PICICA: "Dizer que Magia ao luar é
entretenimento inteligente é dizer pouco. Trata-se do filme mais
engenhoso e “redondo” de Woody Allen em muitos anos. Mais que isso:
sintetiza à perfeição suas reflexões de maturidade a respeito da vida e
seus mistérios insolúveis. Tudo isso com a leveza e o savoir-faire dos melhores momentos do diretor."
Magia ao luar e o amor como síntese
Por José Geraldo Couto – on 29/08/2014
Woody Alen retoma velha forma, expõe a dúvidas misantropo arrogante e sugere: entre ceticismo e ingenuidade, saída pode ser sentimento que, sem explicar, evidencia
Por José Geraldo Couto, no blog do IMS
Dizer que Magia ao luar é
entretenimento inteligente é dizer pouco. Trata-se do filme mais
engenhoso e “redondo” de Woody Allen em muitos anos. Mais que isso:
sintetiza à perfeição suas reflexões de maturidade a respeito da vida e
seus mistérios insolúveis. Tudo isso com a leveza e o savoir-faire dos melhores momentos do diretor.
Numa narrativa em que tudo gira em torno do
engano e do autoengano, a trama é, ela própria, enganosamente simples:
Stanley (Colin Firth), um célebre mágico inglês que atua sob o nome
artístico de Wei Ling Soo, é incitado por um velho colega de profissão
(Simon McBurney) a desmascarar uma jovem médium norte-americana, Sophie
(Emma Stone), que está causando furor na Europa. A ação se passa em 1928
no sul da França, onde Sophie está prestes a ficar noiva de um rapaz
milionário (Hamish Linklater).
Crer ou não crer
Não cabe aqui entrar em detalhes sobre o
desenvolvimento e as reviravoltas da história, mas apenas atentar para a
ideia básica que conduz a narrativa: a tensão entre a credulidade e o
ceticismo. O interessante, na evolução dramática do filme, é fazer com
que essa oposição se instale no íntimo do protagonista Stanley, abalando
sua firme posição inicial de misantropo arrogante e sarcástico. A frase
que resume sua filosofia de vida, antes da crise, parece ter saído
diretamente da boca do diretor: “Nascemos e, apesar de não termos
cometido nenhum crime, somos condenados à morte”.
Crer ou não crer, eis a questão. Na
dialética proposta por Woody Allen, se a fé é a tese e a descrença é a
antítese, uma síntese possível seria o amor, capaz de evidenciar, sem
explicar, a substância mágica de todas as coisas do universo,
inapreensível tanto pela ciência como pela religião.
O método de construção aqui é o que, com
alguma liberdade, poderíamos chamar de socrático: o diálogo que solapa
certezas e introduz a dúvida. O discurso do protagonista se enche
progressivamente de expressões adversativas, do tipo “apesar de”, “se
bem que”, “não obstante” (“in spite of”, “though”, “notwithstanding that”).
Essa argúcia discursiva atinge o ápice no
diálogo entre Stanley e sua tia Vanessa (Eileen Atkins) a respeito da
médium Sophie, no qual tudo o que se fala quer dizer exatamente o seu
contrário. O efeito é reforçado pelo fato de se tratar de dois
estupendos atores ingleses tarimbados na arte do understatament e do subtexto.
Epifania e sacanagem
Já se disse com razão que Woody Allen é muito
mais um escritor, um dramaturgo, do que propriamente um grande
cineasta. Ao contrário de um Welles ou de um Kubrick, não é na expressão
visual que reside a sua força. Mesmo tendo como locações a paisagem
deslumbrante da Riviera francesa, bosques e palácios majestosos, o filme
poderia ser uma peça de teatro sem grande perda de substância.
Ainda assim, há momentos visualmente
inspirados. Um deles é antológico. O mágico e a médium refugiam-se da
chuva num velho observatório à beira-mar. Quando a chuva passa – e a
intimidade entre os dois aumenta –, Stanley aciona o mecanismo que abre
parcialmente a cúpula do observatório, deixando ver as estrelas e uma
lua minguante. É um momento de epifania e, ao mesmo tempo, uma imagem
quase pornográfica, em que o fálico telescópio está prestes a penetrar a
fresta em forma aproximada de vagina. Poesia e safadeza juntos,
mostrando que o velho Woody Allen, quando quer, também sabe ser um
tremendo cineasta.
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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