a Rede de Amizade & Solidariedade às Pessoas com
HIV/aids, conseguindo abrigo nos porões do Conselho Regional de Economia, por
intermediação do economista Juacy Botelho, meu amigo de juventude. Andreia
estava entre os fundadores. Moça de origem humilde, nada tinha a perder num
cenário em que o sistema público de saúde era incapaz de oferecer respostas
adequadas aos problemas que vinham junto com a expansão da epidemia de HIV/aids,
entre eles a reprodução do preconceito. Para além das questões históricas e
políticas, o fato é que o principal dilema dos soropositivos era viver ou
morrer numa época em que ainda não havia o “coquetel” de antiretrovirais. A
oferta da nova geração de antiretrovirais iria mudar o panorama da epidemia somente
no limiar daquela década, para ser mais exato a partir de 1997, ano em que a
Rede de Amizade & Solidariedade nasceu juridicamente assumindo a dimensão
dos direitos humanos como uma questão central no seu processo de organização,
nela incluídos a defesa de direitos e a luta contra o preconceito e a
discriminação.
Vi Andreia nascer como cidadã. Lutou até o fim da vida por
viver com dignidade, sem a discriminação odiosa que atingiu os soropositivos
como ela. Como fundadora da Rede de Amizade & Solidariedade às Pessoas com
HIV/aids, seu nome se inscreve entre as mulheres que praticaram o duro
exercício de ser cidadã no Brasil.
Guardo com carinho o registro fotográfico onde ela aparece radiante, com sua beleza cabocla, na pele de 'Canhão-Poranga", personagem criada especialmente para ela numa peça que escrevi para a Companhia de Teatro 'Cururu de Tanga', uma forma de responder e desmontar com humor o preconceito que tomava conta do cenário brasileiro. Se havia preconceito, as minorias responderam com a generosidade da solidariedade.
Valeu, Andreia!
Rogelio Casado
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