PICICA: "O Iraque é o berço da civilização. Uruk, Iraque, na Terra dos Sumérios.
A cultura feita sistema de objetos técnicos pela primeira vez.
Monumentos, escrita, cidades, essas coisas. Nos milênios que se
seguiram, o Iraque foi ocupado por variados povos: acadianos, persas,
árabes, otomanos -- mas, a rigor, a etnia majoritária do país é árabe há
pelo menos quatorze séculos, com a minoria curda no norte desde tempos
imemoráveis -- todos maturados por séculos sob o domínio implacável dos
Império Otomano. O Iraque é múltiplo, vira-lata e antigo."
O Iraque, a História e a Guerra Eterna
História de Amor do Rei Gilgamesh em Uruk |
Mas em tempos de fim da História, o país é globalmente notório pela guerra. Não uma guerra qualquer, mas sim aquela que se emergiu como espetáculo total. A primeira guerra relevante da nova era, nos suspiros finais da Guerra Fria, o supra-sumo da era da televisão: Saddam Hussein, o senhor do fim dos tempos, foi derrotado pelas tropas americanas armadas com a mais alta tecnologia -- com direito à cobertura ao vivo da CNN. Os americanos deixavam de vez o fantasma do Vietnã: venceram rapidamente a guerra e derrotaram o inimigo interno, isto é, sua própria opinião pública; a crítica da imprensa americana morreu quando os jornalistas foram tornados capelães midiáticos, avançando junto das próprias tropas americanas, das quais suas vidas, aliás, dependiam.
Para que as corporações de mídia se interessariam em denunciar eventuais
abusos e falsificações se, de repente, poderiam transmitir o conflito
na forma de um show de TV? O mesmo aconteceu em 2003, na esteira dos
atentados de 11 de setembro, quando Bush Filho falou que o regime de
Saddam possuiria "armas de destruição em massa" -- e ninguém investigou
aquilo seriamente. Não era só o fato de que havia uma comoção social na
América, mas sim que se guerra acontecesse, nem a CNN, nem a Fox,
perderiam dinheiro ou audiência, muito pelo contrário.
A invasão do país, a destruição definitiva de Saddam e seu enforcamento
bárbaro geraram um problema elementar. O que os americanos deixariam no
lugar? Na verdade, não deixaram nada. Procuraram meios de retirar suas
tropas e assegurar o controle de suas corporações sobre a riqueza
petrolífera do país. Depois de anos numa ocupação longa, dolorosa e,
sobretudo, caríssima para os cofres públicos de Washington, Obama
promoveu a saída das tropas para se livrar da maiores problemas.
Obama deixou no poder um governo fantoche, montado em uma discreta
aliança com o Irã, sob o controle da maioria xiita, excluindo os sunitas
do poder. Enquanto isso, os curdos ao norte continuariam a receber
algum afago para garantir, sobretudo, a extração petrolífera. A
incompetência extrema, a incapacidade em instituir um ciclo virtuoso que
levasse a alguma saída da espiral de miséria e violência, as vacilações
levaram, em poucos anos, o Iraque "desocupado" se tornar um alvo fácil
para "infecções oportunistas". Agora, isso deixa o Iraque na mira do
ISIS, o bisonho movimento fundamentalista islâmico que atacou há bem
pouco a Síria, sendo protagonista da guerra civil que violentou, e ainda
violenta, o país vizinho.
Num jogo muito complexo, a Síria sob a ditadura laica da família Assad
-- de direita fascista -- mas em aliança com o Hezbollah -- e
consequentemente com o Irã -- se viu atacada por uma leva
fundamentalista inominada. Mas com o apoio financeiro, militar e
político de russos e chineses, o regime sírio, ao menos por ora, para
"estabilizar" a situação com a manutenção do regime. As hordas
fundamentalistas, então, avançaram sobre o Iraque onde já tinham atuado
nas guerras civis que precederam a queda do regime de Saddam.
O ISIS, por outro lado, é um fenômeno desfocado, em relação ao qual
conhecemos pouco suas origens. Mas ele é sunita e inspirado na doutrina
wahabita, que domina a Arábia Saudita. Muito leva a crer que o regime da
sudita não só não está ameaçado por ele como, também, parece se
beneficiar da atuação do ISIS nas áreas onde a paz persa, sob a
atuação de governos e forças xiitas, parece imperar. A disputa parece
ser, no seio do islamismo, entre o xiitas sob a orientação do clero
iraniano personificado no Aiatolá contra a influência do rei saudita
que, sob o apoio americano, comanda um regime absolutamente intolerante
na sua particular leitura do islamismo.
Uma parte relevante do discurso das vantagens de apoiar o ocidente contra o islã, em nome da liberdade, cai por terra quando pensamos que o regime saudita é sustentado por Washington. Pior, que inúmeros regimes laicos foram derrubados ao longo do tempo pelo ocidente ou, simplesmente, pelos americanos. A conta não fecha. A destruição promovida pelo ISIS e o risco de desestabilização absoluto do Oriente Médio levou a uma nova ação americana, com o bombardeio de bases rebeldes no norte do Iraque. Mas foi a brava resistência do partido comunista curdo, que testemunhou a aliança promíscua de turcos e do ISIS na guerra civil síria, que hoje evita uma tragédia maior.
Uma parte relevante do discurso das vantagens de apoiar o ocidente contra o islã, em nome da liberdade, cai por terra quando pensamos que o regime saudita é sustentado por Washington. Pior, que inúmeros regimes laicos foram derrubados ao longo do tempo pelo ocidente ou, simplesmente, pelos americanos. A conta não fecha. A destruição promovida pelo ISIS e o risco de desestabilização absoluto do Oriente Médio levou a uma nova ação americana, com o bombardeio de bases rebeldes no norte do Iraque. Mas foi a brava resistência do partido comunista curdo, que testemunhou a aliança promíscua de turcos e do ISIS na guerra civil síria, que hoje evita uma tragédia maior.
Fonte: O Descurvo
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