agosto 06, 2014

"Homem pode ser feminista?", por Bruno Cava Rodrigues

PICICA: "É verdade que homens possam participar do movimento feminista no sentido amplo, e que possam ser atravessados por um devir-feminista, muito sincero e genuíno. Mas devemos absolutamente evitar declarar-nos feministas, devemos evitar protagonizar os espaços com o label feminista. E sobretudo não devemos assumir posturas reativas diante da impugnação feminista, uma vez contestados por elas, inclusive quando contestados com agressividade e paixão. Já dizia Glauber Rocha, a violência do oprimido tem estética própria e deve ser escutada a sério. Feminismo não tem obrigação de ser edificante." 

Homem pode ser feminista?
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Se entendermos “movimento feminista” como o conjunto amplo de lutas pela abolição do heteropatriarcado, então um homem pode contribuir com ação e pensamento nessas lutas. Se um homem está subvertendo os espaços de privilégio que o machismo generalizado lhe confere, para fazer feminismo, isto deve ser visto como positivo: é melhor do que calar-se, que seria aderir ao modelo machista por omissão e inércia.

Outra coisa bem diferente é a insistência de alguns homens em ser feminista, em advogar em causa própria pelo reconhecimento como feminista. Uma coisa é participar do movimento feminista, outra coisa é a autodeclaração como feminista. Como diria o filósofo John Austin, a declaração constatativa é uma declaração performativa mal contextualizada.

Uma mulher declarar-se feminista é um grito de guerra. Significa optar pela inconveniência de não estar alinhada à norma social, pelo grande desconforto em estar submetida a um tribunal antifeminista em todas suas expressões, violentas ou sutis, à direita ou à esquerda. A autodeclaração feminista ativa um ponto de identidade e de diferença. Identidade para construir espaços de pertencimento e reconhecimento, a fim de travar abertamente a disputa contra o patriarcado. Diferença para disparar um processo de recriação do feminino, ativar a mulher da mulher, e mexer nas questões incidentes: a própria noção de gênero, sexo e identidade, a interseccionalidade (a mulher negra), o capitalismo.
Já um homem declarar-se feminista não é a mesma coisa. O grau de desconforto é bem menor. Uma mulher quando se declara feminista é atacada através de sua condição como mulher. Um homem representante do feminismo não é tão subversivo quanto parece. O patriarcado certamente prefere abolicionistas homens e humanistas, que decidiram “depor contra o privilégio” e “representar as minorias”, do que as próprias oprimidas e seus quilombos feministas. Muitas vezes fazer feminismo é ter a sagacidade de desfazer-se do lugar de fala.

É verdade que homens possam participar do movimento feminista no sentido amplo, e que possam ser atravessados por um devir-feminista, muito sincero e genuíno. Mas devemos absolutamente evitar declarar-nos feministas, devemos evitar protagonizar os espaços com o label feminista. E sobretudo não devemos assumir posturas reativas diante da impugnação feminista, uma vez contestados por elas, inclusive quando contestados com agressividade e paixão. Já dizia Glauber Rocha, a violência do oprimido tem estética própria e deve ser escutada a sério. Feminismo não tem obrigação de ser edificante.

E se um dia, nessa participação tão problemática, complicada, desafiadora, se eventualmente formos chamados por elas de “feminista”, é porque estamos no caminho certo. Mas não é pra se orgulhar nem interiorizar o elogio: no momento seguinte, se descuidarmos, voltaremos a trabalhar pelo patriarcado.

Fonte: Quadrado dos Loucos

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