PICICA: "O conceito de preso político
aqui diz respeito a, talvez, um tema polêmico em matéria de ciência
jurídica: de todo modo, seria todo aquele encarcerado no ato de uma
reivindicação de direitos (pela constituição ou efetivação de algum
direito) ou de uma nova ordem de direitos -- o que causa estupor em uma
democracia, uma vez que nesse regime, fazer isso é direito fundamental e
não crime. Não defendo qualquer punitivismo, mas nem todo preso é preso
político, muito embora haja evidentes causas políticas na construção de
cenários que levam os cidadãos ao crime -- que é a dimensão política do
crime, mas não a natureza da conduta em si."
Liberdade para Hideki e Rafael: um Pouco de Verdade, Enfim
André Dahmer -- Malvados |
Fabio Hideki
Harano e Rafael Lusvarghi são presos políticos. Eles foram encarcerados
há mais de quarenta dias depois de uma manifestação em São Paulo, sem
que nada fizessem exceto exercer seu direito constitucional. Foram
acusados da prática de diversas condutas criminosas -- como porte de
substância explosiva -- com um conjunto de provas muito fraco, sem dó,
piedade ou prudência. A polícia prendeu, deu seu testemunho e, em
seguida, o ministério público e o judiciário foram implacáveis: os dois
foram mandados para um centro de detenção provisória, rapidamente a
denúncia foi aceita e transformada em processo criminal, com a prisão
provisória determinada e tudo mais. Fábio foi enviado para uma prisão a
mais de cem quilômetros da capital, onde reside. Foi um verdadeiro
linchamento.
Ontem, houve uma reviravolta no caso.
Tanto o grupo antibombas da PM paulista quanto o Instituto de
criminalística desconstruíram parte importante da farsa: as supostas
bombas encontradas com ambos não eram bombas -- e, ainda, sequer eram
artefatos inflamáveis. Como alguém pode ser detido pela polícia e, logo
em seguida, processado criminalmente baseado em uma suposição? A justiça
The Flash praticada pelo aparato repressivo paulista não tardou,
mas falhou. Mas falhou em termos: quem prendeu sabia muito bem disso,
imaginava que a verdade não era importante, bastando a vontade
transcendental de Estado -- que quer silenciar todas as manifestações a
qualquer custo -- para prender e, futuramente, condenar. Como na
inquisição.
Não que isso
seja alguma novidade para quem acompanhou o caso desde o começo, pois o
próprio Hideki, ao ser abordado pela polícia na saída da manifestação,
clamou para alguém filmasse a cena para evitar um flagrante forjado -- e
o vídeo foi feito,
mas apesar dele não revelar a presença de nenhuma bomba, Hideki foi
encarcerado assim mesmo. E agora que o acharam nem era bomba? Com a
revelação, toda a blitz estatal-midiática anti-manifestações cai
por terra vergonhosamente. Onde estarão os entendedores, alguns até
ministros de Estado, que defenderam a legalidade dessas prisões? E os
programas de televisão histéricos?
Ainda é preciso dar alguns passos para que esse processo seja anulado. A vitória de ontem foi fruto do valoroso, e enorme, esforço militante por parte dos movimentos sociais, parlamentares, religiosos
e afins que têm lutado muito para libertar esses presos. Não achem que
sem isso alguém teria se importado em averiguar a falsidade da história
das bombas. Existe uma guerra em curso na qual a verdade é meta e meio:
não a verdade no sentido religioso ou maniqueísta, mas uma verdade comum,
uma narrativa que expresse as coisas como elas estão e não como querem,
por interesse, que elas sejam. A verdade saiu de moda nos últimos
tempos, mas talvez seja a hora certa para ser retrô.
Qualquer
mentecapto, sobretudo aqueles dotados de algum pequeno poder, tem se
achado autorizado a falar qualquer coisa sobre tudo. E eles passam
incólumes. Muitas vezes destroem vidas, mas quando são desmascarados,
somem: é como se ninguém nunca tivesse dito nada nunca. E somem junto os
pelotões de linchamento que eles arregimentam, turbas aparentemente
loucas e prontas a apoiar ou realizar prisões, torturas, condenações --
querem um culpado para projetar suas próprias culpas e frustrações,
servindo como a massa de manobra ideal dos perversos de plantão, mas sua
aparente loucura desaparece, junto com eles mesmos, quando essas farsas
são desfeitas; fico pensando só sobre como vivem, o que fazem e onde se
escondem os linchadores.
A
banalização da prisão, como catarse e instrumento político, é outro
item. Só que tudo isso tem passado batido, aconteceu e nada. Passou da
hora da democracia brasileira se dar ao respeito. E seus achincalhadores
precisam ser chamados à fala.
P.S.: O conceito de preso político
aqui diz respeito a, talvez, um tema polêmico em matéria de ciência
jurídica: de todo modo, seria todo aquele encarcerado no ato de uma
reivindicação de direitos (pela constituição ou efetivação de algum
direito) ou de uma nova ordem de direitos -- o que causa estupor em uma
democracia, uma vez que nesse regime, fazer isso é direito fundamental e
não crime. Não defendo qualquer punitivismo, mas nem todo preso é preso
político, muito embora haja evidentes causas políticas na construção de
cenários que levam os cidadãos ao crime -- que é a dimensão política do
crime, mas não a natureza da conduta em si.
P.S. 2:
Hideki é um conhecimento manifestante pacífico, Rafael tem um histórico
"controverso" por posições políticas curiosas e contraditórias, mas em
matéria de direito, discutimos atos e não pessoas. É o que você fez, nem
quem você é.
P.S. 3: Rafael Vieira, morador de rua carioca, foi até agora o único condenado nas manifestações.
E segue preso. Em torno dele, apesar da indignação pontual, não foi
formada nenhuma rede de solidariedade. O outro Rafael, o paulista,
talvez possa ser beneficiado da rede de solidariedade de Hideki. Isso é
revelador da crise na democracia brasileira: importa quem somos, não o
que fizemos. O sistema funciona apenas empurrado, os desprotegidos
ocasionais estão à própria sorte.
Fonte: O Descurvo
Nenhum comentário:
Postar um comentário