Relato do Seminário: Justiça e Doença Mental
Data – 08/05/09
Local – Procuradoria Geral da República – Brasília – DF.
Participantes convidados do CFP – Cirlene Ornelas, Deusdet Martins, Milton Freire, Paulo Michelon e Silvia Ferreira.
A programação do Seminário foi extensa e com muitos expositores e começou com atraso, prejudicando o debate.
O evento teve como título – Justiça e Doença Mental - Loucura: O Insano Sistema de Saúde Mental. O mesmo título foi o da Palestra realizada pelo familiar, escritor e jornalista Americano de Washigton Pete Earley.
O familiar Pete Early nos conta sobre sua experiência, nos EUA, ao buscar assistência para o seu filho, portador de transtorno bipolar. Como jornalista, ele relata essa experiência em um livro que estava sendo vendido neste seminário[1].
Relatou a situação em vivenciou com seu filho, dizendo que nos estados unidos a pessoa com transtorno mental só pode ser atendida se cometer algum delito e for para a prisão. Quando o filho deixou de tomar medicamento teve alteração do humor. Procurou um centro comunitário de saúde mental., após seu filho dizer-lhe que queria morrer e, após esperar, várias horas, ser avisado de que não poderia ser atendido enquanto seu filho apenas relatasse a vontade de morrer. Caso ele viesse a tentar o suicídio aí sim poderia ser atendido. Traga seu filho quando ele tentar se matar ou tentar matar o senhor.
O Pai levou o filho para o centro comunitário e mentiu, dizendo que o filho tinha-o ameaçado de morte e só assim foi colocado num hospital. Mentiu para colocar seu filho no hospital.
Segundo ele, o sistema de saúde mental americano e um sistema desorganizado e falido. Não é o hospital que atende é a prisão. Destacou que Reforma, nos EUA, fechou milhares de leitos psiquiátricos, respaldando a oferta de serviços em planos de saúde privados, gerando desassistência. É insuficiente a rede de serviços comunitários que, segundo ele, garantiria uma melhor assistência. Para ser atendido nos EUA, o ‘doente mental’ precisa apresentar perigo para si e/ou para o outro, fazendo com que ele, como outras famílias, precisem mentir para conseguirem atendimento aos seus familiares portadores de sofrimento mental.
Para Silvia a fala de Pete Early evidencia a associação da loucura com a noção de periculosidade. Segundo sua fala, esse sistema escolhe a periculosidade como único critério para ajudar alguém.
Milton Freire fez uma fala de indignação quanto à tendência, nos EUA, de associar a loucura à violência.
Para Cirlene, a Luta Antimanicomial é a favor de que o louco infrator cumpra sua pena, mas não como medida de segurança que caracterizam, muitas vezes, prisão perpétua.
Na fala de Cirlene e de Paulo, eles descreveram o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira, falando sobre os CAPS, Centros de Convivência, Residências Terapêuticas e a importância da Luta Antimanicomial.
Um psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria alertou quanto ao perigo de se associar a loucura ao estigma da periculosidade. Disse que a fala do palestrante ilustra a enorme necessidade de se ter uma rede de serviços comunitários funcionando que subsidiem a ausência de leitos psiquiátricos.
Pelas diversas falas de outros membros desta Associação percebe-se o viés político deste seminário: a escolha de um familiar dos EUA que aborda a desassistência pela ausência de um sistema de saúde estruturado em rede e o título criticado por Pedro Gabriel Delgado ‘o insano sistema de saúde mental’ remetem à reivindicação desta Associação da volta do nº de leitos psiquiátricos, negando o trabalho empreendido pelos trabalhadores da saúde mental e insistindo em apontar apenas as falhas da rede de serviços substitutivos.
Outros expositores como João Alberto – ABP e o Deputado – Germano Bonow – DEM – RS, criticaram a redução dos leitos psiquiátricos e enfatizaram a necessidade do Hospital psiquiátrico.
Quanto ao sistema de saúde do sistema penitenciário, achamos mesmo insano, pois não foi regulamentada a Portaria Interministerial 1777 de 2003 que implanta o SUS dentro das penitenciárias.
Segundo o Procurador Regional da República Dr. Humberto Jacques de Medeiros, ao perguntar o por que o doente mental infrator não é cliente do SUS, ele responde que falta solidariedade e há preconceito para se garantir a universalidade e a inserção no sistema. Mas o que dizer do papel da Secretaria de Defesa Social que retira os psicólogos do atendimento aos presos para fazerem laudos ou capacitarem agentes penitenciários, numa relação trabalhista de contratos precários. Ou, falando em preconceito, o que dizer de um sistema penitenciário onde a marmita azeda, seja para louco ou não, é a regra.
Tendo estourado o horário, a organização do evento não abriu para o debate.
