agosto 07, 2014

"Liberdade para Hideki e Rafael: um Pouco de Verdade, Enfim", por Hugo Albuquerque

PICICA: "O conceito de preso político aqui diz respeito a, talvez, um tema polêmico em matéria de ciência jurídica: de todo modo, seria todo aquele encarcerado no ato de uma reivindicação de direitos (pela constituição ou efetivação de algum direito) ou de uma nova ordem de direitos -- o que causa estupor em uma democracia, uma vez que nesse regime, fazer isso é direito fundamental e não crime. Não defendo qualquer punitivismo, mas nem todo preso é preso político, muito embora haja evidentes causas políticas na construção de cenários que levam os cidadãos ao crime -- que é a dimensão política do crime, mas não a natureza da conduta em si."

Liberdade para Hideki e Rafael: um Pouco de Verdade, Enfim

André Dahmer -- Malvados
Fabio Hideki Harano e Rafael Lusvarghi são presos políticos. Eles foram encarcerados há mais de quarenta dias depois de uma manifestação em São Paulo, sem que nada fizessem exceto exercer seu direito constitucional. Foram acusados da prática de diversas condutas criminosas -- como porte de substância explosiva -- com um conjunto de provas muito fraco, sem dó, piedade ou prudência. A polícia prendeu, deu seu testemunho e, em seguida, o ministério público e o judiciário foram implacáveis: os dois foram mandados para um centro de detenção provisória, rapidamente a denúncia foi aceita e transformada em processo criminal, com a prisão provisória determinada e tudo mais. Fábio foi enviado para uma prisão a mais de cem quilômetros da capital, onde reside. Foi um verdadeiro linchamento.

Ontem, houve uma reviravolta no caso. Tanto o grupo antibombas da PM paulista quanto o Instituto de criminalística desconstruíram parte importante da farsa: as supostas bombas encontradas com ambos não eram bombas -- e, ainda, sequer eram artefatos inflamáveis. Como alguém pode ser detido pela polícia e, logo em seguida, processado criminalmente baseado em uma suposição? A justiça The Flash praticada pelo aparato repressivo paulista não tardou, mas falhou. Mas falhou em termos: quem prendeu sabia muito bem disso, imaginava que a verdade não era importante, bastando a vontade transcendental de Estado -- que quer silenciar todas as manifestações a qualquer custo --  para prender e, futuramente, condenar. Como na inquisição.

Não que isso seja alguma novidade para quem acompanhou o caso desde o começo, pois o próprio Hideki, ao ser abordado pela polícia na saída da manifestação, clamou para alguém filmasse a cena para evitar um flagrante forjado -- e o vídeo foi feito, mas apesar dele não revelar a presença de nenhuma bomba, Hideki foi encarcerado assim mesmo. E agora que o acharam nem era bomba? Com a revelação, toda a blitz estatal-midiática anti-manifestações cai por terra vergonhosamente. Onde estarão os entendedores, alguns até ministros de Estado, que defenderam a legalidade dessas prisões? E os programas de televisão histéricos?

Ainda é preciso dar alguns passos para que esse processo seja anulado. A vitória de ontem foi fruto do valoroso, e enorme, esforço militante por parte dos movimentos sociais, parlamentares, religiosos e afins que têm lutado muito para libertar esses presos. Não achem que sem isso alguém teria se importado em averiguar a falsidade da história das bombas. Existe uma guerra em curso na qual a verdade é meta e meio: não a verdade no sentido religioso ou maniqueísta, mas uma verdade comum, uma narrativa que expresse as coisas como elas estão e não como querem, por interesse, que elas sejam. A verdade saiu de moda nos últimos tempos, mas talvez seja a hora certa para ser retrô.

Qualquer mentecapto, sobretudo aqueles dotados de algum pequeno poder, tem se achado autorizado a falar qualquer coisa sobre tudo. E eles passam incólumes. Muitas vezes destroem vidas, mas quando são desmascarados, somem: é como se ninguém nunca tivesse dito nada nunca. E somem junto os pelotões de linchamento que eles arregimentam, turbas aparentemente loucas e prontas a apoiar ou realizar prisões, torturas, condenações -- querem um culpado para projetar suas próprias culpas e frustrações, servindo como a massa de manobra ideal dos perversos de plantão, mas sua aparente loucura desaparece, junto com eles mesmos, quando essas farsas são desfeitas; fico pensando só sobre como vivem, o que fazem e onde se escondem os linchadores.

A banalização da prisão, como catarse e instrumento político, é outro item. Só que tudo isso tem passado batido, aconteceu e nada. Passou da hora da democracia brasileira se dar ao respeito. E seus achincalhadores precisam ser chamados à fala.

P.S.: O conceito de preso político aqui diz respeito a, talvez, um tema polêmico em matéria de ciência jurídica: de todo modo, seria todo aquele encarcerado no ato de uma reivindicação de direitos (pela constituição ou efetivação de algum direito) ou de uma nova ordem de direitos -- o que causa estupor em uma democracia, uma vez que nesse regime, fazer isso é direito fundamental e não crime. Não defendo qualquer punitivismo, mas nem todo preso é preso político, muito embora haja evidentes causas políticas na construção de cenários que levam os cidadãos ao crime -- que é a dimensão política do crime, mas não a natureza da conduta em si.

P.S. 2: Hideki é um conhecimento manifestante pacífico, Rafael tem um histórico "controverso" por posições políticas curiosas e contraditórias, mas em matéria de direito, discutimos atos e não pessoas. É o que você fez, nem quem você é.

P.S. 3: Rafael Vieira, morador de rua carioca, foi até agora o único condenado nas manifestações. E segue preso. Em torno dele, apesar da indignação pontual, não foi formada nenhuma rede de solidariedade. O outro Rafael, o paulista, talvez possa ser beneficiado da rede de solidariedade de Hideki. Isso é revelador da crise na democracia brasileira: importa quem somos, não o que fizemos. O sistema funciona apenas empurrado, os desprotegidos ocasionais estão à própria sorte.

Fonte: O Descurvo

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