PICICA: "Autor de algumas das obras mais significativas da historiografia
brasileira nos últimos 30 anos –destaque-se “Literatura como Missão”
(1983) e “Orfeu Extático na Metrópole” (1992)–, Nicolau Sevcenko partiu
cedo demais, no aziago dia 13 de agosto."
NICOLAU SEVCENKO (1952-2014)
O orgulho de uma geração
Por Laura de Mello e Souza em 19/08/2014 na edição 812
Reproduzido da seção “Tendências/Debates” da Folha de S.Paulo, 17/8/2014; intertítulo do OI
Autor de algumas das obras mais significativas da historiografia
brasileira nos últimos 30 anos –destaque-se “Literatura como Missão”
(1983) e “Orfeu Extático na Metrópole” (1992)–, Nicolau Sevcenko partiu
cedo demais, no aziago dia 13 de agosto.
Luto fechado para a comunidade dos historiadores, perda irreparável para a universidade paulista, que recebeu por cerca de três décadas o impacto da sua inteligência fulgurante. Os livros de Nicolau vão ficar para sempre, são clássicos, todo estudioso da história cultural brasileira passou e passará por eles, sempre com encantamento.
Por isso, começo por invocar aqui algo que não se registrou na letra impressa, mas na memória e na sensibilidade de uma geração. Ou, para ser mais precisa, na da turma que entrou no curso de história da USP no começo de 1972 e se formou em dezembro de 1975.
Primeiro, conheci-o à distância, muito claro, a cabeça sempre meio inclinada para um lado, anotando rapidamente. Aos poucos, como tantos colegas, passei a ficar esperando as perguntas que faria no final da aula, inesperadas e originais. Por fim, veio a aproximação, a camaradagem e a amizade –que se estendeu ao convívio fora das aulas, temperado pela admiração ante sua seriedade, seu brilho, suas notas altíssimas. Nicolau foi talvez o aluno mais exemplar da nossa turma, aplicado e responsável, honrando a universidade na qual entrara, vindo do ensino das escolas públicas.
Depois, em 1982, prestamos o mesmo concurso de ingresso e fomos ambos contratados como professores de história moderna no departamento onde havíamos estudado e nos tornado amigos : ele entrou antes, pois tirara o primeiro lugar.
Estrela brilhante
O seu prestígio só fez crescer, as salas de aula lotadas, as listas dos inscritos ultrapassando os limites estabelecidos. Por mais de dez anos dividimos o mesmo escritório, no qual ele atendia atentamente os alunos que faziam fila na porta. Nicolau foi um professor fantástico, deixou sua marca sobre turmas sucessivas de alunos, tanto no ensino secundário –em que começou a atuar ainda estudante– como em duas outras universidades paulistas, a PUC-SP e a Unicamp.
Na década de 1990, migrou para outra disciplina, a de história contemporânea, interessado por assuntos ligados à relação entre a cultura e a técnica. Passamos a nos ver menos, ele sempre efusivo e afetuoso.
Pouco depois, tornou-se professor titular de história da cultura, coroando uma carreira brilhante. Já tinha, então, renome internacional, havia passado pela Universidade de Londres e pela de Georgetown, em Washington. Uma vez aposentado, em 2009, mudou-se para os Estados Unidos, onde atuava, até o momento, como professor titular na Universidade Harvard.
Nicolau Sevcenko desapareceu quando a instituição onde se formou atravessa uma de suas piores crises, parte aliás da que solapa o ensino público no Estado de São Paulo. Conforta lembrar que ele foi um dos mais talentosos alunos da universidade pública paulista, uma de suas estrelas mais brilhantes. Misturando orgulho e pesar, creio que expresso o sentimento de uma geração.
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Luto fechado para a comunidade dos historiadores, perda irreparável para a universidade paulista, que recebeu por cerca de três décadas o impacto da sua inteligência fulgurante. Os livros de Nicolau vão ficar para sempre, são clássicos, todo estudioso da história cultural brasileira passou e passará por eles, sempre com encantamento.
Por isso, começo por invocar aqui algo que não se registrou na letra impressa, mas na memória e na sensibilidade de uma geração. Ou, para ser mais precisa, na da turma que entrou no curso de história da USP no começo de 1972 e se formou em dezembro de 1975.
Primeiro, conheci-o à distância, muito claro, a cabeça sempre meio inclinada para um lado, anotando rapidamente. Aos poucos, como tantos colegas, passei a ficar esperando as perguntas que faria no final da aula, inesperadas e originais. Por fim, veio a aproximação, a camaradagem e a amizade –que se estendeu ao convívio fora das aulas, temperado pela admiração ante sua seriedade, seu brilho, suas notas altíssimas. Nicolau foi talvez o aluno mais exemplar da nossa turma, aplicado e responsável, honrando a universidade na qual entrara, vindo do ensino das escolas públicas.
Depois, em 1982, prestamos o mesmo concurso de ingresso e fomos ambos contratados como professores de história moderna no departamento onde havíamos estudado e nos tornado amigos : ele entrou antes, pois tirara o primeiro lugar.
Estrela brilhante
O seu prestígio só fez crescer, as salas de aula lotadas, as listas dos inscritos ultrapassando os limites estabelecidos. Por mais de dez anos dividimos o mesmo escritório, no qual ele atendia atentamente os alunos que faziam fila na porta. Nicolau foi um professor fantástico, deixou sua marca sobre turmas sucessivas de alunos, tanto no ensino secundário –em que começou a atuar ainda estudante– como em duas outras universidades paulistas, a PUC-SP e a Unicamp.
Na década de 1990, migrou para outra disciplina, a de história contemporânea, interessado por assuntos ligados à relação entre a cultura e a técnica. Passamos a nos ver menos, ele sempre efusivo e afetuoso.
Pouco depois, tornou-se professor titular de história da cultura, coroando uma carreira brilhante. Já tinha, então, renome internacional, havia passado pela Universidade de Londres e pela de Georgetown, em Washington. Uma vez aposentado, em 2009, mudou-se para os Estados Unidos, onde atuava, até o momento, como professor titular na Universidade Harvard.
Nicolau Sevcenko desapareceu quando a instituição onde se formou atravessa uma de suas piores crises, parte aliás da que solapa o ensino público no Estado de São Paulo. Conforta lembrar que ele foi um dos mais talentosos alunos da universidade pública paulista, uma de suas estrelas mais brilhantes. Misturando orgulho e pesar, creio que expresso o sentimento de uma geração.
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Laura de Mello e Souza, 61, é professora aposentada de história moderna da USP e autora de Cláudio Manuel da Costa – O Letrado Dividido (Companhia das Letras)
Fonte: Observatório da Imprensa
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