O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, prof. Sérgio Salomão Shecaira disse ter conversado com o ministro Gilmar Mendes para fazerem um mutirão e desinstitucionalizar 40% dos internos dos 15 hospitais de custódia do país, segundo a lei antimanicomial. A pergunta é: como fazer isso sem o aporte das residências terapêuticas, onde o judiciário não se responsabiliza por essa demanda, que o SUS não tem atendido, ao priorizar os egressos de longa permanência em hospitais psiquiátricos.
Falou-se muito na lei 10.216 de 2001. Foi apresentado o Programa de Atenção Integral ao Louco infrator, de Goiânia, PAILI, bem como, o PAI-PJ, de Belo Horizonte, ambos trabalhando com a responsabilização do sujeito, sua reinserção na sociedade, através do trabalho, do tratamento em serviços abertos de saúde mental, tendo por princípio antimanicomial a liberdade e a cidadania.
Também foi apresentado o trabalho no Hospital de Custódia Franco da Rocha/SP, com suas inúmeras reformas, que, segundo o coordenador de saúde Dr. Paulo César Sampaio, a Port. 1777/2003 retira o SUS de dentro dos presídios, implantando o Plano Nacional de Saúde que não abrange os hospitais de custódia.
Segundo a prof. Luciana Barbosa Musse, a medida de segurança é inconstitucional. Pela interpretação da lei 10.216/01, o(a) louco(a) infrator(a) deve ser tratado em serviços comunitários e há inexistência de pesquisas que comprovem a periculosidade dos loucos.
Segundo o Coordenador Nacional de Saúde Mental Pedro Gabriel Delgado, a ambigüidade do sistema prisional é estruturante: como pensar a normatização da clínica_ a clínica lida com o caso a caso e a norma lida com a padronização. Considera que o que há de generoso na tutela associado à clínica gera a responsabilização do sujeito. A judicialização da saúde aponta para a produção de iniquidade e não para a equidade. A gravidade do momento é a desqualificação da saúde pública. O maior problema da saúde é o financiamento dos CAPS.
Informou que o Ministério da Saúde foi acionado pela Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, no Ministério Público. O MS deve cumprir o parâmetro de 0,5 leitos por 1000 habitantes. Caso isso aconteça, é o retorno dos 100 mil leitos psiquiátricos.
Ressaltou que o problema não é a falta de leitos, mas a fragilidade da rede.
AVALIAÇÃO
A partir da própria palestra de abertura, o espectador menos acostumados com os sofismas e clichês da contra reforma sente-se ameaçado por esse personagem descrito pelo palestrante americano e que rapidamente é associado no imaginário social a um ser anti - social. Trata-se da criação de uma atitude cultural altamente depreciativa ideologicamente repetidas vezes projetadas na mídia, mas no entanto é bom observar que os autores dessa atitude são “puros”, são “científicos “ e portanto, isentos de posições ideológicas. Posição ideológica para eles é coisa de antimanicomial. No entanto sutilmente na palestra do jornalista americano, os desavisados tem a impressão que a desospitalização realizada na era Kennedy foi semelhante à reforma psiquiátrica do Brasil, quando na realidade elas são bem diferentes na sua concepção. Haja visto que nos Estado Unidos a Lei Kennedy deu alta para os usuários hospitalizados sem o acolhimento e o referencial de uma rede psicossocial. Enquanto no Brasil a lei prevê serviços substitutivos, á medida em que é efetuada a redução de leitos. Tal processo é cuidadoso, numa visão de desinstitucionalização que é diferente e algo mais complexo que a desospitalização. Desinstitucionalização implica em oferecer cuidado psicossocial e garantir direitos de cidadania. Isso implica em nova forma de se lidar com a loucura, exigindo do cuidador um preparo bem amplo, sensibilidade e respeito para lidar e criar uma nova cultura que surge dessa relação. No entanto a velha imagem dos hospícios está sendo oferecido na mídia como novidade de tratamento e os velhos sapos da calúnia, injúria e difamação sendo tolerados por nós militantes porque sabemos respeitar a indignação dos usuários vítimas dos acidentes ocorridos nos ditos modernos hospitais psiquiátricos. Só que nesse ponto o debate torna-se obscuro e revela-se a real intenção desses senhores hegemônicos da mídia e dos interesses daqueles buscam confundir a opinião pública, com desserviço da desinformação aproveitando-se das situações limites e dos momentos de desespero das famílias. Situações essas que a militância não pode ignorar.
O mais preocupante foi a fala na última mesa, do coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, quando informou que o Ministério Público Federal acionou o Ministério da Saúde, por solicitação da Associação Brasileira de Psiquiatria entre outros, que sejam reabertos os leitos psiquiátricos no Brasil, na média de 0,5/1000. Isso significa o retorno dos cem mil leitos psiquiátricos no Brasil.
Cirlene, Deusdet, Milton Freire, Paulo Michelon e Silvia. (*)
[1] Loucura – A busca de um pai de portador de THB no insano sistema de saúde mental norte-americano.
(*) Integrantes da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial.
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