A PALAVRA COMPARTILHADA
Anibal Beça ©
E assim se fez verbo
o dom da palavra
para repartir-se
por que ele era só.
E do mesmo barro
fez-se a companhia
para a caminhada
para partilhar
o espanto e as surpresas
a quase igual – Lilith
a quase mulher.
A que rebelou-se
fundando outros verbos
de lado sombrio
mas logo banida
do doce convívio
levada ao perau
mais fundo do mar.
Chamou pelo sono
e trouxe do sonho
a que se fez Eva.
Da vértebra curva
veio para ouvir
aquela que se houve
para ser ouvida
na aventura a dois
chamada Mulher
a chamado do Homem.
E viu para falar
ouviu para dizer
tanta beleza agora
se vai a solidão
na maciez da pele
na relva dos cabelos
na fenda diferente.
Aproximou-se de Eva
e sentiu o seu cheiro
e porque era de espanto
foi deitar-se com ela
no verde da campina
descobrindo seus poros
com o tato da língua
numa conversa muda
mas cheia de arrepios
reinventando colinas
na planície da pele.
E a palavra de pedra
em pedra se afirmava
no claustro dos rochedos
banhado pelas águas
esculpindo nas ondas
o sino das sereias
do mar de Adamastor
o mastro do primeiro
este anagrama ereto
encrespando banzeiros.
No lastro das carícias
pesa o rumor dos corpos
com seu barulho de água
no suor represado.
E a vida nesse instante
não era a mesma vida:
um tempero de febre
ardia na mudança.
E a mulher que era voz
ainda adormecida
balbuciou nomeando
esse homem fricativo:
– amado meu amado.
Então ele se soube
de pedra amolecida
mas senhor da tarefa.
E olhou-a como nunca
olhara em sua volta:
a íris revelando
o seu contentamento
no semblante de calma
na viva descoberta
do fogo prometido.
E desde aquele dia
baniu a solidão
para o deserto da alma
o reservado limbo
do batismo da dor.
Havia agora como
repartir as centelhas
no revirar dos olhos.
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