PICICA: "Na região dos cemitérios visitados habitam populações de
comunidades tradicionais ribeirinhas que historicamente preservam e
defendem suas terras, a floresta, rios e lagos da região e que nos
últimos anos empreendem resistência às ameaças dos impactados que
poderão chegar com a construção de um polo naval e mineral,
empreendimento financiado com recursos públicos e privados que fere
frontalmente direitos sociais, econômicos e culturais garantidos na
Constituição Federal."
Fotografias: Valter Calheiros
*Valter Calheiros
A celebração da vida! É assim que podemos descrever a experiência de participar da visita aos cemitérios do beiradão no dia de finados. Para os ribeirinhos o ato é religioso, cultural, tradição familiar e também a saudade dos familiares ali sepultados. A liturgia da visita conta com orações, cantos, acender velas, limpeza nos túmulos e também colocar a conversa em dia com os amigos que encontrar.
Na região dos cemitérios visitados habitam populações de comunidades tradicionais ribeirinhas que historicamente preservam e defendem suas terras, a floresta, rios e lagos da região e que nos últimos anos empreendem resistência às ameaças dos impactados que poderão chegar com a construção de um polo naval e mineral, empreendimento financiado com recursos públicos e privados que fere frontalmente direitos sociais, econômicos e culturais garantidos na Constituição Federal.
Para registrar a relação dos ribeirinhos e o valor que conservam aos cemitérios, um grupo de pessoas do Movimento Socioambiental SOS Encontro das Águas, juntamente com ribeirinhos das diversas comunidades, nos dias 01 e 02 de novembro visitaram quatro cemitérios da região, localizados na Comunidade São Francisco do Mainã, Jatuarana, Nossa Senhora do Carmo na Comunidade Bom Sucesso e um pequeno cemitério na beira do rio com aproximadamente 20 túmulos ainda preservados e outros com restos de túmulos espalhados na praia. O pequeno cemitério está localizado na região conhecida como Tabocal, sem identificação, mas conhecido por cemitério do Barriga, onde no passado, segundo os comunitários, o cemitério possuía um terreno que media mais de 50 metros de comprimento, mas com a queda do barranco, hoje resta pouco mais de 05 metros.
Aproveitando a visita dos familiares aos túmulos, no cemitério da Comunidade do Jatuarana os comunitários realizaram coleta de assinaturas para um ABAIXO-ASSINADO que será encaminhado ao prefeito de Manaus. O documento reivindica a contratação de pessoal para realizar as atividades de conservação e atendimento aos comunitários, como também melhorias no terreno que está desmoronando em direção ao rio.
A celebração de finados nos cemitérios da zona rural, talvez seja o acontecimento que mais movimenta as desta região, que com os mais diversos e disponíveis meios de transporte, como canoas a remo, canoa com motor de rabeta, lanchas rápidas e barco de recreio, transforma o rio Amazonas, Negro e Solimões em um caminho com apenas um destino: os cemitérios do beiradão. A visitação aos cemitérios conta com a presença de famílias que hoje residem em Manaus, especialmente nos bairros da Colônia Antonio Aleixo, Puraquequara, Mauazinho, Zumbi e São José.
Mas, a maior participação é de famílias de ribeirinhos das mais de vinte comunidades da margem esquerda do rio Amazonas, a começar pelos que residem no Mainã, Jatuarana, Assentamento Nazaré, Costa do Tabocal, Bom Sucesso, até a comunidade do Tiririca localizada nas proximidades do Rio Preto da Eva. Outros tantos visitantes são de ribeirinhos das comunidades da margem direita do rio Amazonas, vindos do Terra Nova, Marimba, Imbauba, Lago do Reis, Xiborena e dos municípios do Careiro Castanho, Careiro da Várzea e Iranduba.
O dia de alumiação, como é chamado pelos ribeirinhos mais idosos, traz um grande número de visitantes, transformando os cemitérios em um espaço de encontro e confraternização das famílias.
A presença de muitas pessoas proporciona aos ribeirinhos a geração de uma renda extra com a venda de alimentos. Nas barracas montadas na frente dos cemitérios os visitantes encontram uma variedade de guloseimas como bolo, bôla, pudim, dindin, trufas, mingau, pé de moleque, frutas diversas, refrigerante, água gelada, sucos, cerveja e para o almoço churrasco de frango, carne de boi e peixe assado com farinha e arroz.
No evento de finados a saudade aflora e transforma o cemitério num lugar de encontro intimo de idosos, adultos, jovens e crianças das famílias. O ato torna a vida mais intensa e o retorno ao local da última morada de seus entes queridos faz lembrar as histórias, causos, memória dos acertos e defeitos dos que já se foram.
Ao final de um dia vivido com intensas emoções, as famílias voltam à centenária rotina dos seus afazeres no roçado, na criação de galinha e gado, ao conserto de sua canoa e ao remendo na malhadeira para a pescaria. No retorno ao sossego do lar o caboco carrega no coração a esperança de que, se o barranco não cair muito, voltará no próximo ano para rever no Campo Santo os parentes vivos e prosear sobre a vida dos que já partiram.
(*) Educador Salesiano, pesquisador e fotografo do Movimento Socioambiental SOS Encontro das Águas.
Graduado em Teologia pela Universidade Católica Santa Úrsula / Centro de Estudos do Comportamento
Humano/CENESC/AM,Pós-Graduado em Pesquisa e Ação Social pela Faculdade Tahirih – Manaus / Amazonas.
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