novembro 27, 2014

"Choque Rosa: Drag Queen e um ícone da subversão, simplesmente Divine", por Fernando Vieira

PICICA: "Quem não conhece Divine? O ícone da contra-cultura dos anos 80, estrela do filme "Pink Flamingos" e Drag Queen?  Gorda, com voz considerada como "máscula" Divine, ainda hoje representa a subversão das normas de gênero. Este texto não é nada além de uma homenagem a esta figura, tão semelhante a vilã do clássico "A Pequena Sereia", Úrsula, Divine ainda conquista pela maneira excêntrica como representou e parodiou as normas da feminilidade."

Choque Rosa: Drag Queen e um ícone da subversão, simplesmente Divine


Quem não conhece Divine? O ícone da contra-cultura dos anos 80, estrela do filme "Pink Flamingos" e Drag Queen?  Gorda, com voz considerada como "máscula" Divine, ainda hoje representa a subversão das normas de gênero. Este texto não é nada além de uma homenagem a esta figura, tão semelhante a vilã do clássico "A Pequena Sereia", Úrsula, Divine ainda conquista pela maneira excêntrica como representou e parodiou as normas da feminilidade.

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Segundo a pesquisadora Guacira Lopes Louro, ícone dos estudos Queer no Brasil, a figura da Drag-queen é a figura do exagero. É a paródia do feminino, e (interpretação minha), in extremis, representa a possibilidade de construção do próprio corpo. Divine é a persona, o personagem de Harry Glenn Milstead, nascido na pequena cidade de Baltimore nos EUA em 1945.


Aliás, quem hoje não constrói seu próprio corpo? Quem não é Drag Queen? Quando nos vestimos para ir a algum lugar, por mais trivial que seja, não nos aparatamos, com roupas íntimas, camiseta? Não construímos, sobre a nossa pele, todo um conjunto de quinquilharias que representariam, por exemplo, nosso gênero? Classe social? As vezes, até mesmo posicionamento político? Quando vamos a academia não é para "construir" o corpo que desejamos ter?

Divine, nos mostra isso com excelência, e vai além: ela subverte a magreza das divas e ícones gay de seu tempo (Madonna, Cindy Lauper, Cher), ela é gorda. Não adere aos padrões de beleza daquele tempo. Busca, como diria minha avó ao vê-la em um vídeo que mostrei, "a monstruosidade", como aliás, ainda hoje são interpretadas e lidas muitas Drag Queens.  Essa não é uma fala atoa ou simples de minha avó. A figura do monstro existe desde o início dos tempos. Homero, autor clássico grego, representa os inimigos de Odisseu como seres "tenebrosos", como monstros.

Leigh Bowery, assim como Divine, subverte os padrões da normalidade
A monstruosidade é a inumanidade. É monstro todo aquele que subverte os padrões da normalidade. São monstros Divine, Leigh Bowery, por quê? Porque romperam, em suas performances, com o que era esperado da masculinidade, da feminilidade, do corpo gordo, da " beleza".

É importante refletirmos sobre o porque " beleza" está associado a "magreza" e que isso pesa muito sobre a mulher, e ainda mais sobre as pessoas desviantes das normas de gênero. Por quê? Primeiro é importante entender, como nos diz Guacira Lopes Louro, que a Drag Queen é um elemento caricatural, ela subverte e brinca com as normas de gênero para as mulheres, através do exagero. É essa uma forma de subversão (Confira AQUI vídeo com Guacira).



Historicamente os corpos são "normatizados" para serem "produtivos", o corpo gordo, portanto, foi associado a preguiça, ao pecado, a doença, à ociosidade, à improdutividade, devendo portanto, ser eliminado. Taxonomias como essas em relação ao corpo obeso nada mais são do que formas de afirmação dos padrões de beleza do corpo desejável. Do corpo belo. Um ideal cultuado há séculos.

Mas vem, cá? As musas de Vênus, das quais muitos gostam de falar, eram como? Magras e esguias?
Quando me assumi trans não-binária (há alguns dias) recebi diversos conselhos de que se eu fosse ser mulher tinha que ser magra, linda e gostosa. Ora essa, quem disse isso? Primeiro que não sou mulher, segundo que não sou homem, posso ser um ou outro, conforme minha vontade. Não me prendo, não me amarro. E se, reparem que digo "SE" eu emagrecer, será por questões de saúde (dado que sou hipertenso) e não por questões estéticas.


Hoje rendo minha homenagem a Divine. Que é simplesmente Divina! Ela faleceu em 1988, mas ainda assim é um ícone que não podemos esquecer. Acredito que parte do ativismo LGBT consiste em lembrar que temos histórias, que temos trajetórias e que, em alguns aspectos, regredimos, infelizmente. Afinal, cadê nossa Diva gorda e Drag Queen tocando nas baladas? Hein?

E só para finalizar, para quem não sabe, gordofobia é o preconceito em relação a pessoas gordas. Sabe aquele: "Chegou um gordão no ônibus"; "O gordão foi cagar: Vish", ou então "Gordo vagabundo"... "Gordo fede" ou quem sabe "Jamais namorarei um gordo". Isso é gordofobia. Você não conhece as causas daquele obesidade, não sabe se ela incomoda o sujeito que a tem, então, não é problema seu e não lhe diz respeito.

Images Divine: Greg Gorman, Clay Geerdes, Lynn Davis e reprodução
Leigh Bowery: Sam Buttery

Por: Fernando Vieira


Fernando, tem 24 anos é androssexual, ativista LGBT, professor de Língua Portuguesa, e atualmente dedica-se aos Estudos de Gênero da Teoria Queer. Tem influências de Deleuze e Foucault, e lhe agrada Slavoj Zizek e Lacan. Busca simplificar o obscuro jargão pós-moderno, e deseja, com seus textos, propor reflexões que possam produzir caminhos.

Fonte: Neon

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