PICICA: "Criativo como sempre, Jorge Furtado convida a enxergar balcão de negócios em que se converteu a mídia e faz duas investigações essenciais"
Quem lê, ouve e vê tanta notícia?
Criativo como sempre, Jorge Furtado convida a enxergar balcão de negócios em que se converteu a mídia e faz duas investigações essenciais
Por José Geraldo Couto, no blog do IMS
O mercado de notícias,
documentário de Jorge Furtado, é um filme oportuno e necessário. Poucas
instituições têm sido tão discutidas nos últimos tempos quanto a
imprensa, em suas várias formas: escrita, televisiva, radiofônica. Com o
advento avassalador da internet, não é apenas a sustentação econômica
de jornais, revistas e telenoticiários que está em xeque, mas
principalmente a sua credibilidade – e é nesse nervo que o documentário
vem tocar, com o engenho e a verve habituais de seu diretor.
O
primeiro achado do filme, em termos de construção, é a alternância
entre o documentário propriamente dito e uma encenação da comédia O mercado de notícias (The Staple of News,
1626), do dramaturgo britânico Ben Jonson (1572-1637). A ironia ferina
com que Jonson retrata a imprensa então nascente como um balcão de troca
de favores e de proliferação de intrigas vai impregnar todo o debate
sobre a crise atual do setor.
Talvez o espectador acostumado à inventividade de obras anteriores de Furtado (seja na ficção de O homem que copiava e Saneamento básico ou em metadocumentários como Ilha das flores e Esta não é a sua vida)
sinta-se desapontado com o peso que assumem aqui os depoimentos dos
entrevistados, treze jornalistas entre os mais experientes e respeitados
do país. De fato, embora sejam todos consistentes e iluminadores, esses
depoimentos estão a um passo de fazer do filme uma daquelas coleções de
“talking heads” que fazem as vezes de documentários na TV paga.
Compenetrado na seriedade da
discussão, é como se o diretor não quisesse dispersá-la com as
brincadeiras metalinguísticas que povoam seus outros trabalhos. De vez
em quando ele parece se lembrar de arejar a conversa com um trecho
divertido da peça ou com a inserção de um ou outro comentário visual –
como na imagem do quadro “O Grito”, de Munch, quando o jornalista
Geneton Moraes fala sobre a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, padroeira
dos jornalistas.
Farsas desconstruídas
Mas
o documentário cresce e se justifica plenamente como cinema quando
realiza, ele próprio, uma investigação jornalística sobre grandes erros
ou distorções recentes de mídia informativa. Isso acontece em
particularmente dois momentos: na desconstrução da narrativa televisiva
(e que os jornais e revistas ecoaram) do episódio da bolinha de papel
que atingiu em 2010 o então candidato José Serra; e na exposição ao
ridículo de uma matéria da Folha de S. Paulo sobre uma suposta
tela de Picasso (na verdade uma reprodução barata, dessas que se vendem
em lojinhas de museus) que estaria abandonada num gabinete do governo em
Brasília.
Ao tomar para si aquilo que a imprensa séria deveria fazer – ou seja, investigar os fatos, contrapor versões –, O mercado de notícias exibe
em todo o seu esplendor o poder crítico da imagem e da palavra, seu
papel tanto na construção como na destruição de mitos, no acobertamento
ou na revelação do que chamamos, talvez com demasiada licença, de
realidade. Nesse fascinante bricabraque, não se perde nunca de vista a
ideia de que, no armazém de secos e molhados que é o jornalismo desde
suas origens, o elemento decisivo para dar alguma honestidade a esse
comércio é a ética do jornalista.
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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