Nota do blog: Neste Dia Nacional de Luta Antimanicomial, dedico o artigo abaixo a todos aos sujeitos desejantes por uma sociedade sem manicômios, em particular aos(às) companheiros(as) da Associação Chico Inácio - filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial - com que divido as dores e as delícias de ser antimanicomial numa terra de reformistas de araque.
Com açúcar e com afeto (II)
Em 2006, a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP atacou a Coordenação Nacional de Saúde Mental num artigo publicado no jornal O Globo. O que seria uma análise da política de saúde mental vigente no país cedeu lugar ao ataque pessoal. Data daí o assanhamento da psiquiatria conservadora.
Erraram na estratégia. Impossível “zerar” a reforma psiquiátrica em curso no país. Adotaram, então, um tom conciliador ao propor o convívio do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) com o hospital psiquiátrico.
Ora, é sabido que essa instituição historicamente não dialoga com o doente que lhe foi confiado. Sua organização é baseada no princípio da autoridade, com o objetivo de manter a ordem e a eficiência. Pior, ao optar entre a liberdade do doente e o bom andamento da instituição, o primeiro fica reduzido à condição de objeto. A análise é de Franco Basaglia, o articulador da psiquiatria democrática na Itália.
É contra esta que Ferreira Gullar resolveu assestar sua bateria, depois de invocar a decantada relação entre loucura e periculosidade para justificar a preservação do hospital psiquiátrico. É tudo o que a ABP precisava na sua cruzada em defesa da maquiagem do velho modelo, que edifica instituições sobre a fragilidade que nós, cidadãos, nos movemos. Em causa a concepção da loucura através dos tempos. Psiquiatras não são porta-vozes desinteressados. Nem usuários e seus familiares.
Basta ler a poesia militante de Dulce Edie dos Santos, do grupo em defesa da reforma psiquiátrica: QUE PENA! Ah, poeta, / Que pena teres a pena / Na mão que escreve... / Que pena a tua pena / Não dizer o que deve... / Que pena a tua pena / Sirva de arma aos algozes / Entoando... os inimigos, / Suas falácias atrozes / Vendo, só, os seus umbigos / Apesar da triste cena. / Que pena... / Que pena teus filhos / Não sejam maltrapilhos, / Pobres e sem dentes, / Como outros dementes /Que circulam entre gentes, / Mas, livres e... sem algemas. / Pobre poeta, que pena... / Dulce (familiar/usuária).
Manaus, Maio de 2009.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão em Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com
Nota do blog: Artigo publicado no caderno Raio-X, do jornal Amazonas em Tempo.
Um comentário:
Rogélio Casado Marinho Filho, quem pode desdizer-te? Que autoridade não se curva à essa tua dignidade, que luta bravamente por causa tão nobre, como essa da luta antimanicomial. Continua firme, guerreiro, estamos sempre te acompanhando e orando por ti.
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